Canadá amplia repressão a ato de caminhoneiros com estado de emergência nacional

GUARULHOS, SP, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O premiê Justin Trudeau declarou emergência nacional no Canadá, nesta segunda-feira (14), o que permite ao governo usar a força para acabar com os protestos de caminhoneiros que bloqueiam há mais de duas semanas as ruas centrais de Ottawa, a capital do país.

Com isso, o governo nacional ganha por 30 dias o poder de suspender liberdades civis para manter a ordem, como impedir reuniões públicas e restringir o acesso a certas partes do país. A decisão precisa ser aprovada pelo Parlamento em uma semana, mas já passa a valer no dia em que é publicada.

Trudeau é o primeiro líder do país a recorrer ao Emergency Act, dispositivo criado na década de 1980 que substituiu legislação anterior que havia sido adotada em 1914, durante a Primeira Guerra Mundial, para proteção de segurança nacional durante o conflito.

A lei anterior só havia sido usada três vezes na história do país: nas duas guerras mundiais e na chamada Crise de Outubro, série de eventos em 1970 relacionados ao grupo separatista Frente de Liberação do Québec, província a leste do país, quando um diplomata britânico foi sequestrado e a lei marcial possibilitou centenas de prisões. Curiosamente, o primeiro-ministro à época era Pierre Trudeau, o pai do atual premiê.

A medida desta segunda-feira é tomada em meio aos protestos, mas também a críticas ao líder canadense, que foi pressionado pelos Estados Unidos para acabar com os bloqueios e por ter demorado a agir.

Antes do decreto, na província canadense Alberta, policiais prenderam 11 pessoas que, segundo as autoridades, pretendiam utilizar da violência para apoiar o movimento antivacina. Com elas, foram apreendidas 13 armas, uma grande quantidade de munições e um facão.

Além da capital, que tem atualmente cerca de 400 caminhões restringindo a circulação de pessoas e mercadorias, várias cidades do país, incluindo algumas na fronteira com o vizinho ao sul também sofreram com os bloqueios, autodenominados “comboios da liberdade”, contra medidas sanitárias, como a obrigatoriedade de um passaporte vacinal para caminhoneiros.

Medidas locais e regionais já haviam sido tomadas, como o estado de emergência na província de Ontário, onde fica uma das maiores conexões entre Canadá e Estados Unidos. A ponte Ambassador, elo importante das economias do Canadá e dos EUA, foi reaberta no final da noite deste domingo (13), após quase uma semana fechada pelos manifestantes.

A liberação da passagem, que transporta 25% de todo o comércio entre os dois países e por onde costumam passar 10 mil veículos comerciais diariamente, foi possível após uma liminar judicial expedida na sexta-feira (11) impedir os manifestantes de bloqueá-la. Policiais prenderam pelo menos 25 pessoas durante a operação de desobstrução da ponte que liga a cidade americana de Detroit à canadense Windsor.

O bloqueio da Ambassador havia virado ponto de tensão na relação com Washington, que pressionava as autoridades canadenses por ações mais contundentes. Liz Sherwood-Randall, conselheira de Segurança Nacional do presidente Joe Biden, elogiou o que descreveu como esforços decisivos da força pública do Canadá ao longo da fronteira para conseguir a suspensão completa dos bloqueios.

A situação, porém, é diferente na capital do país, Ottawa, onde centenas de caminhoneiros entram na terceira semana de protestos. A administração local havia anunciado um acordo parcial com os líderes das manifestações do domingo, que teriam se comprometido a deixar as áreas residenciais do centro da cidade nas próximas 24 horas.

Antes do decreto desta segunda-feira, o prefeito de Ottawa, Jim Watson, havia dito que a proposta faria com que os manifestantes deixassem uma região onde vivem 15 mil pessoas, mas que não seriam forçados a sair da Wellington Street, onde estão concentrados prédios da administração pública. “Minha preocupação tem sido dar algum alívio às pessoas que vivem nessas áreas.”

