IGOR GIELOW
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Insatisfeita com o que considera alto custo do programa dos caças Gripen, a FAB (Força Aérea Brasileira) divulgou que está estudando a aquisição de um lote usado de aeronaves americanas F-16, ao menos como tampão para a defesa do país.
“A análise, no entanto, não guarda relação com as capacidades do Gripen. Não estão sendo realizadas negociações com governos ou empresas, nem foram definidas quantidades ou versões. As únicas interações sobre o tema tiveram como objetivo o levantamento de dados”, disse a FAB, em nota divulgada na sexta (14).
O texto nada fala sobre as motivações da FAB, que foram aferidas pela reportagem com integrantes da Força. Mas a confirmação do que era um rumor, encorpado por relato do site especializado britânico Jane’s na quarta (12), caiu como uma bomba nos meios militares.
Toda a filosofia do programa do Gripen, que inclui a produção nacional do caça da sueca Saab e transferência ampla de tecnologia para unificar a frota brasileira de aviões de combate, vai a xeque com a intenção.
O problema é de dinheiro e de cronograma, o que faz pessoas com conhecimento da situação no governo Lula (PT) sugerirem que o anúncio visa pressionar os suecos a melhorar as condições de uma negociação que está em curso desde o ano passado para a aquisição de mais Gripen.
Como a Folha de S.Paulo revelou em setembro do ano passado, o governo quer promover um negócio casado no qual venderia alguns cargueiros Embraer KC-390 para a Suécia em troca de exercer uma opção de aumentar em 25%, por meio de aditivo, o contrato firmado em 2014 para a compra dos Gripen.
Numa conta aproximada, seria um gasto extra de talvez R$ 5 bilhões por 14 aviões além da encomenda inicial de 36, 15 dos quais serão feitos na linha de montagem da Embraer, parceira da Saab, em Gavião Peixoto (SP).
O negócio em si custou 39,3 bilhões de coroas suecas, ou pouco mais de R$ 20 bilhões se fossem pagos hoje. O valor é financiado por 25 anos pelo governo em Estocolmo, mas a FAB precisa pagar adiantado parcelas que serão abatidas depois.
De 2019 a 2023, foram R$ 7,7 bilhões em valores corrigidos, R$ 1,2 bilhão só no ano passado. Como a Folha de S.Paulo mostrou na semana passada, o cronograma de entrega das aeronaves fabricadas no Brasil parece inexequível, a contar o ritmo atual.
Segundo um oficial-general da FAB, a questão do preço está pesando. O F-16 é um avião que sobra em estoques mundo afora, tanto que foi o preferido pela Ucrânia em seu pedido de caças do Ocidente para reforçar as defesas aéreas do país contra a invasão russa.
Tanto é assim que o alquebrado governo de Javier Milei na Argentina fechou, em abril, a compra de 24 F-16 usados da Dinamarca, um dos países que se comprometeram a enviar sua frota em desativação para Kiev. O valor foi de US$ 300 milhões (R$ 1,6 bilhão hoje), uma fração do que é estimado pelos 14 novos Gripen.
São, por óbvio, aviões incomparáveis, e a questão do preço opõe um negócio de oportunidade a um programa de transferência tecnológica de dez anos. Como lembram pessoas ligadas ao projeto, o Gripen E/F é um avião novo, desenvolvido com participação nacional, o que demora mais do que comprar algo pronto e usado.
Segundo a Jane’s, o Brasil também quer 24 aviões da geração C/D, menos obsoletos do que os comprados por Milei. É um avião menos capaz que os Gripen, mas considerado adequado às necessidades brasileiras.
Hoje, a defesa aérea do país, centrada em Anápolis (GO), está nas mãos de versões modernizadas dos antigos F-5, que voam desde os anos 1970. Há 47 aviões desse tipo no inventário da FAB, além de 30 modelos de ataque AMX –todas aeronaves que o Gripen deverá substituir.
Como muitas das unidades em uso dos F-5 e dos AMX estão a caminho rápido da aposentadoria, o temor na FAB é ficar desguarnecida. A questão é mais aguda com os aviões de ataque da Embraer, que devem começar a ser desativado até o fim de 2025. Os F-16 de prateleira cumpriram o papel de tampão, assim como os 12 Mirage-2000 comprados da França fizeram de 2006 a 2013.
Os sete Gripen que a FAB já recebeu, todos de fabricação sueca e para um piloto, ainda estão em testes para o emprego de mísseis. A primeira missão oficial do avião será no exercício militar Cruzex, com a presença dos EUA, em novembro nos céus de Natal (RN). Mas ali os tiros são virtuais.
O Brasil comprou, no pacote com a Suécia, armamentos ar-ar de curto alcance Iris-T e os mísseis para além do alcance visual Meteor, arma única na América Latina. Os primeiros podem ser integrados aos F-16, enquanto os segundos dependem de uma adaptação mais custosa e intrincada.
Para um militar próximo do programa, não haveria prejuízo ao futuro do Gripen no Brasil. Para ele, a FAB na prática só trocaria os AMX e F-5 pelos F-16, muito mais modernos, enquanto tenta viabilizar do ponto de vista orçamentário mais caças da Saab.
Pode ser, mas caso a sondagem da FAB se torne uma negociação com os EUA, detentores da autorização para venda de F-16 próprios ou de terceiros, o dano potencial à imagem do caça sueco estará dado. Há mais de 900 F-16 em ação pelos EUA, e um grande número em estoque ou sendo desativados por aliados.
O avião já encontra dificuldades no seu mercado natural, a Europa, devido à inundação de encomendas de modelos de quinta geração americanos F-35 por países amedrontados pela Guerra da Ucrânia. Até aqui, além dos 36 caças comprados pelo Brasil da nova geração do Gripen, a E/F, a Suécia negociou ao menos 60 aeronaves.
A Saab afirma que o fato de a Suécia ter entrado na Otan, a aliança militar liderada pelos EUA em que o F-35 tem se tornado um padrão, não é um empecilho para as vendas potencias de seu avião ou sua operação no Brasil. Até aqui, contudo, a única nova encomenda de Gripen, da Hungria, foi do modelo de geração anterior, o C/D.
Na região, operam o F-16 o Chile, com modelos semelhantes ao que o Brasil estuda ter, e a Venezuela, com aviões ainda mais antigos, do tipo A/B, além de futuramente a Argentina.