SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Durante a pandemia de Covid-19, o hábito de cuidar da pele, definido pelo termo inglês skincare, se fortaleceu no mercado brasileiro.
Há algumas razões para isso, avaliam os especialistas. Destacam-se ficar em distanciamento social em casa, exibindo detalhes do rosto em conversas por sistemas de vídeo, bem como o uso constante de máscara, que causa irritação em muitas pessoas.
Ao mesmo tempo, a crise econômica propiciou o chamado “efeito batom”.
A indústria da beleza define “efeito batom” como a disposição dos consumidores para investir, durante retrações econômicas, em produtos de beleza mais baratos, mas com maior impacto visual e no bem-estar. O batom é o principal item nas listas nesses momentos, mas ganham espaço também hidratantes e sabonetes.
“Os números das vendas mostram uma espécie de ‘efeito batom’ na pandemia, mas com hidratantes e cuidados com a pele”, diz João Carlos Basilio, presidente-executivo da Abihpe (Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos).
“Também houve uma conscientização maior em relação à importância de cuidar do rosto, em especial porque a máscara aumenta a transpiração e prejudica a pele.”
Segundo a entidade, de janeiro a outubro de 2020, as vendas na categoria de cuidados com o rosto tiveram um crescimento de 30,9% quando comparadas às do mesmo período do ano anterior. O crescimento de 2019 em relação a 2018, também de janeiro a outubro, havia sido bem menor, de 9,4%.
“Com a pandemia, passei a me cuidar mais e a manter uma rotina nos tratamentos”, diz a estudante Pamela Caroline de Jesus Moreira, 20 anos.
A Natura é uma das empresas que percebem a alta na demanda por produtos para a pele. Depois do rápido aumento nas vendas de sabonetes, álcool em gel e xampu no início da pandemia, as vendas de itens voltados para o autocuidado foram crescendo.
“Ao passarem mais tempo em casa, os consumidores estão buscando tratamentos mais completos, e isso se refletiu nos hábitos de consumo, aumentando a procura por produtos de skincare, como cremes hidratantes e fragrâncias”, diz Fernanda Rol, diretora de marketing da Natura.
Ela aponta que, por outro lado, a maquiagem foi a categoria com maior retração.
“Mas há sinais de recuperação, pois os consumidores têm tido mais interesse em se maquiar mesmo para encontros virtuais ou como forma de prazer e indulgência.”
Foi pela maquiagem que Pamela começou a usar produtos específicos para a pele, aos 17 anos. “Notei que uma pele boa fazia diferença. Não adiantava eu cobrir com maquiagem porque não funcionava.”
Além de indicado por médicos, um cuidado maior com a pele também é defendido por blogueiras e influencers, que compartilham os produtos que usam e como usam em suas redes sociais.
“A brasileira sempre foi muito da maquiagem forte, com aquela base reboco, mas percebeu que não adianta, precisa tratar a pele”, diz Renata Gomide, diretora de Marketing e Vendas da Quem Disse, Berenice?, do grupo Boticário.
A marca lançou em outubro uma linha de skincare vegana, que teve produtos esgotados.
“A maquiagem ainda vai ser carro-chefe, suas vendas não caem, mas o protetor solar vende mais, aumenta a necessaire da consumidora. Devemos triplicar a receita da linha de skincare até o fim do ano que vem”, afirma Renata.
Paulo Roseiro, diretor de pesquisa e desenvolvimento do Grupo Boticário, diz apostar nos produtos de skincare. O grupo investiu R$ 37 milhões em seu centro de pesquisa e desenvolvimento, que tem capacidade de desenvolver 2.500 novos produtos por ano.
No momento, 300 pesquisadores trabalham em cerca de 400 produtos da Quem Disse.
“Há dez anos, a proteção solar era baixa. Hoje, o uso cresceu muito e já se encontra em diversos produtos faciais, não só protetor solar”, diz Roseiro, traçando um paralelo com outros cuidados com a pele.
Segundo ele, a consumidora brasileira busca produtos antirrugas e para a pele oleosa, diferentemente do já desenvolvido mercado asiático, que é referência na área.
“Na Ásia, buscam-se uniformidade e clareamento na pele. Os produtos de maior receita lá estão relacionados a isso.”
Segundo Carlos Daltozo, diretor de renda variável da Eleven Financial, a expectativa entre os analistas também é de crescimento no setor.
“É um setor mais resiliente no mundo todo, ligado ao bem-estar, sendo mais procurado em tempos de crise. No Brasil, ainda são poucos competidores”, diz Daltozo, que também vê o “efeito batom” favorecendo o setor durante a pandemia.
Desde que nasceu, em 2019, a Sallve, marca fundada pela blogueira Julia Petit, já recebeu R$ 60 milhões em investimento dos fundos de venture capital Canary, Aestella, Kaszek –que investe em Nubank, QuintoAndar e Loggi– e Waldencast, fundada por Michel Brousset, que ocupou altos cargos na L’Oréal e na P&G.
A empresa, que tem toda sua venda via ecommerce, prevê fechar 2020 com crescimento de 600%, alta quatro vezes maior que no ano anterior.
A Sallve tem apenas oito produtos à venda, todos voltados ao skincare. De início, era apenas um, o antioxidante hidratante, um gel com ácido hialurônico, vitaminas C e E, niacinamida e cafeína, ingredientes que viraram febre entre os adeptos do skincare.
“Vendemos 5.000 unidades em dez horas. Era todo o nosso estoque, foi surpreendente”, diz Daniel Wjuniski, presidente e cofundador da Sallve.
As vendas online são um dos motivos para a engenheira têxtil Fernanda Oneda, 26, comprar os produtos da marca. “Agora, quando acaba o sabonete, não consigo ir à farmácia comprar. Fora que na farmácia é difícil achar produto que não é testado em animal.”
Fernanda é vegetariana e nota que a maioria dos produtos importados ainda é testada em animais.
“Eu usava muito marcas americanas. Quando uma conhecido ia viajar, eu pedia para trazer, ou comprava no free shop, porque não via marcas brasileiras boas”, diz Fernanda, que hoje prefere usar produtos nacionais.
“Minha mãe trouxe um creme de Paris que não deu certo pra mim, a peles da francesa é diferente das brasileiras.”
Ela conta que paga, em média, R$ 100 a R$ 150 por creme, que usa por três a quatro meses. “Produto de pele é um investimento a longo prazo. É caro, mas dura bastante.”
Segundo Basilio, da Abihpec, há uma queda na importação de produtos no setor, por causa da alta no dólar e da pandemia.
“Sermos produtos essenciais foi fundamental. Nossas fábricas não pararam e estávamos preparados para atender a demanda. Na Europa e nos EUA, ficaram paradas por dois a três meses”, diz.
“Além disso, as classes A e B viajaram menos, passaram a se abastecer de produtos brasileiros e estão vendo que a qualidade é tão boa quanto.”
Notícias ao Minuto Brasil – Economia