FLÁVIA MANTOVANI
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Eu dormi aqui, eu não aguentei, eu tô sozinha. Mas eles estão vindo me buscar. Eu tô chegando, falta um pouquinho só para eu chegar. Eu não aguentei.”
Com essas mensagens de voz enviadas pelo celular, a enfermeira Lenilda dos Santos, 49, avisou a familiares que tinha sido abandonada no deserto na fronteira do México com os Estados Unidos. Eram 15h25 do dia 7 de setembro, uma terça-feira, e desde as 4h da manhã de domingo ela estava com três amigos e mais um coiote mexicano na caminhada que a levaria até o sonho de morar nos Estados Unidos mesmo sem ter o visto de entrada.
Dois minutos depois, ela não respondeu mais, apesar de visualizar as mensagens que a família enviava desde Vale do Paraíso, cidade com menos de 10 mil habitantes em Rondônia. Às 17h08, Lenilda enviou a localização de onde estava. Uma semana depois, na quarta-feira (15), às 16h16, seu corpo foi encontrado.
A ajuda que Lenilda esperava nunca chegou. Quem conta é o irmão dela, o pecuarista Leci Pereira, 48, que sabe de cor o horário exato de cada mensagem. Segundo ele, a brasileira foi abandonada pelo grupo porque passou mal durante a árdua caminhada.
“Largaram ela para trás. São pessoas que foram criadas junto com a gente, que conhecemos há mais de 30 anos. Ela confiou que eles iam voltar para buscá-la”, diz Pereira. “Eles me falaram que não aguentaram carregar ela, que não teve o que fazer. Se sentiram culpados, me pediram perdão, mas será que eles conseguem colocar a cabeça no travesseiro e dormir sossegados?”
Segundo ele, Lenilda enviou áudios aos amigos pedindo água. “Manda ela trazer uma água pra mim que eu não tô aguentando de sede”, diz a mensagem, que foi ouvida pela reportagem. “Eu esperei até as 11h e ninguém veio, aí eu peguei e saí do lugar”, diz ela em outro áudio.
O corpo de Lenilda foi encontrado na região da cidade de Deming, no estado americano do Novo México, pela patrulha de fronteira dos Estados Unidos. O caso foi revelado primeiro pelo jornal O Globo.
Mesmo trabalhando em dois empregos em Vale do Paraíso, Lenilda ficou endividada e não conseguia mais pagar a mensalidade das faculdades de suas duas filhas. A enfermeira, que já tinha morado nos EUA por três anos em 2004 e tem irmãos vivendo no país, decidiu voltar para tentar um trabalho que pagasse mais.
Em abril, tentou entrar se entregando aos guardas da fronteira, no sistema conhecido como “cai-cai”. Acabou sendo deportada e voltou agora tentando atravessar o deserto sem ser vista, uma modalidade mais perigosa.
“Ela estava devendo e a dívida foi só aumentando. Aí entrou em desespero, disse: ‘tenho que ir'”, diz o irmão. “Nosso país está tão ruim que mesmo uma pessoa sendo formada, como ela, preferiu sair para trabalhar de faxineira nos Estados Unidos.”
Até o desaparecimento dela ser esclarecido, a família procurou vários conhecidos nos Estados Unidos e chegou a achar que ela havia sido detida. Um deles é o empresário Kleber Vilanova, amigo da família, que mora em Columbus, Ohio.
Ele conta que a patrulha de fronteira não encontrou a brasileira no início das buscas, um dia após o desaparecimento. “Eles fizeram busca aérea, a pé, a cavalo. Ela usava roupa camuflada, o que dificulta de ser visualizada”, conta Vilanova, que enviou à reportagem uma foto em que Lenilda aparece ao lado de outras sete pessoas, todas com calças e blusas com essa estampa, botas e chapéus.
Vilanova insistiu para que a polícia fizesse uma busca mais detalhada e ampla. Desta segunda vez, o corpo foi encontrado. Agora, a família aguarda uma autópsia e a documentação para a repatriação. Amigos criaram uma vaquinha virtual para arrecadar dinheiro para o traslado.
Desaparecimentos durante a travessia entre o México e os EUA são comuns. “O deserto chega a ter 35ºC com ar seco durante o dia e de noite tem um vento muito frio. Tem muita pedra, muito buraco, tem tráfico de drogas, tráfico humano, não é seguro. Ela estava muito desidratada, passou mal, não dava mais conta de caminhar”, afirma.
O irmão de Lenilda diz que a família pensa em processar as pessoas que abandonaram a brasileira no deserto. “Não tem como deixar impune. Minha irmã era muito querida, a cidade toda está de luto. Quem fez isso tem que pagar.”
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