BAURU, SP (FOLHAPRESS) – Um levantamento realizado pelo jornal La Tercera indica que a eleição dos 155 legisladores que serão responsáveis pela elaboração da nova Constituição do Chile deixou o país mais próximo de incorporar questões e direitos fundamentais à Carta, ao mesmo tempo em que sinaliza destinos diferentes para instituições chilenas como o Banco Central, o Tribunal Constitucional e a própria Presidência.
Durante mais de três meses, o jornal ouviu mais de mil candidatos à Assembleia Constituinte, dos quais 120 foram eleitos na votação do último final de semana, número que representa 78% do total de assentos e que, portanto, funciona como amostra do direcionamento dos legisladores.
A partir das entrevistas com os candidatos, o levantamento identificou que o perfil dos constituintes é, em sua maioria, jovem (média de idade de 45 anos), advogado (a maior parte dos eleitos tem o direito como profissão) e independente (não pertencem a um partido político.)
De acordo com os resultados, quase nove em cada dez eleitos são favoráveis à redução de poder da Presidência do Chile. Os que propõem a adoção de sistema semipresidencialista, com um primeiro-ministro como chefe de Estado, são 46,8%, enquanto outros 40% disseram preferir o modelo atual com algumas atenuações ao poder do presidente.
Só 6,6% preferem manter o presidencialismo como ele é hoje, o que é exatamente o mesmo percentual dos que são favoráveis a um modelo parlamentarista. Os números indicam ainda que não há consenso em relação ao mandato presidencial, mas 58,3% dos entrevistados se disseram mais próximos de estabelecer mandatos de quatro anos e 62,5% se opuseram à possibilidade de reeleição imediata.
O Congresso chileno, que desde 1822 é dividido em duas câmaras –uma para deputados, outra para senadores– também pode estar perto de uma mudança. Pouco mais da metade dos entrevistados (51%) afirmam preferir um Parlamento unificado.
A outra metade se divide entre os 18,3% que manteriam o modelo atual e os 30,7% que gostariam de manter duas Casas, mas em uma configuração que estabeleça uma como formada por representação política e outra por representação territorial.
Outra instituição chilena que pode passar por uma reforma ou até deixar de existir é o Tribunal Constitucional (TC) –equivalente ao Supremo Tribunal Federal do Brasil. Segundo o levantamento do La Tercera, apenas 3% dos constituintes entrevistados desejam manter o TC como é hoje.
Quase dois terços (65%) planejam reformá-lo, mudando, entre outros aspectos, a forma como os ministros que o compõem são indicados e a prerrogativa de controlar projetos de lei durante sua tramitação no Congresso. Outros 31% dizem acreditar que a melhor solução é eliminar o TC e criar um novo órgão.
A atual Constituição chilena prevê que cada lei precisa ter dois terços dos votos dos legisladores para ser aprovada, mas apenas 13,3% dos constituintes eleitos ouvidos no levantamento concordam que esse modelo conhecido localmente como “supermaioria” deve permanecer exatamente como é hoje.
A maior parte (45,83%) diz que as supermaiorias devem ser exigidas apenas na votação de alguns projetos específicos, e os que desejam suprimir completamente esse modelo são 40,83%. Para estes, a maioria simples e absoluta das votações deve ser suficiente para a aprovação de novas leis a partir da promulgação da nova Constituição.
O La Tercera também ouviu os candidatos sobre suas posições em relação ao funcionamento do Banco Central do Chile. Atualmente, a instituição é autônoma, ou seja, tem liberdade para delimitar sua atuação para o cumprimento de metas, sem interferências políticas.
Para 86,7% dos entrevistados, é assim que o Banco Central deve continuar nos termos da nova Carta. A cifra é a soma dos 49,2% que buscarão manter a autonomia, mas se disseram a favor de introduzir reformas e dos 37,5% que não querem nenhuma alteração. Os 13,3% restantes defendem o fim da autonomia constitucional do BC.
O La Terceira também investigou o tipo de estabelecimento de ensino em que estudaram os eleitos. Dos 132 legisladores dos quais foi possível obter os dados escolares, 67% estudaram em instituições públicas ou foram bolsistas em particulares (49 e 40 constituintes, respectivamente). Os 43 restantes (33%) vieram de escolas de elite.
As respostas dos constituintes indicam que a nova Constituição chilena deve contemplar direitos mais específicos em seus artigos. Dos entrevistados, 91,6% defendem, por exemplo, a inclusão do acesso, proteção e distribuição de água como um direito fundamental e um bem nacional de uso público.
De forma semelhante, 69,2% sustentam que deve ser responsabilidade do Estado oferecer acesso igualitário e universal à moradia digna de acordo com o tamanho dos núcleos familiares.
Também há consenso em garantir na Carta o acesso à energia como direito fundamental, embora existam diferenças nas modalidades: 41,7% sugerem que seja consagrado um modelo em que o Estado garanta igualdade de acesso às fontes de energia renováveis, limpas, verdes, não poluentes e de baixo custo, e 33,33% defendem que o Estado deve atuar como o principal fornecedor de energia.
Dos 120 eleitos ouvidos pelo La Tercera, apenas um disse que não deveria haver reconhecimento dos povos indígenas na redação da nova Constituição, embora a própria composição da Assembleia tenha garantido uma cota de 17 assentos a membros dessas comunidades.
Por outro lado, 70% se disseram a favor de, não apenas reconhecer os povos originários, como também a diversidade cultural do Chile e a definição do país como um Estado plurinacional.
Em termos de perspectiva de gênero, 73,33% dos entrevistados concordam que a Constituição deve conter medidas específicas que considerem como dever do Estado a igualdade efetiva entre homens e mulheres, regras de não discriminação e igualdade salarial.
A redação da nova Carta começa em junho e levará até um ano. Depois, haverá novo plebiscito, no qual a população decidirá se aprova ou não a reformulação. Em um recado ao governo do presidente Sebastián Piñera e aos partidos tradicionais, candidatos independentes foram os mais votados e formarão 42% do novo órgão, com 65 das 155 cadeiras.
A aliança governista, que concorreu em uma lista única, conseguiu apenas 37 das 155 cadeiras (24%) do órgão constituinte. Já a esquerda, dividida em duas relações, conquistou 53 assentos (34%).
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