Como a ciência está mudando o alvo em busca da cura para o Alzheimer

Mais de cem anos se passaram desde que o primeiro caso da doença de Alzheimer foi descrito por um médico alemão. Até hoje, porém, os pacientes não têm um tratamento eficaz. O caminho para desvendar o Alzheimer e descobrir a cura parece uma investigação criminal complicada: por muitos anos, enquanto cientistas miravam em um só suspeito para a degeneração do cérebro, outros agentes biológicos atuavam.

Agora, os alvos estão mudando. Investigadores ampliaram hipóteses para descobrir o vilão causador da perda de memória e da capacidade de fazer tarefas do dia a dia. Ou quais são. Acredita-se que neuroinflamação, falhas na conexão entre neurônios e até defeitos no trabalho de eliminar o “lixo” do cérebro podem estar por trás do Alzheimer.

O primeiro caso conhecido da doença foi o de Auguste Deter, uma mulher de 51 anos, atendida em um hospital psiquiátrico de Frankfurt por Alois Alzheimer, o neuropatologista alemão que batizou a doença. O médico notou que ela não entendia perguntas simples, não se lembrava de objetos vistos anteriormente nem do nome do marido. E repetia sempre: “Eu me perdi”.

Depois que Auguste morreu, Alzheimer descobriu, por necropsia, que o cérebro dela tinha algo de anormal: havia placas, chamadas na época de placas senis. Por 80 anos, pouco se avançou na caracterização dessas estruturas, até que, na década de 1980, cientistas mostraram que eram formadas pela proteína beta-amiloide.

Primeiro acusado

As placas de beta-amiloide entre os neurônios – além de outras estruturas emaranhadas nas células neurais, formadas pela proteína tau – se tornaram os marcadores da doença. Ou seja, são as características biológicas principais de quem tem Alzheimer. E, como eram as marcas mais evidentes, cientistas apostaram suas fichas nisso para encontrar tratamentos. O que parecia ser o grande vilão, no entanto, se revelou o “mordomo”, diz Sergio Ferreira, professor dos Institutos de Biofísica e Bioquímica Médica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Parecia o culpado claro. Mas talvez não seja.”

Estudos mostram que mesmo pessoas com alta concentração de beta-amiloide no cérebro podem não ter os sintomas: são os cérebros resilientes. Outra pista vem dos tratamentos: o primeiro medicamento aprovado nos Estados Unidos em 2021 como terapia (e não só para aliviar sintomas) ataca as placas de beta-amiloide.

Os resultados do aducanumab, no entanto, foram decepcionantes: embora destrua as placas, pouco melhorou a condição dos pacientes. “Existe um efeito talvez discreto dessas drogas, mas não é a panaceia”, diz a neuropatologista Lea Grinberg, professora da Universidade da Califórnia, em São Francisco (EUA).

Em artigo publicado em julho no The Journal of Prevention of Alzheimer’s Disease, os neurocientistas destacaram que “dados acumulados sugerem que é improvável que os anticorpos anti-amiloide sozinhos sejam suficientes para interromper ou reverter o curso da doença” e dizem que a doença está ligada ao envelhecimento, mas uma série de processos parece agravar o Alzheimer, como inflamações e problemas vasculares. “Uma combinação de drogas para tratar esses problemas pode ser necessária.”

Novos suspeitos

Para Ferreira, o peso da literatura científica tem recaído em estruturas menores – oriundas da beta-amiloide – que passeiam no cérebro e são mais difíceis de detectar: os oligômeros. “Eles se ligam às sinapses, o ponto através do qual os neurônios se comunicam, e promovem alterações que fazem a sinapse parar de funcionar direito.”

É provável que mais de um mecanismo leve às falhas e à morte dos neurônios. E aí entra outra linha de investigação: a de que essas estruturas solúveis participem de um ciclo vicioso. Elas seriam responsáveis por ativar um sistema de células de defesa do cérebro. E essa perturbação provocaria, então, um processo de neuroinflamação que leva à degeneração dos neurônios.

Há, ainda, linhas que acreditam que o Alzheimer começa com um comprometimento cognitivo leve causado por um estresse oxidativo. Também pouco estudado, o papel de outras células do cérebro, que atuam como “lixeiros” para garantir o bom funcionamento do órgão, ganha força. O foco aqui é entender por que essas estruturas – chamadas de células da glia – param de remover substâncias tóxicas.

As linhas de estudo se cruzam em muitos momentos – e é possível que vários fatores estejam por trás do início e progressão da doença. “Provavelmente, são frentes combinadas. É como se fosse um ciclo vicioso, uma cascata de coisas que vão acontecendo de forma errada”, diz Lea, ligada à Universidade de São Paulo (USP).

Também é provável que os mecanismos biológicos ligados à doença variem de pessoa para pessoa, mas cheguem ao sintoma comum: a perda de memória, afirma Marcio Balthazar, professor do Departamento de Neurologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “No futuro, pode ser possível mapear individualmente as características do ‘seu João’ e da ‘dona Maria’ e dar um remédio diferente a cada um deles para tratar o mesmo problema.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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