Enquanto isso, em repúdio ao que descrevem como impunidade, centenas de moradores da cidade organizaram contraprotestos, carregando cartazes com frases como “vão para casa, caminhoneiros” e “nossos vizinhos não merecem isso”. Relatos da emissora pública CBC indicam que grupos de 200 a 500 pessoas se reuniram em diferentes pontos de Ottawa contra os bloqueios.

Os protestos contra os caminhoneiros que bloqueiam as vias públicas foram chamados pelas redes sociais. Ex-vereador da cidade, David Chernushenko escreveu no Twitter que ele e sua família se juntariam à mobilização. “Ninguém parece estar fazendo nada sobre isso. Se a polícia tem uma estratégia, com certeza ela não é clara para nós”, disse. “Chegamos ao ponto em que nós temos de fazer alguma coisa.”

Causou estranhamento na população local a demora e a dificuldade dos policiais de Ottawa para conter os manifestantes. Em partes, a situação se deve à enxuta força policial da cidade. Município pequeno, com cerca de um milhão de habitantes, a capital do Canadá tem menos de 1.500 policiais -cerca de um agente para cada 667 moradores-, segundo números levantados pelo jornal The New York Times.

Soma-se a isso o fato de que alguns dos líderes do autodenominado comboio da liberdade, que nasceu na categoria de caminhoneiros, são ex-policiais e veteranos do exército. “É um nível totalmente sofisticado de manifestação”, disse o chefe da política de Ottawa, Peter Sloly, durante entrevista coletiva na quinta (10). “Eles têm capacidade de administrar uma organização forte, local e nacionalmente, e estamos acompanhando isso em tempo real.”

Em outra frente para tentar acalmar os manifestantes, o governo da província de Ontário, a mais populosa do país e onde estão localizadas a capital canadense e a ponte Ambassador, anunciou que vai acelerar seu plano de flexibilização das restrições relacionadas ao enfrentamento da pandemia. De acordo com as autoridades, o passaporte vacinal será suspenso em 1º de março, e a partir desta quinta (17), bares e restaurantes poderão funcionar com suas capacidades máximas. O uso de máscaras, por outro lado, permanecerá obrigatório.

O primeiro-ministro de Ontário, Doug Ford, porém, ao menos publicamente evita atribuir o anúncio à pressão de manifestantes antivacina. Segundo ele, as flexibilizações serão possíveis em razão da queda de novas hospitalizações na região. “Dado o quão bem Ontário se saiu na onda da ômicron, podemos acelerar nosso plano de reabertura”, disse.

Em Alberta, a partir desta segunda, alunos não serão mais obrigados a usar máscaras nas escolas. Na semana passada, a província também encerrou seu sistema de passaporte de vacinas e removeu limites de capacidade para locais pequenos.

Os protestos canadenses respingaram em outros países, especialmente os europeus. Após uma tentativa frustrada de realizar mobilização semelhante na capital francesa, Paris, centenas de veículos que participam de atos contra o passaporte sanitário seguem até a cidade de Bruxelas nesta segunda (14).

Quase 1.300 carros teriam se concentrado na cidade de Lille, perto da fronteira franco-belga, segundo a polícia local. Ao som de buzinas em um estacionamento, os participantes gritavam frases como “não cedemos a nada” enquanto exibiam a bandeira nacional francesa. “Vamos a Bruxelas para tentar lutar contra essa política de controle permanente”, disse à agência de notícias AFP Jean-Pierre Schmit, 58, desempregado francês que participa da mobilização.

As autoridades belgas proibiram qualquer manifestação na capital Bruxelas com veículos motorizados. O prefeito da cidade, Philippe Close, anunciou que 30 veículos foram interditados nesta segunda quando tentavam seguir para a cidade. Já o premiê belga, Alexander de Croo, sugeriu na sexta que os manifestantes deveriam desistir de viajar a Bruxelas e recomendou que “protestem em seus países”.

A polícia divulgou comunicados nas redes sociais que destacam a proibição de protestos com veículos e recomendam que os manifestantes não sigam de carro até Bruxelas. Os comboios devem ser direcionados a um estacionamento de um centro de exposições na periferia da cidade. Os participantes de um protesto similar em Haia, na Holanda, também anunciaram a intenção de seguir até a Bélgica.

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