SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Pensando em aumentar a precisão e melhorar a prevenção de desastres ambientais e climáticos, pesquisadores estão desenvolvendo um novo modelo matemático de previsão de tempo específico para o Brasil.
O objetivo é que centros de pesquisa passem a usar esse modelo mais moderno, que será criado com foco nas condições e particularidades do país. Assim, seria possível antecipar de forma mais refinada não só eventos climáticos como as chuvas que devastaram o litoral norte de São Paulo na semana passada, mas também analisar mudanças na temperatura média e nos regimes de chuva de cada estação.
Batizado de Monan (sigla em inglês para Modelo para Previsão dos Oceanos, Superfícies Terrestres e Atmosfera), o projeto está sendo comandado por um comitê científico chefiado pelo Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), ligado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação.
A equipe é formada por 32 pessoas, reunindo profissionais de diferentes especialidades e regiões brasileiras, que também têm o papel de coordenar discussões em suas áreas, ampliando o escopo da participação da comunidade científica nacional. Ao todo, mais de cem pessoas estão envolvidas no projeto, que vem sendo desenvolvido desde 2021.
“Será [um modelo] tão moderno e avançado como os modelos atuais dos Estados Unidos, Japão e Europa, como a vantagem de considerar as especificidades do Brasil”, afirma Gilvan Sampaio, coordenador-geral de Ciências da Terra do Inpe.
“Mas, para mim, o mais importante é que é uma construção coletiva da comunidade científica nacional, de norte a sul do país, que permitirá ao país trabalhar com um único modelo, ou seja, [os cientistas] não precisarão ficar ‘importando’ modelos para as suas pesquisas. Além disso, possibilitará a formação de recursos humanos em modelagem do sistema terrestre”, aponta.
Abrangendo características da atmosfera, criosfera (gelos continentais), oceanos, solos e vegetação e atmosfera superior (fenômenos associados ao espaço), o projeto está sendo desenhado em partes. Até o final do ano, deve ser concluído o componente da atmosfera, o que já possibilita que ele seja usado para previsões do tempo de curto prazo, na escala de dias.
Em seguida, com a conclusão dos componentes de oceanos e criosfera e a junção deles, o modelo pode ser usado para previsões mais longas, antecipando eventos climáticos em meses. Essa etapa deve ser concluída em até quatro anos.
Quando estiver completo e com todos esses componentes interagindo, o Monan deve ser capaz de fazer previsões climáticas complexas, em escala refinada, de centenas de metros. O prazo para a finalização do modelo é de dez anos.
“Mais adiante, quando esse sistema estiver configurado, nós vamos introduzir um componente humano”, diz o físico do Inpe Saulo Freitas, que coordena o comitê científico do Monan ao lado do pesquisador Pedro Dias, da USP.
Ele explica que, acrescentando as variáveis das atividades humanas, como ocupação, mudança na cobertura do solo e na composição atmosférica, com os gases de efeito estufa, por exemplo, vai ser possível usar o sistema para elaborar cenários para as mudanças climáticas em escala centenária.
“Apesar de as nossas previsões terem evoluído bastante nos últimos anos, ainda não estão no mesmo nível, por exemplo, das que são fornecidas pelos centros europeu e americano de previsão de clima”, afirma Freitas.
Ele acrescenta que a ideia é que esse possa ser um modelo único que atenda as particularidades de toda a América do Sul, considerando a influência de elementos como a Amazônia, os Andes e o Oceano Atlântico.
SUPERCOMPUTADOR
Associado ao Monan, o Inpe vai abrir uma licitação para a compra de um supercomputador que será usado para calibrar e servir de plataforma para o desenvolvimento do modelo climático. “Quando a gente calibra é como se fosse lá e apertasse um parafuso no código do modelo. Para saber se melhorou, tem que rodar o modelo num supercomputador. Então, quanto mais rápida for a máquina, mais rápido a gente consegue fazer essa calibragem”, explica Sampaio.
Ele acredita que ao menos a primeira etapa de instalação do equipamento seja concluída até novembro. Ao todo serão investidos no novo supercomputador R$ 200 milhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Para o climatologista Carlos Nobre, que não está envolvido com o projeto, essa é uma oportunidade para que o Inpe retome o protagonismo que já teve e que foi sendo enfraquecido por cortes de orçamento e decisões políticas -como a que levou à demissão de Ricardo Galvão da diretoria do órgão, em 2019, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Ele explica que, no instituto, o Monan possibilitará o mesmo tipo de gestão da previsão meteorológica que funciona nos países desenvolvidos e na China: a partir de um centro federal, são feitas diariamente previsões globais, regionais e de mudança climática. As previsões são, então, distribuídas para diferentes setores, que vão usá-las de acordo com as suas particularidades.
“Por exemplo, recebendo essas previsões, o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais) vê o risco do deslizamento, da inundação, do desastre natural. A agricultura vê como isso vai impactar a lavoura, a quebra de safras etc.”
Nobre explica que o próprio Inpe criou outros modelos climáticos, como é o caso do Besm (sigla em inglês para Modelo Brasileiro do Sistema Terrestre), cujos resultados chegaram a fazer parte do quinto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental das Mudanças Climáticas) da ONU, em 2014. Esse foi o primeiro modelo da América Latina que entrou no IPCC.
No entanto, ele afirma que foi justamente a falta de modernização do supercomputador Tupã que fez com que o Besm não pudesse ser usado na elaboração do relatório mais atualizado, publicado entre 2021 e 2022.
Diz acreditar, porém, que, além do Monan, é preciso que os modelos já existentes no Inpe também sigam sendo aperfeiçoados.
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