BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O ministro Paulo Guedes (Economia) defendeu em julho retirar do projeto de lei do Imposto de Renda a regra que tributaria recursos em paraísos fiscais. Para ele, a discussão complicaria o debate sobre o texto.
“Ah, ‘porque tem que pegar as offshores’ e não sei quê. Começou a complicar? Ou tira ou simplifica. Tira. Estamos seguindo essa regra”, disse o ministro em debate realizado em julho.
O evento foi organizado por CNI (Confederação Nacional da Indústria) e Febraban (Federação Brasileira de Bancos).
Guedes, sua esposa e sua filha são acionistas de uma offshore nas Ilhas Virgens Britânicas, conhecido paraíso fiscal, segundo reportagens publicadas neste domingo (3) por veículos como a revista Piauí e o jornal El País, que participam do projeto do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (o ICIJ).
Os documentos fazem parte da Pandora Papers, investigação promovida pelo consórcio.
Em 2015, a offshore tinha US$ 9,5 milhões (aproximadamente R$ 51 milhões, em valores atuais), detalham as reportagens. Em sua resposta às reportagens, o ministro não deixa claro se enviou recursos à offshore após assumir a pasta.
O ministro deu a declaração sobre retirar a tributação no evento enquanto defendia o projeto que alterava o Imposto de Renda, dizendo que o objetivo era a redução e a simplificação de impostos.
Segundo ele, certas regras apresentadas originalmente haviam deixado “muita gente nervosa”, inclusive o mercado financeiro e investidores de fundos imobiliários -que passariam a pagar imposto sobre rendimentos (hoje, isentos). Por isso, disse, houve alterações.
“Não vamos botar em risco a retomada do crescimento econômico sustentável, que é o que está acontecendo”, afirmou Guedes em seguida, pedindo apoio à aprovação.
“Eu sou um democrata, estou tentando ajudar. Não deu, vamos esperar a próxima, fazer outro dia, outra chance, no futuro, talvez, quem sabe”, disse.
O artigo 6º do projeto de lei apresentado pelo próprio Guedes para mudar o Imposto de Renda, enviado originalmente em junho, criava uma tributação sobre os lucros de recursos das pessoas físicas residentes no Brasil alocados em empresas estrangeiras (as offshores) que estejam sediadas em paraísos fiscais.
Mas a regra foi retirada após reuniões entre Guedes e o então relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA).
A cobrança seria feita mesmo se o dinheiro não fosse trazido ao Brasil e deveria compor a declaração de ajuste anual do Imposto de Renda. Segundo o texto, até mesmo o rendimento resultante de variação cambial deveria ser tributado por ser considerado ganho de capital.
Atualmente, indivíduos brasileiros não estão sujeitos a essas regras -o que amplia as vantagens tributárias de quem pode enviar e manter recursos no exterior, diminui a receita nacional com impostos, agrava as contas públicas e amplia desigualdades.
“Isso abre uma possibilidade de planejamento tributário muito grande e desigual, porque é muito mais favorável [para os mais ricos] do que para o indivíduo que tem capacidade menor de se globalizar”, disse Zayda Manatta, chefe do Fórum Global sobre Transparência e Troca de Informações para Fins Fiscais da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo em julho.
A OCDE recomenda a aplicação da regra e desde 2015 sugere aos países maior rigor da legislação para taxar o rendimento do acionista (seja pessoa física, seja jurídica) pelos lucros obtidos por entidades em territórios com regime fiscal privilegiado.
Em julho, no mesmo debate com Guedes promovido por CNI e Febraban, o relator defendeu a exclusão da regra.
“Combate à elisão [estratégia contábil para fugir de impostos], ao diferimento e até mesmo à sonegação são importantes mecanismos, mas vamos deixar para discutir em uma matéria [separada] relacionada a esse assunto”, disse o deputado na época, sem estimar quando as regras seriam discutidas.
Alguns dias depois, o relator Sabino mudou de planos e chegou a dizer que a regra seria reinserida para gerar arrecadação e por um dever “patriótico”, mas depois recuou e apresentou em agosto uma nova proposta sem a previsão.
Nesta segunda-feira (4), o relator do projeto que altera regras do Imposto de Renda, senador Angelo Coronel (PSD-BA), afirmou que vai analisar uma eventual reinserção das regras eliminadas.
“Eu vou entrar nesse tema”, afirmou o senador à Folha de S.Paulo. “Se tributasse, seria mais uma fonte de receita para o país”, disse.
O senador afirmou que é preciso levantar principalmente quanto a medida pode trazer de arrecadação e que vai pedir dados para a Receita Federal.
“Se você manda o dinheiro lá para fora, mesmo que legalmente, não custa nada pagar um percentual de imposto. É um assunto para estudo e vou me debruçar sobre ele. É importante saber o impacto, o quanto geraria de tributo para o país”, afirmou.
Ele disse que ainda não havia se voltado ao tema e que, dos grupos ouvidos, ninguém havia levantado a questão.
Para ele, ainda há dúvidas sobre como seria o mecanismo ideal de tributação. Ele defende não taxar recursos que já pagaram impostos no Brasil, especialmente após a aprovação da taxação de dividendos. Por exemplo, lucros que foram obtidos a partir de uma aplicação financeira no Brasil, pagaram impostos e, depois disso, foram enviados ao exterior.
Mesmo nesses casos, no entanto, ele diz que pretende analisar como poderia se dar a cobrança de imposto a partir dos rendimentos dessas aplicações financeiras.
O senador disse que busca um texto que reúna consenso no Congresso e lembra que, se fizer alterações, elas ainda poderiam ser negadas pela Câmara -já que, em caso de mudanças no texto, a proposta volta para a análise dos deputados.
O governo tem pressa na aprovação do projeto, já que ele serve de embasamento legal -nos planos do governo- para a criação do Auxílio Brasil (substituto do Bolsa Família).
Mesmo assim, ele rejeita a pressão. “Vou ouvir todos os segmentos e vamos fazer audiências públicas, porque isso mexe com a vida de todos os brasileiros. Não dá para receber chantagem do Paulo Guedes”, disse.
Procurado, o Ministério da Economia afirmou que “toda a atuação privada do Ministro Paulo Guedes, anterior à investidura no cargo de ministro, foi devidamente declarada à Receita Federal, Comissão de Ética Pública e aos demais órgãos competentes, o que inclui a sua participação societária na empresa mencionada”.
“As informações foram prestadas no momento da posse, no início do governo, em 2019. Sua atuação sempre respeitou a legislação aplicável e se pautou pela ética e pela responsabilidade. Desde que assumiu o cargo de Ministro da Economia, Paulo Guedes se desvinculou de toda a sua atuação no mercado privado, nos termos exigidos pela Comissão de Ética Pública, respeitando integralmente a legislação aplicada aos servidores públicos e ocupantes de cargos em comissão”, disse a nota do Ministério da Economia.
O Código de Conduta da Alta Administração Federal proíbe, em seu artigo 5º, “investimento em bens cujo valor ou cotação possa ser afetado por decisão ou política governamental a respeito da qual a autoridade pública tenha informações privilegiadas”.
Offshore é um termo em inglês usado para definir empresa aberta em outros países, normalmente locais onde as regras tributárias são menos rígidas e não é necessário declarar o dono, bem como a origem e o destino do dinheiro.
Não é ilegal ter uma offshore, desde que declarada à Receita Federal, mas a falta de transparência desse tipo de empresa faz com que, frequentemente, elas sirvam para fins ilícitos, como ocultação de patrimônio.
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