Cuba derruba internet para evitar novos protestos organizados por redes sociais

BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Um dia depois de manifestantes tomarem as ruas de Cuba em protestos contra o governo, o regime da ilha cortou a internet da população, e plataformas como WhatsApp, Facebook, Instagram e Telegram funcionaram nesta segunda-feira (12) com instabilidade –quando funcionaram.

Organizadas por mídias sociais, as manifestações irritaram a cúpula do governo, que chegou a criticar os youtubers contrários à ditadura.

Pela manhã, o líder do regime cubano, Miguel Díaz-Canel, afirmou em pronunciamento que, “se as pessoas ouvirem esses youtubers, estarão apoiando uma mudança de regime que trará um sistema que não terá preocupação com o bem-estar da população”.

Para que não houvesse comunicação, troca de informações ou convocação para novos protestos, a internet foi suspensa em quase 50 pontos do país, em toda a ilha, segundo monitoramento do NetBlocks, organização que monitora a internet livre pelo mundo.

Foi somente em 2018 que a internet móvel começou a funcionar em Cuba, um ano depois de a ilha autorizar a conexão nas residências dos cubanos. Em locais em que a rede é controlada, como na China, é comum que usuários utilizem VPNs, ferramenta que simula o acesso à internet a partir de outra parte do mundo, o que permite burlar o bloqueio. Assim, artistas, ativistas e organizações de dissidentes do regime comunista cubano usaram essa via para denunciar a medida do governo.

Além do bloqueio de internet, a agência de notícias Associated Press também reportou a ocorrência de cortes de energia em Havana e em outras cidades.

As manifestações de domingo chamaram a atenção pelo tamanho e contundência dos atos, os maiores em décadas, em um regime sem plena liberdade de expressão. Milhares de pessoas foram às ruas por todo o país aos gritos de ‘liberdade!’ e ‘abaixo a ditadura!’, para expressar frustração por meses de crise, restrições devido à Covid e o que acusam ser negligência do governo.

No fim da tarde, jipes das forças especiais, equipados com metralhadoras, circularam por Havana. Milhares de pessoas se reuniram no centro da cidade e ao longo da estrada que beira o mar, e houve alguns episódios de tumulto, com prisões e brigas.

Nesta segunda, Díaz-Canel afirmou que os atos foram realizados por “delinquentes” que “manipulam as emoções da população por meio das redes sociais”. Em pronunciamento, disse que a verdadeira razão de existir escassez de alimentos e remédios na ilha é o embargo comercial imposto pelos EUA. “Se querem protestar pela falta de comida, que protestem contra o bloqueio, não contra o regime cubano”, disse.

Os protestos foram elogiados por setores da direita no Brasil, que se opõem ao regime cubano. O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) criticou a repressão aos atos. “Foram pedir, além de alimentos, eletricidade. Foram pedir… Pediram mais uma coisa. Por último, em quarto lugar, pediram liberdade. Sabe o que eles tiveram ontem? Borrachada, pancada e prisão”, disse o presidente a apoiadores em Brasília.

Crise econômica e escassez de comida e remédios motivou protestos No ano passado, Cuba viu o PIB encolher 11%. E a ilha, que importa mais de 70% do que consome, tem sofrido com a escassez de alimentos e remédios devido ao fechamento das fronteiras provocado pela pandemia de Covid. Posts em redes sociais mostram o quão comuns são as filas para comprar os itens.

A falta de comida é tão grande que o regime cubano impôs condições para permitir que camponeses matem vacas ou bois para consumo próprio. No pedido ao Estado pelo direito de matar o animal, é preciso declarar quanto leite a vaca já produziu e quantos quilos tem o boi.

A carência de voos internacionais também interrompeu as remessas em dólares que cubanos radicados no exterior, principalmente nos EUA, enviam para as suas famílias.

Segundo dados oficiais, 65% delas recebiam ajuda de parentes. Há, também, o agravamento da situação sanitária devido à pandemia de coronavírus e à falta de estrutura hospitalar para atender toda a população.

Ainda que Cuba tenha medicina de ponta e esteja fabricando vacinas, o sistema hospitalar da ilha não tem dado conta de atender tantos casos. As manifestações ocorreram um dia após o regime ter negado um pedido de dissidentes para que se criasse um “corredor humanitário”, viabilizando a chegada de remédios.

O governo recusou a solicitação. Por meio de um comunicado, o Ministério das Relações Exteriores reconheceu a gravidade da situação sanitária, mas afirmou que está fazendo uma campanha e recebendo apoios do exterior. Em uma postagem nas redes sociais, o chanceler Bruno Rodríguez afirmou que “Cuba recebeu doações de insumos médicos de 20 países, e outras 12 estão em processo de envio”.

No dia em que aconteceram as manifestações em massa, as maiores no país em décadas, Cuba registrou um novo recorde diário de infecções e mortes por Covid, com 6.923 casos de um total de 238.491, além de 47 mortes em 24 horas, somando, ao todo, desde o início da crise sanitária, 1.537 mortes. Essas cifras, porém, segundo opositores, não refletem a situação real dos hospitais, que estariam colapsados.

A ilha vive há anos um apagão de informação, pois não há imprensa independente, e quem pede liberdade de expressão o faz sob censura e perseguição. Os artistas, como os cantores, intelectuais e escritores do movimento San Isidro, têm sido protagonistas dessa demanda, com reuniões e transmissões na luta por liberdade de expressão. Um de seus integrantes, Maykel Castillo Pérez, está preso desde abril, acusado de traição à pátria, e é um dos nomes de dissidentes e presos políticos por quem os coletivos artísticos reclamam. Outros foram presos durante algumas semanas e depois soltos.

Além das remessas de dólares do exterior, Cuba também perdeu, devido à pandemia, o turismo, uma de suas principais fontes de entrada da moeda americana. A indústria do turismo é responsável por 10% do PIB da ilha –incluindo atividades correlatas, como a gastronomia.

Outra de suas atividades econômicas mais importantes, a produção de açúcar, foi afetada por uma seca que já vinha se agravando ano a ano, fruto da mudança climática.

No campo político, o líder do regime, Miguel Díaz-Canel, assumiu recentemente também a liderança do Partido Comunista Cubano. A situação macroeconômica que enfrenta, porém, é mais difícil que a de seu antecessor, Raúl Castro. Na gestão do irmão de Fidel Castro, líder histórico do país, houve a tentativa de abrir parte da economia à iniciativa privada e um ensaio de aproximação com os EUA.

A crise, no entanto, congelou a capacidade de consumo dos cubanos. Já a tímida reconciliação com Washington foi revertida por Donald Trump e ainda não foi retomada pelo sucessor, Joe Biden. Assim, o regime segue culpando o embargo imposto à ilha como responsável pela falta de alimentos à população.

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