Com novo álbum, Sia não muda a vida das pessoas, mas alivia suas jornadas

THALES DE MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pessoas que acompanham a carreira da cantora e compositora australiana Sia podem ter avaliações bem distintas de seu trabalho. Para os fãs, ela é uma espécie de versão feminina de David Bowie, uma camaleoa capaz de mudar sua música totalmente de um álbum para outro. Já quem não curte muito diz que a moça às vezes não sabe direito para onde ir.

Nem genial como Bowie, nem perdida como alguém à procura de um estilo. Aos 48 anos, Sia é uma artista inquieta sem medo de experimentar. Quando acerta, cria um som muito particular e envolvente. Mas pode decepcionar logo na faixa seguinte. É impossível dizer que ela faz concessões ao sucesso pop, Sia grava o que der na telha.

E o sucesso veio várias vezes, desde seu segundo álbum, “Healing Is Difficult”, de 2001, passando depois por altos e baixos até o estouro electropop de “1.000 Forms of Fear” (2014) e “This Is Acting” (2016), o seu melhor trabalho, curiosamente feito a partir de canções que ela escreveu para outros artistas que, por motivos variados, se recusaram a gravá-las.

Para muita gente, o álbum que ela acaba de lançar, “Reasonable Woman”, poderia ser uma sequência natural de “This Is Acting”, formando então uma trilogia de ótimos lançamentos. Mas, no meio do caminho, Sia decepcionou com dois discos nem um pouco adorados, até por seus seguidores mais radicais.

Ela lançou em 2017 um disco de canções natalinas, “Everyday Is Christmas”, que fracassou nas paradas, e, em 2021, em meio ao isolamento da pandemia e inegáveis crises de saúde mental, gravou a fraca trilha sonora de “Music”, um de seus projetos de cinema que alterna com os discos e as turnês.

Assim, “Reasonable Woman”, que teve cinco singles antecipando parte de seu conteúdo, está sendo tratado como um “retorno” de Sia. Não chega a tanto, mas certamente flagra a artista com a carreira de volta aos trilhos. O que, no caso dela, significa fazer um pop sofisticado, dançante e muito difícil de classificar.

São 15 faixas, que, se submetidas a uma comparação direta com o repertório de “This Is Acting”, ficam alguns pontos abaixo, mas certamente cumprem uma missão: entregar a ela canções que permitam exibir sua força vocal incontestável. Em “Gimme Love”, primeiro single, Sia quebra tudo com sua maneira de cantar que intercala trechos harmoniosos com gritos cortantes.

As letras continuam inusitadas e intrigantes. Logo na faixa que abre o disco, “Little Wing”, ela estabelece um diálogo como uma versão mais nova de si mesma, com muito carinho. A Sia madura canta: “Não desista, continue tentando, eu sei que em breve você estará voando / Eu sei que você não consegue parar de chorar, mas as lágrimas secam quando você está voando”.

Sia consegue colocar lado a lado um chiclete musical bem bobo, como “One Night”, e canções intensas que destacam a resiliência como única opção para quem chega ao fundo do poço. Caso de “Towards the Sun”, sobre superação pessoal, e a emotiva “I Forgive You”, irresistível no econômico formato de voz e piano. E que voz! A melhor performance do álbum, sem dúvida.

E, claro, há mais demonstrações de como Sia, quando quer fazer uma pista ferver, sabe muito desse negócio. Por coincidência, ou não, duas parcerias no álbum são bombas de dança. Uma delas é “Immortal Queen”, divididas com as veteranas Chaka Khan e Missy Elliott. Uma faixa matadora, praticamente um hino atemporal de dance music.

Depois, vale destacar a faixa que é uma verdadeira celebração de duas gerações diferentes da canção pop australiana. “Dance Alone” é outro pandemônio, desta vez com a diva Kylie Minogue. Como se essas parcerias não fossem suficientes, sobra espaço para Paris Hilton enviar alguns versos em “Fame Won’t Love You”: “Porque a fama não vai te amar como uma mãe, como um pai deveria… / E você pode desejar Oscars, Grammys e blockbusters… / A fama não vai te amar como um irmão, como um amante deveria”.

Como nos outros trabalhos em que Sia acertou a mão, esse tem muitas surpresas e sutilezas a serem descobertas. Com “Reasonable Woman”, seu décimo álbum, a camaleoa australiana nascida Sia Kate Isobelle Furler não muda a vida das pessoas, como David Bowie fez com muitas gerações, mas certamente produz músicas para aliviar a jornada de muita gente.

REASONABLE WOMAN
Quando: Disponível
Onde: Nas plataformas digitais
Autoria: Sia
Gravadora: Warner Music
Avaliação: Muito bom