Os dados obtidos em países que estão conseguindo avançar na imunização em massa de suas populações contra a Covid-19 indicam que as vacinas disponíveis hoje são capazes de derrotar o coronavírus.
Em todos esses locais, quedas nas internações e mortes têm seguido mais ou menos o mesmo padrão, beneficiando de forma relativamente precoce e intensa os primeiros grupos de vacinados -em geral, os idosos. A diminuição de casos ainda não é tão clara, em parte porque nem todas as vacinas conseguem impedir a transmissão do vírus, mas também tem ocorrido.
Por enquanto, o exemplo mais impressionante é o de Israel, onde cerca de 80% dos habitantes já receberam pelo menos a primeira dose da vacina produzida pela empresa farmacêutica Pfizer (feito facilitado, em parte, pela população de apenas 9 milhões de habitantes). Desde o pico da pandemia no país em meados de janeiro de 2021, os casos de Covid-19 caíram 98%, e as mortes diminuíram 87%.
A rápida vacinação israelense coincidiu com um lockdown nacional que durou um mês (do começo de janeiro ao começo de fevereiro), o que certamente também ajudou a diminuir a transmissão do coronavírus Sars-CoV-2 no país. Mas uma nova análise, publicada na revista especializada Nature Medicine, conseguiu separar os efeitos positivos da restrição da circulação de pessoas daqueles trazidos pelas vacinas propriamente ditas.
Na pesquisa, os cientistas liderados por Eran Segal, do Instituto Weizmann de Ciência, apontam que o impacto do lockdown israelense deveria ser mais ou menos uniforme independentemente da faixa etária das pessoas e da localização geográfica (já que há pouca disparidade regional dentro do pequeno território de Israel).
Por outro lado, a vacinação, tal como no Brasil, seguiu prioridades de idade (sendo dada primeiro para os idosos, que correm risco maior de hospitalização e morte) e, além disso, algumas cidades de Israel receberam a imunização um pouco antes do que as demais. Esses dois fatores, portanto, poderiam funcionar como um “experimento natural” sobre a eficácia das vacinas, as quais começaram a ser ministradas no país no fim de dezembro de 2020.
Com base em dados recolhidos entre 28 de agosto de 2020 e 24 de fevereiro de 2021, os pesquisadores conseguiram comparar não só a situação das faixas etárias e cidades com e sem vacina como também os cenários de dois lockdowns diferentes (já que Israel já tinha implantado o isolamento em setembro de 2020).
Conforme o esperado, israelenses com 60 anos ou mais foram beneficiados antes e de maneira mais intensa no começo de 2021. Em comparação com pessoas entre 20 anos e 39 anos de idade, a proporção de testes positivos, indicando a infecção pelo Sars-CoV-2, caiu 45% nos mais velhos (contra 28% no grupo mais jovem); do mesmo modo, as internações de maiores de 60 anos caíram 68% (contra apenas 22% de redução no caso dos mais jovens).
Algo parecido, ainda que menos intenso, foi visto nas cidades onde a vacinação começou em ritmos diferentes. As que receberam a vacina primeiro tiveram uma queda de 88% nos casos e de 79% nas internações, contra 78% e 66%, respectivamente, nos locais onde a vacina chegou um pouco mais tarde.
Em sua conta no Twitter, Segal comemorou os resultados. “As vacinas praticamente erradicaram a Covid-19 em Israel, ao menos por enquanto”, escreveu ele.
“São dados sólidos. O sinal principal da proteção [trazida pela vacina] é que os casos e a hospitalização para os grupos vacinados acima de 60 anos caem abaixo da curva esperada para o lockdown”, diz o imunologista brasileiro Rafael Polidoro, pesquisador de pós-doutorado da Universidade de Indiana (EUA).
Um padrão parecido, ainda que com efeito menor sobre o número de casos, está se desenhando no Reino Unido (com 49% da população tendo recebido ao menos uma dose das vacinas) e nos EUA (39%). No caso britânico, o efeito positivo aconteceu de forma sequencial nas faixas etárias entre 90 anos e 60 anos, e já está sendo notado no grupo entre 50 anos e 60 anos.
Tudo indica que o efeito não está ocorrendo só graças à eficácia superior de vacinas de RNA (molécula “prima” do DNA), tecnologia empregada nas imunizações da Pfizer e também da empresa americana Moderna, a qual ultrapassa os 90% de eficácia. Os dados do Chile, país que já ofereceu ao menos a primeira dose de vacinação a cerca de metade de sua população adulta, também mostram redução de hospitalizações entre idosos, mesmo num cenário de aumento de casos, internações e mortes entre os mais jovens.
Cerca de 90% dos chilenos vacinados receberam a Coronavac, feita com vírus inativados, que também é a principal imunização contra a Covid-19 no Brasil. A proteção oferecida pela vacina é menor que as das vacinas de RNA (67% dos casos sintomáticos, segundo o governo chileno) e bastante modesta só com a primeira dose. Esses fatores, somados a poucas restrições na circulação dos chilenos no começo de 2021, provavelmente explicam os problemas recentes do país com a pandemia.
Tudo indica, portanto, que a estratégia que mais potencializa a eficácia populacional das vacinas é combinar programas de imunização rápidos com restrições fortes da mobilidade.
E é possível que, ao menos inicialmente, a vacinação contra a Covid-19 aconteça de forma anual, a exemplo da vacinação contra a gripe. “Antes da pandemia já havia a discussão de que seria importante termos uma vacina contra todos os coronavírus, e que essa vacina poderia ser anual”, diz a imunologista Cristina Bonorino, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. “A memória que permite a proteção contra infecções durante a vida toda ainda é bastante misteriosa. Tenho certeza de que os especialistas em memória imune devem estar pensando em como conseguir isso no caso das vacinas contra Covid-19, mas não é algo que teremos de imediato.”
“Os coronavírus mudam relativamente pouco com o passar do tempo, mas esse tempo pode ser acelerado se a transmissão continuar tão alta quanto no Brasil”, alerta Polidoro. “Não é conveniente deixar a transmissão alta enquanto se vacina. Nesse caso, não podemos contar com a sorte.”
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