SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O dólar subiu 0,63% e fechou a segunda-feira (24) cotado a R$ 5,751, em sessão marcada por novos detalhes do tarifaço do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
Internamente, falas do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mexeram com o mercado. O chefe da ala econômica do governo comentou sobre a arquitetura do arcabouço fiscal e o cumprimento das metas sobre as contas públicas.
Os destaques do dia também pautaram o pregão da Bolsa, que fechou em queda de 0,77%, aos 131.321 pontos.
Em evento promovido pelo jornal Valor Econômico, Haddad disse estar “confortável” com o funcionamento do arcabouço fiscal, embora sejam necessários “ajustes na máquina” para que o sistema se mantenha efetivo.
“Depois, quando você estiver numa situação de estabilidade da dívida (em relação ao) PIB, você tiver uma Selic mais comportada e uma inflação mais comportada, você vai poder mudar os parâmetros (que balizam o arcabouço). Mas, na minha opinião, não deveríamos mudar a arquitetura”, disse.
O titular da Fazenda ainda afirmou que novas medidas para reforçar o arcabouço -a exemplo dos cortes de gastos no final do ano passado- podem ser consideradas no médio e no longo prazo.
As falas do ministro tiveram repercussão imediata no câmbio. O dólar atingiu a máxima de R$ 5,772 pouco antes das 10h da manhã, quando o mercado interpretou que o governo estaria disposto a mudar as metas do arcabouço fiscal.
“Gerou um pouco de ruído, dado que ele reforçou que vai perseguir o arcabouço, mas que não se muda a arquitetura, só uma ou outra coisa”, avalia Rodrigo Moliterno, chefe de renda variável da Veedha Investimentos.
Com a reação, o ministro retificou a fala na rede social X (ex-Twitter). “Estão tentando distorcer o que eu falei. Disse que gosto da arquitetura do arcabouço fiscal, que estou confortável com os seus atuais parâmetros e que defendo reforçá-los com medidas como as do ano passado”, escreveu ele.
“Para o futuro, disse que os parâmetros podem até mudar, se as circunstâncias mudarem, mas defendo o cumprimento das metas que foram estabelecidas pelo atual governo.”
A publicação colocou panos quentes na valorização da moeda norte-americana. O dólar foi de R$ 5,758, às 10h17, para R$ 5,725, às 10h46.
Principal motivo para a disparada do dólar no final do ano passado, as preocupações com a cena fiscal do país foram deixadas de lado, momentaneamente, neste primeiro trimestre de 2025. O foco dos investidores está no tarifaço do presidente Donald Trump, cuja aplicação pouco previsível das tarifas a parceiros comerciais tem inspirado cautela global.
Os temores devem pautar a semana, também marcada por dados de inflação do Brasil e dos Estados Unidos.
Nesta segunda, Trump disse que os EUA irão impor tarifas de 25% sobre todas as importações de qualquer país que comprar petróleo da Venezuela -medida que pode abalar os mercados de petróleo bruto e aumentar drasticamente os impostos sobre produtos da China e da Índia.
O anúncio ocorreu dias antes da divulgação do novo regime tarifário para parceiros comerciais dos EUA, esperada para semana que vem. Em uma publicação no Truth Social, Trump disse que estava impondo a tarifa por “várias razões”, alegando que “a Venezuela enviou proposital e enganosamente aos Estados Unidos, disfarçados, dezenas de milhares de criminosos de alto escalão e outros, muitos dos quais são assassinos e pessoas de natureza muito violenta”.
O petróleo tipo Brent, referência para os mercados globais, subiu 1,34% em resposta.
Trump se referiu à medida como uma “tarifa secundária” e disse que ela entrará em vigor a partir de 2 de abril, o apelidado “dia da libertação”, quando impostos recíprocos sobre outros países também entrarão em vigor.
A reciprocidade tarifária dos Estados Unidos mira espelhar as taxas praticadas pelos parceiros comerciais sobre produtos norte-americanos. Japão, Índia e União são os maiores alvos das novas medidas, segundo disse um funcionário do alto escalão do governo em fevereiro, enquanto o documento informativo da Casa Branca acrescentou o Brasil à lista.
Reportagens do Wall Street Journal e da Bloomberg informaram que algumas tarifas sobre setores específicos podem ser descartadas no “dia da libertação” ou adiadas. Um funcionário do governo, no entanto, advertiu que a situação é fluída e que nenhuma decisão final foi tomada.
Uma eventual retaliação dos países afetados não é carta fora do baralho. Para o mercado, a maior preocupação é que a guerra comercial escale e distorça cadeias de suprimentos globais, o que pode encarecer diversas categorias de produtos. No caso específico dos Estados Unidos e de outras potências econômicas, como a Alemanha, há ainda temores de que o tarifaço provoque uma recessão.
“O ambiente externo inspira cautela e aversão ao risco, o que pode privilegiar a busca por ativos considerados portos seguros para momentos de estresse e incerteza, como ouro, franco suíço e iene japonês. Isso é um fator de pressão para o real”, diz Leonel Mattos, analista de Inteligência de Mercado da Stone X.
Se o tarifaço aumentar o custo de vida dos norte-americanos, é possível que a briga do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) contra a inflação sofra um revés e force a manutenção da taxa de juros em patamares elevados. Quanto maiores os juros por lá, mais atrativos ficam os rendimentos dos títulos do Tesouro dos EUA, os chamados treasuries, o que fortalece o dólar globalmente.
O próprio presidente do Fed, Jerome Powell, endereçou esses temores em entrevista coletiva na semana passada, após a autoridade monetária decidir manter os juros na faixa de 4,25% e 4,50% pela segunda vez consecutiva. Ele disse que é “muito cedo para ver efeitos significativos das tarifas”, mas que “o progresso na inflação pode ser adiado por causa delas” e que “boa parte das projeções de alta deriva da política tarifária”.
O cenário desenhado por especialistas é de uma “estagflação”, isto é, quando a inflação está elevada e a economia não cresce.