BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Novo presidente da bancada ruralista do Congresso, o deputado Sérgio Souza (MDB-PR) diz que a política externa do Brasil deve ser mais voltada a questões econômicas. “O Brasil tem uma diplomacia que não é de relação comercial.”
Ao ser questionado, em entrevista à Folha, sobre a relação do país com a China, maior mercado de produtos brasileiros, Souza afirma: “Eu sei que há alguns momentos conturbados, de conversas fora da curva. Mas eles [chineses] são pragmáticos. Eles sabem que isso é algo que dá um barulho, mas que depois se acalma”.
A FPA (Frente Parlamentar da Agropecuária) reúne cerca de 300 deputados e senadores e é uma das mais poderosas do Congresso.
Segundo o coordenador da bancada, é amplo o apoio do grupo à agenda liberal do ministro Paulo Guedes (Economia), mas a frente não vai se envolver na pauta de costumes do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Souza assumiu a função nesta semana, quase no mesmo dia em que o governo conseguiu eleger aliados para a presidência da Câmara -Arthur Lira (PP-AL)- e do Senado -Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Ele afirma que, com as trocas, há um clima mais propício para o projeto que altera o processo de liberação de uso de agrotóxicos, mas ainda não há maioria no plenário para aprovar o texto.
PERGUNTA – Houve uma renovação na cúpula do Congresso. Quais as prioridades da Frente Parlamentar da Agropecuária para os próximos anos?
SÉRGIO SOUZA – Eu acho que precisamos melhorar a imagem do agronegócio. A sociedade brasileira precisa compreender o que de fato é o setor e quais mudanças nós queremos, em licenciamento ambiental, na regularização fundiária, nos defensivos agrícolas, e mais alguns projetos -mas esses são os principais.
As pessoas precisam compreender, tanto aqui dentro do Brasil, como no exterior, que há diferenças entre o setor agropecuário no Brasil e lá fora. Nosso solo, por exemplo, é pobre. O clima é diferente.
Nós não queremos que toda hora digam que o Brasil queima e desmata a Amazônia. Não é verdade. Tem gente fazendo coisa errada sim. Temos de punir esses caras. Eles fazem mal ao Brasil.
P – O sr. acredita que o projeto sobre agrotóxicos voltará à discussão?
SS – Há expectativa de essa proposta ser aprovada? Esse projeto não andou por causa do Rodrigo Maia [DEM-RJ, ex-presidente da Câmara]. Apesar de ele ter o compromisso com a gente, ele dizia que não tinha ambiente popular para fazer andar, porque era uma pauta que a sociedade não abraçava.
Realmente não é uma pauta simples. Queremos esclarecer a sociedade. O governo não travou isso. Em momento algum. Não foi pautado no plenário [da Câmara]. Mas acho que temos ambiente para votar em plenário, mas não amanhã, sem dar transparência e explicação que a sociedade precisa.
O objetivo do projeto é apenas uma análise mais rápida para liberação de novos produtos. Não interfere uma vírgula na análise da toxicidade dessa molécula. A imagem negativa que estão criando do Brasil é cara ao nosso setor.
P – A imagem do agronegócio no Brasil se deteriorou nos últimos dois anos. Houve, por exemplo, cobranças de investidores estrangeiros.
SS – Nos últimos governos, olhavam-se com lupa todos os comentários dos ex-presidentes. Com o Bolsonaro é assim também. A linguagem de um presidente ecoa muito mais forte do que de quem não detém esse poder. É normal.
Mas o presidente Jair Bolsonaro não está pregando desmatamento. Ele não está pregando a ilegalidade. Ele precisa e já entendeu isso, inclusive já colocou o [vice-presidente Hamilton] Mourão para cuidar desse assunto [ambiental].
Ninguém tem a preservação [ambiental] que nós temos. Nós somos uma potência [na produção de alimentos]. Os outros países têm medo da gente. Por isso que a gente tem de fazer o dever de casa. Não tem de queimar floresta. Não precisamos disso.
A produtividade de grãos já é muito alta. Precisamos melhorar a produtividade é na pecuária.
P – A conturbada relação do Brasil com a China prejudica o comércio bilateral?
O governo precisa mudar a postura na relação com o país, que é o maior mercado das exportações?
