SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Brasil manteve em elevados níveis a sua “contribuição” com a crise climática mundial. Com os dados de desmatamento da Amazônia registrados pelo Deter, divulgados nesta sexta-feira (12), o país viu a manutenção de um patamar preocupante, segundo especialistas, de derrubada da maior floresta tropical do mundo, destruição que é o principal vetor brasileiro de emissão de gases-estufa.
Os níveis de desmatamento também aproximam a região de uma situação incontrolável, apontam pesquisadores. Como é feita atualmente, a fiscalização não será mais suficiente para conter os crimes dado o tamanho e o espraiamento da destruição.
O sistema Deter do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) aponta pouco mais de 8.590 km² desmatados na Amazônia de agosto de 2021 a julho de 2022 (período-base convencionado para mensuração do desmatamento).
A função primária do Deter não é medir desmates -tarefa que é cumprida pelo sistema Prodes, também do Inpe-, mas, sim, auxiliar operações de combate a crimes ambientais. Apesar disso, pelo acompanhamento por satélite quase em tempo real da retirada de vegetação da floresta, é possível usar o Deter para perceber tendências de supressão vegetal.
Desde o início do governo Jair Bolsonaro (PL), dados do Deter e também do Prodes consolidaram uma explosão na destruição da Amazônia e a consolidação de números altíssimos de desmatamento, tanto mensais quanto anuais.
Com os níveis atuais de desmatamento registrados -com diversos meses com destruição amazônica acima dos 1.000 km²-, os compromissos climáticos internacionais do Brasil podem ficar em xeque, especialmente a redução da emissão de gases-estufa. O país também se comprometeu a zerar a derrubada ilegal de mata nativa até 2028.
A situação é gravíssima, afirma João Paulo Capobianco, membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura e do conselho diretor do Instituto Democracia e Sustentabilidade.
“Vai ficando difícil de reverter porque o desmatamento vai ganhando escala, vai se espraiando pelo território”, afirma Capobianco, que aponta que tem havido uma penetração do desmatamento em áreas mais profundas da Amazônia, inclusive em seu coração, no Amazonas.
O representante da Coalização demonstra preocupação, assim como outros pesquisadores e ambientalistas, de que a licença prévia para as obras no chamado “trecho do meio” da BR-319 acelere ainda mais esse processo de expansão da destruição.
“O cenário é muito ruim. Nós estamos caminhando aceleradamente para chegar próximo ao ‘ponto de não retorno'”, termo usado para descrever o momento em que, ao chegar a determinado nível de destruição na Amazônia -estimativas apontam que talvez ele não esteja muito distante-, a floresta passará por um processo de savanização, no qual a sua biodiversidade e serviços ecossistêmicos serão perdidos.
Capobianco lembra de situações anteriores de crescimento de desmate que conseguiram ser revertidas, mas afirma que a situação atual se apresentará mais complexa a possíveis futuros governos. Ou seja, o modo como se combate o crime ambiental hoje talvez não vá mais ser suficiente para conter o desmatamento.
O especialista diz que o governo Bolsonaro é insensível quanto ao desmate e não tem compromisso com o combate a esse tipo de crime -apesar de uma mudança recente no tom do discurso sobre o assunto.
Além da preservação ambiental, o controle do desmatamento no país é importante para o cumprimento da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês) brasileira no Acordo de Paris. Para cumprir o que se propôs, o país precisa necessariamente reduzir drasticamente o desmatamento na Amazônia. Enquanto em outros países a queima de combustíveis fósseis para geração de energia é o que mais emite gases, no Brasil, a derrubada de florestas é a ação que mais emite gases-estufa, seguida pela atividade pecuária.
Em sua NDC atualizada (meta climática), o Brasil se compromete a diminuir, em 2030, 50% dos gases emitidos, em 2025 ter reduzido 37% das emissões, em relação a 2005, e a chegar em 2050 em uma situação de neutralidade de carbono. Ou seja, enquanto houver desmatamento crescente, o país continuará a emitir cada vez gases-estufa, como tem ocorrido.
Vale mencionar que a nova meta brasileira oficializa uma “pedalada climática”, considerando que alterou os dados de base para comparação sem aumentar a ambição de cortes de emissões.
“Manter esses níveis de desmatamento e já vivenciando o problema ligado às mudanças climáticas e a desregulação do clima [local] que o desmatamento da Amazônia e do cerrado causam, afetando o regime de chuvas do Centro-Oeste e do Sudeste, é bastante preocupante”, afirma Edegar de Oliveira, diretor de conservação e restauração do WWF-Brasil.
“Isso mostra a característica desse governo, que não tem preocupação em relação ao combate ao desmatamento. Mesmo que a narrativa tenha mudado, na prática continua a mesma coisa, é um governo que destrói o meio ambiente.”
Capobianco ressalta que, pela complexidade do tema, os impactos sobre o clima em decorrência do que está acontecendo na floresta ainda não são totalmente conhecidos. “Nunca tivemos a oportunidade de estudar uma alteração tão radical em um ambiente como o como o da Amazônia. É uma alteração de escala enorme e concentrada.”
“Os dados são extremamente desfavoráveis aos compromissos que o Brasil tem junto ao Acordo de Paris”, afirma o climatologista Paulo Artaxo.
“Infelizmente o processo de destruição da Amazônia continua cada vez mais forte pela falta de políticas que preservem a floresta, políticas de reforço ao fim de atos ilegais ligados ao desmatamento. Não se espera que isso tenha qualquer mudança até janeiro. Esperamos que o próximo governo efetivamente pare o processo de destruição dos ecossistemas naturais do Brasil.”
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