Em menos de 24 horas, entre os dias 27 e 28 de maio, partes de Pernambuco receberam 70% de todo o volume de chuva esperado para o mês de maio. Mais de 25 mil pessoas foram forçadas a deixar suas casas e 133 morreram nos deslizamentos e inundações que afetaram, principalmente, a região metropolitana do Recife. Eventos extremos assim levantam a questão: qual a influência das mudanças climáticas nessas catástrofes?
Pesquisa da World Weather Attribution calcula que, para esse caso específico, o aquecimento global tornou o evento 20% mais provável de acontecer do que ele seria em um mundo que não elevou sua temperatura média global em 1,2º em relação aos níveis pré-industriais. A entidade é formada pela colaboração entre cientistas climáticos do Reino Unido, Holanda, Suíça, Índia e Estados Unidos, de instituições como o Imperial College London e Universidade Princeton. Esse estudo contou com a colaboração de pesquisadores brasileiros de instituições como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e a Universidade Federal de Pernambuco.
O início da Revolução Industrial é tomado como referência pelos cientistas porque, com as mudanças nos métodos de produção e o crescimento da quantidade de fábricas, os patamares de poluição atmosférica assumiram outro patamar. Desde a 2ª metade do século 19, a aceleração do aumento das temperaturas assumiu níveis nunca registrados antes nas medições desenvolvidas pela ciência.
Lincoln Muniz Alves, cientista do Inpe e um dos participantes da pesquisa, explica que o acréscimo de 20% na probabilidade de ocorrência do evento (que atingiu não só cidades pernambucanas, mas também os Estados de Alagoas, Paraíba, Sergipe e Rio Grande do Norte) é obtido a partir de projeções estatísticas climáticas para dois cenários. “Essas projeções são feitas levando em conta as condições climáticas pré-industriais e também considerando os efeitos dos gases do efeito estufa”, afirma.
As chuvas extremas na região começaram em 23 de maio e continuaram até junho. Os pesquisadores avaliaram o papel das mudanças climáticas na precipitação média de 7 e 15 dias. Cada um dos volumes para esses dois períodos tem probabilidade de ocorrer de 1 em 500 e 1 em mil. O estudo mostra que eventos extremos já ocorriam antes do aquecimento global. O que deve acontecer, dizem pesquisadores, é aumento da intensidade e da frequência de ocorrências do tipo.
Com base nas observações realizadas pela rede de estações meteorológicas na região, ainda não é possível quantificar quanto do aumento de intensidade do evento é por causa dos efeitos das mudanças climáticas. No entanto, os pesquisadores apontam que houve aumento dessa variável. Alguns locais do Recife chegaram a registrar 236 milímetros de chuva em 24 horas. O volume de um milímetro de chuva significa que em um espaço de um metro quadrado, um litro de água despejada subiria até a marca de 1 milímetro.
“Os resultados da pesquisa são consistentes com as projeções futuras de chuvas fortes na região e sugerem que essas tendências continuarão a aumentar enquanto as concentrações de gases de efeito estufa continuarem a aumentar”, diz o estudo. A alteração do regime de chuvas é apontada também pelo IPCC, o painel de cientistas climáticos da Organização das Nações Unidas (ONU).
Estados do Sudeste também ficaram debaixo d’água
Neste ano, antes das chuvas de maio no Nordeste, os Estados da Bahia, Minas, Goiás, Rio e Espírito Santo já haviam sentido os efeitos das precipitações muito acima do esperado. Enquanto isso, municípios paulistas, como Sorocaba, enfrentaram racionamento de água em meio à pior crise hídrica em 90 anos. No Sul do País, houve recorde de calor e seca. Os efeitos do fenômeno climático La Niña são conhecidos, mas assusta a intensidade de como ocorrem em 2022.
De acordo com a pesquisa, as avaliações iniciais mostram que as enchentes e, principalmente, os deslizamentos de terra afetaram desproporcionalmente as comunidades vulneráveis, com devastação particular em bairros de baixa renda . Assim, a magnitude desse desastre sobre esses grupos foi exacerbada pela vulnerabilidade estrutural pré-existente na região. Mais de 32 mil famílias moram em áreas de risco de deslizamentos somente no Recife.
O estudo afirma que não é claro o efeito das previsões e alertas de chuva. Em contrapartida, os resultados da maior exposição a fatores de risco ficam evidentes. “A natureza extrema das inundações fez com que a exposição fosse o principal determinante do impacto, embora os impactos e a recuperação de longo prazo sejam provavelmente mediados por fatores socioeconômicos, demográficos e de governança”, diz a pesquisa. “Um aumento na urbanização, especialmente não planejada e informal em áreas baixas propensas a inundações e encostas íngremes, aumentou a exposição da comunidade a esses perigos.”
Segundo Edvânia Pereira dos Santos, da Agência Pernambucana de Águas e Clima (Apac), os alertas dados pelo Estado ajudaram a prevenir uma tragédia ainda maior. Ela afirma que a ação via redes sociais mostrou efetividade. “A informação está chegando às pessoas. Ainda há dificuldade em compreender a informação, mas muita gente foi salva por essa informação”, afirma.
Pesquisadores mediram efeitos da crise climática em ondas de calor na Ásia
Estudo prévio da World Weather Attribution analisou os efeitos das mudanças climáticas na onda de calor que atingiu a Índia e o Paquistão. De acordo com os pesquisadores, a ação humana tornou a onda de calor devastadora nesses dois países um evento 30 vezes mais provável de acontecer do que antes do aumento da temperatura média global.
Março foi o mais quente para os indianos desde que os registros começaram há 122 anos. No Paquistão, os termômetros registraram a maior anomalia de temperatura em todo o mundo durante o mês. O mesmo período foi extremamente seco, com chuvas 62% abaixo do normal no Paquistão e 71% abaixo do normal na Índia, tornando as condições favoráveis para o aquecimento da superfície terrestre. A onda de calor continuou durante abril e atingiu seu pico no final do mês. Em 29 de abril, 70% da Índia foi afetada pela onda de calor.
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