SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O acidente acaba de completar 15 anos. O voo Air France 447 deixou o Rio para Paris na noite do dia 31 de maio de 2009. Mas sumiu sem deixar pistas nas águas internacionais do Atlântico, a cerca de 565 quilômetros da cidade de Natal.
Morreram todos os 228 ocupantes do Airbus A330-200, entre eles 12 tripulantes. Apenas 104 corpos foram resgatados e sepultados em terra. Os demais repousam no mar a 4.000 metros de profundidade. Eram de 32 nacionalidades, 59 brasileiros.
O assunto é evocado desde a última sexta-feira (31) pelo Globoplay, em documentário de quatro episódios dirigidos por Rafael Norton, com a participação de jornalistas da Rede Globo.
“Rio-Paris: A Tragédia do Voo 447” evoca a tensão e o drama das famílias das vítimas. É a mulher francesa que perdeu o irmão de 27 anos que voltava para festejar na França o aniversário do pai. É o pai brasileiro que trazia nos braços a filhinha de 3 anos, na sala para os familiares que a Air France instalou poucas horas depois do acidente, no Galeão. Ele perdeu a mulher e um filho ainda bebê.
Os três inquéritos do BEA (setor do governo francês que investiga acidentes aéreos) apontam a tese, de início inverossímil, de que os pequenos tubos externos para conferir a velocidade de voo tiveram as pontas congeladas e enviaram informações contraditórias para os computadores de bordo.
Os aparelhos se desligaram, deram lugar à pilotagem manual, mas os dois pilotos de turno não estavam treinados para reagir de forma adequada. Quando o comandante foi despertado (era o turno de descanso dele), já era tarde, e o avião estava a caminho do choque da superfície do mar, onde se espatifou e teve os primeiros 41 corpos resgatados apenas mais de duas semanas após o acidente.
O episódio aconteceu num momento politicamente delicado para a França, que estava interessada em vender caças Dassault Rafale para a renovação dos aparelhos da Força Aérea Brasileira. O então presidente francês, Nicolas Sarkozy, embarcou dias após o acidente pela Air France, com destino ao Rio, para inesperadamente participar de um encontro regional em que representou a pequena e politicamente inexpressiva Guiana Francesa. A Airbus é um consórcio com participação da França.
Mas não foram as descobertas demoradas sobre as causas do acidente -as duas caixas-pretas só foram encontradas dois anos depois- que tornaram o episódio emocionalmente mobilizador. Esteve em jogo um desfilar de bobagens evocadas com seriedade pelos próprios envolvidos. A começar por um porta-voz da própria empresa aérea que, no Rio para consolar familiares, disse que o avião fora abatido por um raio, hipótese a seguir desmentida como delirante por técnicos em Paris.
Em momentos de injustificado patriotismo, a mídia brasileira reclamou porque o inquérito foi transferido para os franceses -o avião caiu em águas internacionais- e isso seria pretexto para culpar os brasileiros por algum motivo. Não foi o que aconteceu, e o BEA, ao contrário dos temores, teve um comportamento isento.
O Globoplay, bem mais preocupado em puxar a narrativa para o campo emocional, não se perde nessas picuinhas. No que fez muito bem. Ele hoje reconstitui para o acidente a importância que na época ele teve.
Não foi uma queda de terceiro mundo, com peregrinos anônimos em aparelho vetusto. O A330 tinha apenas quatro anos de operações e seus passageiros eram ilustres. Havia entre eles um Orleans e Bragança de 44 anos, descendente da princesa Isabel, dois executivos da fábrica de pneus Michelin no Brasil e o presidente, também por aqui, de um grupo de siderúrgica alemão. Havia por fim o maestro Silvio Barbato, do Theatro Municipal do Rio.
Um dos detalhes mórbidos consistiu em tentar restituir os últimos momentos de vida dos passageiros e tripulantes. As caixas-pretas demonstraram que nada predispunha ao medo. Foram minutos de descontração. Não houve pânico ou gritos. Os cintos de segurança estavam desatados, e é provável que a maioria dormia. Quatro corpos autopsiados apontaram politraumatismo como causa da morte. Ou seja, a morte ocorreu antes de um provável afogamento.
A conclusão desse quadro era de que a cabine de passageiros não sentiu a tensão entre os pilotos na cabine de comando, que naquele momento já temiam ter perdido o controle do avião. E que não sentiram que o mar se aproximava e diminuía a distância do baque final.
Os investigadores franceses deixaram em seu último relatório 41 recomendações, referência aos erros cometidos. Por sua vez, os sindicatos de pilotos da Air France, em protesto e apreensão, recusaram-se a voar com os modelos falhos de medidores de velocidade, temendo que eles mais uma vez congelassem e desencadeassem uma nova cadeia de erros.