2020 foi um ano fora do roteiro para a ciência.
De um lado, pesquisadores do mundo inteiro que colocaram carga máxima de trabalho para a descoberta da imunização contra a covid-19 – Missão cumprida!
De outro, cientistas que estudam o Universo, adaptaram a rotina que exigiu isolamento social para garantir o andamento de descobertas que marcaram este ano. Com sucesso!
Para Rosaly Lopes, cientista brasileira na Agência Espacial Norte-Americana, até pouco tempo atrás era impossível pensar em uma jornada de trabalho feita de fora dos escritórios da Nasa.
Rosaly atua no Laboratório de Propulsão à Jato e é responsável por um dos principais estudos sobre Titã, a lua de Saturno que é um dos locais mais cotados para existência de vida fora da Terra. Mas, com a chegada da pandemia, ela destaca que foi uma adaptação necessária e, relativamente, tranquila.
“Eu nunca gostei de trabalhar em casa, sempre preferi ir para o escritório. Mas, todo o meu trabalho eu posso fazer em casa pela internet. Nós estamos tendo reuniões pequenas pela internet, que funcionam muito bem. Mas, esperamos que esta crise passe logo” diz.
No Brasil, o Observatório do Pico dos Dias, em Minas Gerais, do Valongo, no Rio de Janeiro e da Unesp, em São Paulo, tiveram as visitações suspensas.
Mas, para o astrônomo da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Thiago Signorini, dados captados antes da pandemia garantiram o homeoffice, neste período.
Para ele, um desafio, além do trabalho e da divulgação científica, foi adaptar as horas em casa com os cuidados com as filhas, ainda pequenas.
“O que acontece é que a maior parte do tempo a gente de frente para o computador analisando dado e esse trabalho não está sendo prejudicado. A grande dificuldade, no meu caso, é dividir esse tempo entre cuidar das filhas pequenas e homeoffice. É um desafio extra que a gente tem que aprender a lidar”, avalia.
Mas, o que dizer dos achados astronômicos de 2020?
Um ano marcado também por eventos como eclipse solar, lunar, conjunção rara de Júpiter e Saturno e chuvas de meteoros – tantas registradas em nossos celulares.
Tem mais! Ano de Nobel de Física para pesquisa sobre Buraco Negro, descoberta da fosfina em Vênus, de lançamento da Space X, que formalizou parceria da iniciativa privada com o governo americano, e missões rumo a Marte.
Com a palavra, os nossos cientistas.
Duilia de Mello, astrônoma, pesquisadora em projetos da Nasa e vice-reitora da Universidade Católica da América.
“Uma das descobertas que mais me chamaram a atenção foi a descoberta de água na superfície da Lua feita pelo telescópio Sofia (da Nasa). Pela primeira vez foi confirmada a presença de água confinada no solo lunar. Não foi que encontraram um lago, mas a molécula misturada no solo. Isso é importante por que a Nasa está programando enviar a Missão Artemis (a caminho do nosso satélite natural) com a primeira mulher na Lua, em 2024. Importante saber se há possibilidade de converter essas moléculas em água líquida para ser usada já na missão. Mas, o ano de 2020 vai ficar marcado pelo prêmio Nobel para os cientistas que comprovaram que existe um buraco negro no centro da nossa galáxia. Destacando Andrea Ghez, que é a primeira dos nossos tempos a ganhar um prêmio Nobel. A quarta mulher a ganhar um prêmio Nobel de Física de todos os tempos.”
Ricardo Ogando, astrofísico do Observatório Nacional, no Rio de Janeiro, ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovações.
Eu acho que descoberta de maior impacto na astronomia em 2020 foi a detecção de fosfina em Vênus. A fosfina é uma molécula que na Terra é produzida artificialmente, mas ela aparece em pântanos onde tem vida microbiana que não depende de oxigênio como fonte de energia. A hipótese mais interessante – somente uma hipótese- é que alguma forma de vida habitaria as nuvens nas partes mais altas, com temperatura de 30 graus são mais aprazíveis do que os 470 graus na superfície do planeta. Essa é uma ideia que foi sugerida na década de 60 por Carl Sagan, famoso astrônomo do programa Cosmos. O mais interessante é que Vênus não estava no topo da lista de candidatos a ter vida no sistema solar. Descoberta que foi bastante contestada pela comunidade astronômica internacional. O fato é que se mostrou que precisamos estudar com muito mais detalhes nossos vizinhos para entender melhor os caminhos que a vida pode percorrer no Universo”
Hélio Jaques Rocha-Pinto, astrônomo, Diretor do Observatório do Valongo, na Universidade Federal do Rio de Janeiro.
“A descoberta que mais me pareceu interessante em 2020 foi aquela feita por Ricardo Schiavon e Daniel Horta que trabalham em Liverpool e que utilizaram dados do levantamento espectroscópico APOGEE para identificar a natureza das estrelas que se encontram no centro da nossa galáxia. Eles identificaram que naquela região existe um grupo fóssil de estrelas que corresponde a uma galáxia que foi acretada pela Via Láctea há mais de 10 bilhões de anos. E que eles deram o nome de Herácles, em relação à mitologia de Hércules, Herácles que se alimenta do ”leite” da Via Láctea”
Leonardo Andrade, professor do departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
“Apesar da pandemia foi muito produtivo. Queria destacar um artigo da equipe que lidero da UFRN publicado na Monthly Notices of Royal Astronomical Society que apresenta fortes evidências de um planeta parecido com nosso Júpiter, mas ao redor de duas estrelas. Sendo uma delas já morta. Neste trabalho conseguimos mostrar que este possível planeta é a melhor solução física para explicar a variação do período orbital destas duas estrelas. E ele se encontra em uma órbita estável. De acordo com a evolução das estrelas em sistemas binários, a formação dos planetas pode ocorrer quando estão as estrelas estão se formando (1ª geração) ou até após a morte de uma delas – que forma planetas a partir do gás ejetado ao morrer (2ª geração). Esse resultado abre importante janela da investigação dos exoplanetas. A possibilidade de um sistema de estrelas abrigar gerações diferentes de planetas sai dos livros de ficção científica para a realidade.”
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