Dólar a R$ 6 pós-pacote de Haddad atiça a inflação, que ganha força no atacado

FERNANDO CANZIAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A frustração do mercado financeiro com as medidas anunciadas na quinta-feira (28) para minimizar a atual crise fiscal levou o dólar a R$ 6 e agravou um quadro que já preocupava: o possante impacto que a moeda norte-americana vem tendo na inflação no atacado, que eventualmente chegará aos consumidores, e nas expectativas futuras de novos aumentos de preços.

 

Acompanhando de perto a valorização do dólar em 2024, de 22%, o IPA (Índice de Preços por Atacado) calculado pela FGV inverteu completamente a tendência neste ano. De uma deflação de 6,31% em janeiro, a taxa atingiu 6,32% positivos em outubro. Isto antes disparada do dólar em novembro, com subida de 5% no mês.

Entre os itens com as maiores elevações constam vários impactados diretamente pela moeda dos EUA, uma vez que commodities agrícolas (soja e milho, por exemplo) e metálicas cotadas no mercado internacional, além de matérias-primas para o agro (uma vez que fertilizantes).

A sustento em universal no IPA saiu de uma deflação de 1,35% em janeiro para subida de 9,53% em outubro. Embora o aumento também tenha sido impulsionado por eventos climáticos que impactaram recentemente as carnes, a variação de preços de matérias-primas para o agro disparou. Saiu de -14,25% em janeiro para 16,48% em outubro.

Os chamados bens finais (prontos para o consumo, de eletrônicos a produtos de limpeza) também partiram de uma pequena deflação no atacado em janeiro para uma subida de 5,58% em outubro, pressionados por materiais mais caros, muitos deles indexados ao dólar.

“Tivemos uma valorização possante do dólar e isso tem impacto, sem incerteza nenhuma. Numa situação de economia e trabalho aquecidos uma vez que a atual, o mercado consegue repassar aos preços esse maior dispêndio cambial”, diz Guilherme Moreira, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Instalação Instituto de Pesquisas Econômicas (IPC-Fipe).

Quando a demanda não é tão possante, preços no atacado não necessariamente chegam aos consumidores porque fornecedores e compradores acabam estreitando margens de lucro para vender e comprar. Mas quando o mercado sanciona preços maiores, os repasses acontecem.

Neste ano, a economia caminha para crescer tapume de 3,5% e o desemprego em outubro caiu a 6,2%, menor taxa da série do IBGE. Na contramão, o real foi a moeda que mais se desvalorizou entre os 23 emergentes no índice Morgan Stanley Capital International (MSCI). Em média, juntas elas perderam 0,31% do valor em relação ao dólar -ante os -22% do real.

“A incerteza é se o dólar volta a desabar. Pelo que temos visto, o mercado acredita que não vai ter restituição dessa valorização. Ao menos uma boa secção fica, o que possibilita um espalhamento maior da inflação para outras áreas.”

Moreira afirma que o impacto cambial já afeta, por exemplo, vitualhas industrializados, dependentes de produtos químicos e metálicos para embalagens. “Nos vitualhas in natureza, se um pouco sobe um mês por questão climática, pode ser revertido adiante. Mas quando isso chega aos industrializados pelo câmbio, a coisa vai ficando séria”, diz.

O grupo sustento tem peso equivalente a 25% do índice da Fipe, o maior individualmente. “Cinema as pessoas cortam, mas não dá para parar de manducar. Aí, os pobres acabam mais afetados.”

André Braz, coordenador dos índices de preços da FGV Ibre, pondera que, até outubro, os principais núcleos de inflação -não os do atacado, e que excluem preços com maior volatilidade- têm variações acumuladas em 12 meses entre 3,46% e 4,15%.

Para confrontar, os núcleos estão próximos da meta do Banco Meão, de 3% em 2024, com margem até 4,5%. Mas a meta não leva em conta núcleos, mas a inflação universal medida pelo IPCA. Em 12 meses, o IPCA-15, prévia da inflação de novembro, subiu 4,77% -acima da meta.

“Temos um mercado de trabalho aquecido, que mantém subida a inflação de serviços [5% em 12 meses] e um pessimismo maior em relação ao porvir, com gatilhos inflacionários cada vez mais frequentes”, diz Braz. Entre eles, além da escalada do dólar, há a recorrência de crises climáticas que podem afetar preços de vitualhas.

Economistas defendem que a política fiscal seja mais restritiva para ajudar o Banco Meão a controlar a inflação com doses menores de juros. Mas o que se viu no dia do lançamento do pacote pelo governo foi o aumento do pessimismo.

Para José Márcio Camargo, economista-chefe da Genial Investimentos, o problema com o dólar em subida é que ele não se limita a atiçar a inflação presente, mas impacta nas expectativas futuras. “As pessoas olham para isso e sabem que haverá pressão sobre os preços, e as expectativas de inflação estão se descolando muito rápido da meta do Banco Meão.”

Em sua opinião, para além da subida do dólar, esse descolamento tem a ver com “a credibilidade do Banco Meão”. “Haverá mudança de comando no término do ano, com a ingressão do [Gabriel] Galípolo [indicado por Lula]. Ele vai vedar essa perda de credibilidade com um choque maior de juros ou vai deixar a coisa percorrer? Isso está na cabeça de todo mundo”, afirma.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, afirma que a valorização do dólar ao longo de 2024 ocorreu em grande medida devido à suspicácia do mercado na capacidade do governo de ajustar suas contas e de controlar o aumento da relação entre a dívida bruta e o PIB.

“Em menos de um ano, passamos de um dólar aquém de R$ 5 para R$ 6. Isso ocorre porque não faz sentido, uma vez que se projeta, termos um aumento superior a 12 pontos na relação dívida/PIB em condições normais de uma economia, sem choques, uma vez que foi o caso da pandemia”, afirma.

A Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado, projeta a relação dívida/PIB crescendo de 71,7% para para 84,1% ao longo do governo Lula 3.
Vale afirma que o dólar mais custoso já é incorporado nas planilhas das empresas para 2025, o que leva a reajustes de preços. Para o economista, quanto mais tempo perseverar a crise fiscal, mais duras terão de ser as medidas deste governou ou do próximo, com impactos sociais também maiores.

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