SS – A China precisa da gente e a gente precisa dela. Não vamos perder esse mercado. Eu sei que há alguns momentos conturbados, de conversas fora da curva. Mas eles são pragmáticos. Eles sabem que isso é algo que dá um barulho, mas que depois se acalma.
Esses comentários sem o devido tato com as palavras não atrapalham nas relações comerciais. Cria um clima ruim. Mas eles dependem [de nós] e eles estão investindo no Brasil.
P – Mas a relação não deveria ser menos conflituosa?
SS – Quanto mais diplomacia tivermos, melhor é para as relações. O Brasil historicamente é um país tido como referência diplomática. Mas o Brasil tem uma diplomacia que não é de relação comercial. É isso que nós precisamos. Intensificar nossas relações comerciais por meio das relações diplomáticas.
P – Uma promessa de campanha de Bolsonaro é a anistia das dívidas do Funrural (Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural), que chegam a cerca de R$ 11 bilhões. Como deve ficar isso?
SS – A gente não pode culpar o presidente Jair Bolsonaro por ele não ter conseguido avançar nisso, porque os técnicos e juristas disseram que não dava para fazer assim [anistia] diante do risco de ser enquadrado em crime de responsabilidade. Nós estamos trabalhando nesse tema. Estamos buscando uma espécie de parcelamento, redução de multas e juros, espécie de Refis [programa de parcelamento de dívidas]. Acredito que vamos avançar nisso até o fim do ano. É muito difícil de se resolver como anistia.
P – Qual a posição da bancada ruralista em relação à agenda econômica liberal do governo, como reforma tributária e administrativa, além das privatizações?
SS – A frente é a favor da redução do custo de produção, do custo Brasil. Essas reformas são extremamente necessárias para isso.
Tem alguns pontos setoriais na reforma tributária que queremos, como reduzir a base de cálculo do ICMS de insumos agropecuários, mas a reforma é boa para o Brasil. Se a economia cresce, é melhor para todos os setores.
E a reforma administrativa é necessária para reduzirmos o tamanho do Estado, pois o Orçamento está quase todo engessado.
O governo também precisa privatizar estatais para ter mais dinheiro em caixa, mas não basta isso. Tem que mexer na PEC do Gasto [proposta que cria mecanismos de corte temporário de despesas obrigatórias em momentos de aperto fiscal]. Até a Eletrobras eu acho que tem de vender. A energia elétrica é muito cara.
P – Esse alinhamento entre a bancada e o governo se intensificou?
SS – Não é que a pauta do governo é a pauta da FPA. E não é que a pauta da FPA é a pauta do governo. Mas elas se coincidem em boa parte. O pensamento da FPA é liberal. Nós precisamos dar mais autonomia ao setor privado.
P – O presidente Bolsonaro interferiu na eleição da Câmara, que deu a vitória ao presidente da Câmara, Arthur Lira. Ele derrotou Baleia Rossi (MDB-SP), que é do seu partido. Isso afeta a relação da bancada com a cúpula da Câmara ou com o governo?
SS – Membros da FPA se envolveram fortemente na campanha do Lira, e junto com o governo. Muitos da FPA votaram no Baleia Rossi. Isso é natural da política. Não houve nenhum tipo de racha dentro da bancada. E a frente não fez campanha para nenhum dos candidatos.
P – A bancada ruralista é da base do governo?
SS – Quase todos os membros da FPA são da base do governo.
P – Você se declara da base?
SS – É só ver minha posição nas votações. Eu não saberia identificar aqui um projeto que eu tenha votado contra a orientação do governo, a não ser que tenha ferido alguma orientação ideológica.
P – A bancada também está alinhada à agenda ideológica, por exemplo, em projetos de flexibilização de porte de armas?
SS – Existe uma pauta de Estado e uma pauta de governo. A pauta de Estado é a da FPA. A pauta de governo a FPA enquanto instituição ela pode debater, mas cada parlamentar vai ter sua posição.
SÉRGIO SOUZA, 49
Deputado federal, assumiu em 2021 o comando da FPA (Frente Parlamentar Agropecuária), mais conhecida como bancada ruralista. Formado em direito pela Universidade Tuiuti do Paraná. Chegou ao Congresso em 2011 quando assumiu a vaga de suplente de Gleisi Hoffmann (PT) no Senado. Depois, em 2014, se elegeu para a Câmara, onde está desde 2015
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