Em vez de chantagem, Brasil fará história na COP27, diz Marina Silva

(FOLHAPRESS) – “A questão climática agora é uma prioridade estratégica do mais alto nível de governo”, diz a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Em entrevista exclusiva nesta quarta-feira (2) ela adiantou a mudança de rumo na posição brasileira sobre a crise do clima, que passa por negociações diplomáticas nas próximas duas semanas em Sharm el-Sheik, no Egito.

Marina deve participar da COP27, conferência da ONU sobre mudanças climáticas, assim como o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva.

“A orientação [do país nas negociações] não pode mais ser do governo que já foi, entre aspas, ‘demitido’ pelo povo brasileiro”, aponta Marina, que defende a presença de Lula no segmento de alto nível da COP, reservado a ministros e chefes de Estado, na condição de futuro presidente, ainda que informalmente.

“O Al Gore, que foi vice-presidente dos Estados Unidos, tem participado, então poderíamos criar um novo precedente”, argumenta.

Na visão dela, “o Brasil vai deixar de ir para a COP para fazer chantagem” –em referência aos pedidos do ex-ministro Ricardo Salles (PL-SP), deputado federal eleito, para que os países remunerassem o Brasil como condição para a conservação.

“O Brasil vai para a COP para fazer história”, conclui.

Marina lembra, por exemplo, que o presidente dos EUA, Joe Biden, foi eleito colocando o meio ambiente no centro de sua campanha. Para ela, o fato de Lula também ter alçado o tema a um lugar de destaque no debate mostra não só uma atualização do discurso do petista, mas aponta para a possibilidade de o país assumir protagonismo no cenário mundial.

Eleita deputada federal (Rede-SP) para a próxima legislatura, Marina não se manifesta sobre sua possível nomeação para voltar ao comando da pasta no governo Lula, enfatizando que suas contribuições são programáticas e não estão condicionadas à obtenção de cargos.

No entanto, ela já apresenta uma série de estratégias que o novo governo pode adotar na COP27 –evento ao qual ela iria de todo modo, destaca, porque está credenciada de antemão como representante da sociedade civil.

Entre as propostas de Marina, está o resgate da atuação do Brasil como mediador das negociações em temas desafiadores, como perdas e danos causados pelo clima.

A ex-ministra defende o conceito de “vetor ativo” como critério para definir por quais danos climáticos os países que mais emitem gases-estufa podem ser responsabilizados. “Por exemplo, Bangladesh, que não contribuiu para as emissões, mas é vítima das emissões. O vetor dessas perdas é ativo, é a mudança climática, então deve ser recompensado”, cita.

Ela também sugere uma participação mais ativa no financiamento climático por parte do Brasil, “um país de renda média alta que se dispôs em 2014 a contribuir financeiramente”. “Eu acho que isso vai voltar”, sinaliza quanto ao tema, que deve ter repercussão entre as economias emergentes na COP.

Marina Silva é um dos principais nomes cotados para assumir o Ministério do Meio Ambiente (MMA), segundo interlocutores ligados ao presidente eleito.

Entre as vantagens de Marina, segundo os defensores de seu nome para o MMA, está a experiência no cargo e o reconhecimento internacional da sua gestão, cuja estratégia promoveu redução histórica de 83% do desmatamento da Amazônia.

Por outro lado, pessoas ligadas à campanha de Lula acreditam que o crédito internacional cacifa o nome de Marina para uma secretaria de emergências climáticas.

A criação do órgão é uma demanda do setor para o novo governo. Ele funcionaria subordinado à Presidência, fazendo a representação do país nessa área –a exemplo de potências como EUA e Alemanha, que contam com figuras de renome como seus enviados especiais do clima.

“Eu não propus essa ideia de uma secretaria, de ser porta-voz para fora”, diz, porém, Marina, quando questionada se aceitaria o possível posto.

Ela cita sua proposta, entregue a Lula, de criar uma Autoridade Nacional de Segurança Climática. Essa, por sua vez, funcionaria como uma autarquia ligada ao MMA –o que é interpretado por interlocutores como uma preferência de Marina de voltar ao antigo posto.

O foco da Autoridade Nacional seria a implementação das metas climáticas país adentro, em articulação com governos e setores econômicos, enquanto a Secretaria também teria papel diplomático.

Proposta pela rede Uma Concertação pela Amazônia e endossada pela ex-ministra do MMA Izabella Teixeira, ligada ao programa de governo de Lula na área ambiental, a nova função ainda precisaria passar por uma definição de poderes e orçamento.

O risco, na avaliação de pessoas ligadas à Rede Sustentabilidade, seria ter um órgão de divulgação sem poderes efetivos.

Outra possibilidade para o MMA é o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP). Ele é visto pelos petistas como um nome mais próximo de Lula e com capacidade de articulação com setores atuantes na Amazônia.

No início do ano, Randolfe desistiu de concorrer ao governo do Amapá para integrar a campanha de Lula. Marina, por outro lado, aderiu ao projeto de Lula somente em setembro, após reunião na qual ele adotou suas propostas para a área ambiental.

“Do ponto de vista pessoal, nunca rompemos esse laço. O afastamento era político e esse laço programático e político foi restabelecido”, afirma Marina.

A ida de Randolfe à COP27 ainda não está confirmada, segundo a equipe, que avalia a possibilidade de ele faltar ao evento e evitar assim um conflito de interlocução, já que os dois nomes são do mesmo partido.

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