Chile convoca embaixador do Brasil após acusação de Bolsonaro a Boric em debate

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O Chile convocou nesta segunda-feira (29) para consultas o embaixador do Brasil em Santiago, Paulo Roberto Soares Pacheco, em protesto por declarações do presidente Jair Bolsonaro (PL) contra seu homólogo chileno Gabriel Boric.

Em debate na noite deste domingo (28), organizado por Folha de S.Paulo, UOL e TVs Bandeirantes e Cultura, o atual presidente acusou Boric de “queimar metrôs” em protestos.

A fala foi feita nas considerações finais de Bolsonaro, em que ele atacou líderes de esquerda da América Latina para defender sua reeleição -vitórias eleitorais recentes desse campo aumentaram o isolamento regional do brasileiro.

Bolsonaro começou elencando críticas à ditadura na Venezuela e ao atual presidente argentino, Alberto Fernández. “Olha para onde está indo a economia da nossa Argentina”, disse, acrescentando que 40% da população do país vizinho vive “na linha da miséria” -estatísticas oficiais indicam 37,3% dos argentinos abaixo da linha da pobreza e 8,2%, da linha da indigência.

As citações foram feitas como forma de atingir seu principal adversário, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que hoje lidera as pesquisas e tem proximidade com esses políticos de esquerda. “Lula também apoiou o presidente do Chile [Boric], o mesmo que praticava atos de tacar fogo em metrôs lá no Chile. Para onde está indo nosso Chile?”, continuou Bolsonaro.

Por fim, ele estendeu a crítica ao colombiano Gustavo Petro, a quem acusou de querer “liberar as drogas e soltar presos” -ele assumiu prometendo uma mudança no paradigma da guerra ao narcotráfico-, e ao nicaraguense, Daniel Ortega, mencionando a perseguição religiosa promovida pela ditadura.

A menção a Boric irritou a diplomacia chilena nesta segunda. “Consideramos essas acusações gravíssimas. Obviamente são absolutamente falsas e lamentamos que em um contexto eleitoral as relações bilaterais sejam aproveitadas e polarizadas por meio da desinformação e das notícias falsas”, disse a ministra das Relações Exteriores, Antonia Urrejola.

“Convocamos o embaixador brasileiro nesta tarde na chancelaria em nome do secretário-geral de política externa, onde lhe enviaremos uma nota de protesto.”

Em comunicado enviado à imprensa, a pasta reiterou a crítica ao posicionamento de Bolsonaro, dizendo que ele “não condiz com o trato respeitoso que chefes de Estado devem manter nem com as relações fraternas entre dois países latino-americanos”.

“O uso político da relação bilateral com fins eleitorais, com base em mentiras, desinformação e tergiversação, erode não apenas o vínculo entre nossos países como também a democracia”, disse Urrejola, que visitou o Brasil quando atuava no Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos.

A chancelaria destaca que Boric já manifestou publicamente ter diferenças com seu homólogo, mas defendeu a importância da manutenção das boas relações entre Brasil e Chile.

Boric, o mais jovem presidente do Chile, começou na política no movimento estudantil e é o rosto mais conhecido dos jovens que lideraram os protestos pela gratuidade do ensino universitário em 2011. Em outra onda de manifestações, em outubro de 2019, embora nenhuma força política tenha capitalizado de modo imediato os atos, o já deputado Boric foi um dos líderes responsáveis pelo acordo que abriu as portas para o plebiscito da Constituinte.

Nos protestos, muitas estações de metrô da capital Santiago foram vandalizadas.

Bolsonaro tinha manifestado na campanha chilena simpatia pelo ultradireitista José Antonio Kast. Depois da confirmação da vitória de Boric, o brasileiro disse que não participaria da posse do esquerdista, tendo escalado seu vice, Hamilton Mourão, para representar o governo.

“Não vou entrar em detalhes, porque não sou de criar problemas nas relações internacionais. O Brasil vai muito bem com o mundo todo. Você vê quem vai à posse do novo presidente do Chile. Eu não irei, vê quem vai”, disse, na ocasião. Lula foi convidado, mas também não compareceu -a ex-presidente Dilma Rousseff representou o PT.

A declaração de Bolsonaro no debate deste domingo foi vista na imprensa chilena como mais um sinal de tensão entre os dois países. O Chile hoje está sem representante diplomático em Brasília -o Itamaraty ainda não concedeu o chamado agrément a Sebastián Depolo, indicado por Boric. Segundo o jornal La Tercera, foi nesse sentido que Urrejola e o presidente definiram ser necessário subir o tom com uma resposta concreta a Bolsonaro.

As chancelarias da Argentina e da Colômbia não responderam às declarações de Bolsonaro contra Fernández e Petro.

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