A Justiça de Cerqueira Cesar, no interior do Estado, concedeu, nesta sexta-feira, 5, liminar para permitir que o estudante Alison dos Santos Rodrigues, de 18 anos, seja matriculado no curso de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). A efetivação da matrícula havia sido barrada pela instituição após a banca de heteroidentificação não ter considerado o candidato como pardo, como ele pleiteava.
Em decisão provisória, o juiz Danilo Martini de Moraes Ponciano de Paula determinou que a USP permita que Alison frequente as aulas no prazo de 72 horas sob pena de multa de R$ 500 por dia de atraso, limitada ao teto de R$ 20 mil.
Nesta semana, provocada a se manifestar no processo, a universidade havia descrito o estudante como sendo “de pele clara”, com “boca e lábios afilados” e que o “cabelo raspado”, o que impediu a bancada de identificá-lo adequadamente.
Para o magistrado, o candidato, aprovado por meio do Provão Paulista, foi prejudicado no processo de avaliação por ter sido submetido à etapa de confirmação de sua autodeclaração de forma virtual, “enquanto os candidatos oriundos da Fuvest puderam ser avaliados em entrevista presencial”.
“Com efeito, a avaliação presencial poderia ter surtido resultado diverso, à medida que condições de iluminação e definição de equipamentos eletrônicos podem gerar distorções.”
O juiz pontuou ainda que, a partir do parecer da comissão que negou o recurso ao aluno, é possível concluir que “a fundamentação exarada, ao menos em sede de cognição sumária, mostra-se genérica, sem referência específica às condições do candidato e em aparente contradição com as fotografias trazidas aos autos pela parte autora (Alison)”, escreveu na decisão.
A advogada Giulliane Jovitta Basseto Fittipald, que representa Alison no processo, emitiu nota após a manifestação da USP no processo para ressaltar que “é evidente o erro de julgamento da comissão (da universidade) e a ausência de razoabilidade em sua decisão, bem como é nítido que os parâmetros utilizados pela Comissão de Heteroidentificação são absolutamente subjetivos, sem critérios adequados para serem aferidos”.
“É fácil identificar no Alison traços de pessoas de cor negra, como: pele escura, nariz achatado, com o dorso curto, asas da base ainda mais alargadas, assim como narinas maiores e ponta arredondada. Da mesma forma, no desenho dos lábios, tendo em vista em pessoas negras o aspecto dos lábios é maior que em pessoas de cor branca, além do cabelo crespo, características estas fenotípicas pardo, descendente de negros”, acrescentou a defensora.
Na manifestação à Justiça, a universidade disse que o candidato passou pela 1ª fase da heteroidentificação, análise dos documentos e fotos, “em que nenhuma das duas bancas confirmou sua autoidentificação para os critérios da universidade (sem que uma soubesse da decisão da outra)”.
Alison Rodrigues passou, então, para a 2ª etapa da análise, feita por videoconferência. “Ele leu sua autodeclaração para a Banca de Heteroidentificação, que concluiu que o candidato tem pele clara, boca e lábios afilados, cabelos raspados impedindo a identificação, não apresentando o conjunto de características fenotípicas de pessoa negra”, afirmou a universidade.
A USP também anexou no documento o parecer produzido pelos membros da Comissão de Heteroidentificação, que afirma que “diante do conjunto de informações apresentadas, a comissão entendeu, de maneira consensual, por ratificar a conclusão da Comissão de Heteroindetificação, segundo o qual o recorrente não cumpre os requisitos necessários à vaga reservada para o grupo PP (Pretos e Pardos) na Universidade de São Paulo, porque não possui traços fenotípicos aptos a defini-lo como preto e pardo”, diz a instituição.
Na declaração, a USP defendeu o processo de avaliação. Afirmou que Alison “foi submetido a procedimento bastante criterioso, com múltiplas conferências, bancas diferentes, sistema cego de double checking (dupla checagem), possibilidade de recurso administrativo e com exercício do contraditório e da ampla defesa”.
A pró-reitora de Inclusão e Pertencimento da Universidade de São Paulo (USP), Ana Lúcia Duarte Lanna, rebateu as críticas de que a banca de heteroidentificação para avaliar candidatos às cotas seja um “tribunal racial”.
“Essa posição que diz que as comissões de heteroidentificação como tribunal racial são muito complexas, porque desconhecem o acúmulo de debate em torno dessa questão, indo contra a política de cotas”, disse ao Estadão a professora, à frente do órgão criado em 2022 para cuidar das políticas de diversidade na maior instituição de ensino superior da América Latina. (Colaborou Ma Leri)