SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com o aumento de internações e mortes por Covid-19 e o esgotamento de leitos em vários estados, pacientes estão recorrendo à Justiça em busca de vaga em UTIs. Também tramitam ações coletivas impetradas por promotores e defensores públicos.
O dilema das demandas individuais é que elas nem sempre obedecem a critérios clínicos de prioridade e, muitas vezes, passam por cima da fila organizada pelas centrais de regulação de leitos dos estados, que levam em conta o grau de gravidade do paciente, entre outras condições.
No Amazonas, primeiro estado a entrar em colapso, 219 pessoas acionaram a Justiça desde janeiro em busca de leitos de UTI Covid. Outros estados, como Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo, também registram ações por leitos, mas ainda em menor número. O temor é que, com um eventual colapso do sistema de saúde, isso se agrave.
No auge da crise sanitária, no início do ano, mais de 600 pessoas no Amazonas ficaram em fila de espera aguardando vagas de terapia intensiva. Hoje há em torno de cem pacientes.
Nas últimas três semanas, porém, as demandas reduziram após decisão do Tribunal de Justiça do Amazonas que manteve a obrigação de o Estado providenciar leito de UTI, porém, respeitando o critério clínico.
“Um dos maiores problemas que tivemos foi essa fila paralela. Tinha fila da regulação por critério médico e tinha a das decisões judiciais que mandavam fazer a transferência imediata, em três, seis, 12 horas, sem ressalvar a observância da fila”, conta Leonardo Blasch, subprocurador-geral adjunto do Amazonas.
Em grupos de médicos, chegou a circular a informação de que, por conta dessa situação, pacientes graves morreram porque perderam o lugar na fila para outros menos críticos, que foram privilegiados por decisões judiciais.
Segundo Blasch, nenhuma denúncia concreta sobre chegou à Procuradoria Geral, embora essa possibilidade conste nas arguições do estado do Amazonas à Justiça. “Se você passa por cima de critérios clínicos, você pode estar transferindo alguém menos grave no lugar de um mais grave”, diz ele.
Uma nova ação civil na Justiça Federal busca obrigar a União e o estado do Amazonas a transferência dos pacientes com Covid-19, quando necessário, e a abertura de novos leitos no estado, além de cumprir o fornecimento regular de oxigênio às unidades de saúde.
Na iniciativa, os ministérios públicos e defensorias estadual e federal alegam que, embora já haja decisão judicial obrigando a União e o Estado do Amazonas a cumprirem as medidas, as providências adotadas até o momento não foram suficientes para assegurar o que foi determinado.
No estado de São Paulo, no primeiro bimestre deste ano foram 12 ações judiciais obrigando o governo paulista a fornecer vagas de UTI para síndromes respiratórias e 60 para outras doenças.
Em nota, a Secretaria de Estado da Saúde informa que desde o início da pandemia prioriza a internação de pacientes com quadros respiratórios agudos e graves, com suporte da Cross (Central de Regulação e Oferta de Serviços de Saúde), que conta com sistema online operante 24 horas por dia e que verifica vagas disponíveis em hospitais do SUS em São Paulo para as transferências.
Em Santa Catarina, os ministérios públicos estadual, federal e do trabalho entraram com ação civil pública, com pedido de liminar, para que a União requisite vagas de UTI em hospitais privados, em qualquer lugar do país, para atender pacientes que esperam por leitos.
Entre quarta-feira passada (24) e esta terça (2), o número de pacientes com Covid na fila de espera por vaga em UTI passou de 30 para 200. Nesse mesmo período, 16 pacientes morreram no estado enquanto aguardavam por leito. A maioria morava na região de Chapecó e Xanxerê e tinha entre 60 e 90 anos.
Nesta terça (2), a Secretaria de Estado da Saúde informou que deve transferir 16 pacientes com Covid para o Espírito Santo. É a primeira vez desde o início da pandemia que Santa Catarina transfere pacientes com Covid-19 para outros estados.
Desde janeiro, o estado registrou apenas três ações individuais, determinando internações em UTI para pacientes Covid-19. Duas delas foram ingressadas no domingo (28). Na segunda (1º) os pacientes já estavam internados na UTIs.
Para Flávia Dreher de Araújo, procuradora do Estado de SC e coordenadora substituta do Núcleo de Ações da Saúde, mesmo nessa situação caótica, se existe uma fila de espera, ela tem que ser respeitada, dando-se preferência aos casos mais graves.
“Decisões judiciais não criam vagas em UTI, e podem desorganizar mais o serviço que o Estado de alguma maneira está tentando organizar. As decisões judiciais podem gerar uma injustiça, pois há outras pessoas aguardando vaga em UTI que podem estar em situação pior do que a pessoa que propôs a ação judicial.”
No Rio Grande do Sul, só nesta segunda (1°) a Secretaria de Estado da Saúde recebeu cinco liminares solicitando leitos de UTI. Até então, somava dois pedidos desde o início do ano. No estado, 156 pacientes estavam em emergências aguardando um leito nesta segunda (1º).
Segundo Bruno Leonardo Naundorf Santos, assessor jurídico da Secretaria de Estado da Saúde, embora as ações judiciais sejam inevitáveis em razão da sobrecarga do sistema de saúde, há um entendimento do Judiciário das limitações dos gestores públicos.
“Estamos explicando em cada caso a necessidade do respeito à fila e à regulação”, afirma. Entre os 856 pacientes internados em UTIs de Porto Alegre, 511 têm Covid-19 confirmada.
No Paraná, em quase um ano de pandemia, foram apenas quatro ações judiciais individuais por leitos, duas delas ingressadas na semana passada. “Nos últimos dias, o governo do estado observou aumento expressivo de internações. É a primeira vez que se observa um quadro próximo da saturação”, diz nota do governo paranaense.
No Rio de Janeiro, neste ano também foram três ações individuais pedindo leitos de UTI Covid. No ano passado todo, foram 15. A maior parte das demandas judiciais ocorreu por meio de ações coletivas, propostas pela Defensoria e Ministério Público. Liminares foram concedidas para manter os hospitais de campanha abertos.
“Isso causou complicações porque, em um momento que os casos começaram a cair. A gente tinha toda a estrutura do hospital de campanha para manter, mas não tinha paciente. Conseguimos demonstrar aos juízes que aquele gasto não fazia sentido naquele momento”, diz o procurador do estado Felipe Fonte, subsecretário jurídico de saúde.
Para ele, esse caminho do diálogo tem sido importante para mitigar a escassez de vagas nos hospitais. O procurador conta que até bem pouco tempo, a regulação dos leitos da União, do estado e dos 92 municípios era diferente.
“Aí você tinha o caso de município que não queria que o seu paciente entrasse pela porta do estado. A gente teve que litigar para unificar as filas. Agora elas estão unificadas.”
Em Pernambuco, a regulação de leitos de UTI tem sido feita em tempo real, com uma varredura na rede pública e privada conveniada e não conveniada.
“Os pacientes recebem senha de identificação, e a fila obedece a critérios técnicos”, diz a procuradora Cristina Câmara, coordenadora do núcleo de saúde da Procuradoria Geral do Estado.
No ano passado, o Conselho Regional de Medicina de Pernambuco publicou uma resolução definindo critérios técnicos de priorização dos leitos de UTI como forma de hierarquizar a gravidade dos pacientes na ausência absoluta de vagas.
“O conselho pediu também que o Judiciário não interferisse nessa escolha. Se há uma escolha trágica a ser feita, ela deve seguir critérios técnicos”, diz a procuradora.
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