BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A carta assinada por mais de 1.500 economistas, banqueiros e empresários com pedido de medidas mais eficazes para o combate à pandemia do novo coronavírus foi lida por membros do Ministério da Economia como um aceno à pasta e uma crítica ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido).
Interlocutores do ministro Paulo Guedes (Economia) afirmam que o documento é ponderado, tem bom senso e reforça posições que a equipe econômica vem defendendo ou tentando adotar. Ao mesmo tempo, a avaliação é que o texto endereça críticas ao Palácio do Planalto ao falar em negacionismo.
Na carta, o grupo afirma que a saída definitiva da crise é a vacinação em massa da população e ressalta que o país está atrasado no plano de imunização, com apenas 5% dos brasileiros tendo recebido a primeira dose.
Na última semana, em declaração que vai na mesma linha, Guedes pediu velocidade à vacinação e indicou não estar satisfeito com o ritmo do programa de imunização brasileiro. “Cinco por cento da população já foi vacinada, é muito pouco ainda, temos que melhorar muito, trabalhar muito”, disse o ministro na ocasião.
Em discursos, Guedes vem repetindo que a vacinação em massa é o caminho para a retomada da Economia. A pasta também produziu estudos na mesma direção.
Esse comportamento mais recente difere da avaliação feita pelo ministro e auxiliares próximos no início da pandemia. Em março do ano passado, por exemplo, Guedes afirmou que no pior cenário possível da crise de coronavírus no Brasil, o PIB (Protudo Interno Bruto) cresceria 1% no ano -a economia encolheu 4,1% no período.
Na época, Guedes disse ainda que, se a população mantivesse seus hábitos, o efeito do coronavírus sobre a economia seria muito menor, apesar de as chances da contaminação serem maiores.
“Se nós continuarmos com as nossas formas de vida, a economia resiste um pouco mais -porque nós vamos continuar saindo, almoçando, indo a jogo de futebol- e a contaminação aumenta. Se nós, por outro lado, mudamos nosso comportamento, a contaminação desce, mas a economia afunda”, afirmou.
O ministro também afirmou que, com R$ 5 bilhões, o vírus seria aniquilado -o país gastou mais de R$ 600 bilhões em gastos emergenciais.
Adolfo Sachsida, secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, disse no fim de fevereiro que achava improvável haver restrições de circulação no território nacional.
A aposta era que o vírus não se espalharia no país em razão do clima. “Acho que não [haverá restrição de circulação]. Pelo que li, acho que o impacto no Brasil dificilmente vai ser por contaminação interna”, disse Sachsida no dia 27 de fevereiro.
“Vai ser muito difícil imaginar que o Brasil vai sofrer uma grande crise porque uma parcela expressiva da população neste verão pegou isso. Acho pouco provável”, afirmou o secretário na época.
Já na semana passada, nota técnica divulgada pela Secretaria de Política Econômica da pasta avalia que somente o programa de imunização será capaz de resolver definitivamente a crise econômica.
“As próprias fontes da crise têm em sua origem a própria doença, de forma que só serão sanadas de forma definitiva com a vacinação em massa da população, em especial a dos mais vulneráveis à doença”, afirma o texto da secretaria.
Bolsonaro, por outro lado, colocou em dúvida a eficácia das vacinas em diversas ocasiões. O presidente também fazia defesa do uso de medicamentos sem eficácia comprovada no tratamento de pacientes com Covid-19.
Sob sua gestão, o governo demorou a fechar acordos de compra de vacinas e chegou a rejeitar propostas de farmacêuticas para a entrega de imunizantes em 2020.
Recentemente, diante de forte pressão política e perda de popularidade, o presidente mudou a estratégia e o governo passou a apresentar a vacinação como plano prioritário.
A carta do grupo de economistas afirma que “apesar do negacionismo de alguns poucos”, praticamente todos os líderes políticos do mundo tomaram frente no combate à pandemia. O documento ressalta que as lideranças fazem a diferença para o bem e para o mal.
“O desdenho à ciência, o apelo a tratamentos sem evidência de eficácia, o estímulo à aglomeração, e o flerte com o movimento antivacina, caracterizou a liderança política maior no país. Essa postura reforça normas antissociais, dificulta a adesão da população a comportamentos responsáveis, amplia o número de infectados e de óbitos, aumenta custos que o país incorre”, afirma o texto.
Em outro ponto da carta, os economistas defendem o aprimoramento do sistema de proteção social do governo, citando como exemplo uma proposta de programa de renda mínima que seria fruto da fusão do Bolsa Família com programas existentes hoje.
O molde da proposta é defendido e elaborado de maneira similar pelo Ministério da Economia. O plano da pasta, no entanto, foi barrado por Bolsonaro.
No ano passado, o presidente interditou a discussão ao ser informado que um dos pontos da proposta previa a extinção do abono salarial, espécie de 14º salário pago a trabalhadores que ganham até dois salários mínimos. Na ocasião, ele argumentou que não vai tirar recursos de pobres para dar a paupérrimos.
Oficialmente, o Ministério da Economia informou que não vai se manifestar sobre a carta.
O documento é a primeira manifestação de peso de representantes da área econômica no atual pico de contágios e mortes. Nos últimos meses, alguns economistas e acadêmicos começaram a fazer críticas pontuais sobre o combate à Covid-19, mas a maioria não havia se posicionado publicamente até então.
Entre os economistas, estão Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real, Laura Carvalho, professora da Faculdade de Economia da USP, Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, e Elena Landau, economista, advogada e presidente do Conselho Acadêmico do Livres.
A carta tem a chancela de Roberto Setubal e Pedro Moreira Salles, co-presidentes do conselho de administração do Itaú Unibanco. Também é assinada por Pedro Parente, presidente do conselho de administração da BRF, Luis Stuhlberger, sócio da Verde Asset.
Ainda prestam apoio à mensagem ex-presidentes do Banco Central, como Armínio Fraga, Affonso Celso Pastore, Gustavo Loyola, bem como ex-ministros da Fazenda, como Pedro Malan, Marcílio Marques Moreira e Rubens Ricupero.
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