DIOGO BERCITO
WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) – Quando Björk tinha dez anos, sua mãe lhe explicou que uma vigor passava pelo corpo da francesa Édith Piaf. Era a música. Era também a natureza. “Minha mãe conhecia o potencial visceral do corpo”, diz à reportagem. É um potencial que Björk explora há décadas, eviscerando música, natureza, artes visuais e tecnologia, parindo inesperadas quimeras.
A cantora islandesa lança na sexta-feira (24) o filme “Cornucopia”, em que registra sua turnê de mesmo nome. “Cornucopia” foi um de seus palcos mais complexos, a exemplo da estrutura dos fungos. Björk contava com um coral, flautistas, harpistas e uma câmara de repercussão construída sob medida para ampliar sua inconfundível voz. O show, gravado em Lisboa em 2023, estará na plataforma de streaming Apple TV+.
A preocupação com a natureza aparece desde o início da curso de Björk, que estreou nos anos 1970, quando ainda era garoto. Mas essa mensagem está particularmente clara na turnê “Cornucopia”, em que ela fala –pela música– sobre a urgência urgente de proteger o mundo.
Björk, de 59 anos, conversou com a reportagem por email logo depois o presidente americano Donald Trump anunciar, no dia 20, a retirada dos Estados Unidos dos acordos climáticos de Paris. A medida, a cantora afirma, reforçou sua crença de que a discussão é “mais urgente do que nunca”.
Uma vez que tudo o que faz, a artista injeta sua personalidade no email. Quase se ouve seu sotaque islandês reforçando a letra L e arrastando o R. O texto biórquico está concentrado na página, tingido com um azul-arroxeado e todo grafado em minúsculas, com espaços antes e depois de cada pontuação. Parece até, de notório modo, o encarte de qualquer de seus discos.
Björk fala da luta climática porquê uma “utopia” –nome, aliás, do álbum que lançou em 2017. A islandesa sugere que o caminho que enxerga rumo a esse mundo ideal pode ser construído com harmonias e melodias. “Os músicos trabalham com a imaginação, e temos facilidade em gerar coisas que não existiam antes”, afirma. “É um músculo que usamos bastante.”
É um músculo principalmente possante no corpo de Björk, com o qual ela esgarça o potencial da tecnologia na música. No álbum “Biophilia”, de 2011, a islandesa chegou a gerar novos instrumentos e deixou que a natureza os tocasse. Havia uma harpa gravitacional, acionada por pêndulos, e um mecanismo que produzia som a partir de cargas elétricas.
Existe alguma tensão nessa relação. A mesma tecnologia que facilita sua música, por fim, pode ser usada também para devastar a natureza. “As ferramentas sempre existirão. Se elas vão destruir ou gerar, isso depende de nós”, diz. “É importante que exista não somente a voz que representa o progresso e o lucro, mas também a voz que mostra que podemos expressar a psique humana e suas emoções utilizando as mesmas ferramentas.”
Nos últimos anos, Björk militou no combate à pesca industrial do salmão na Islândia. Foi a esses rosados peixes que ela dedicou a melodia “Vocal”, lançada em 2023 em parceria com a cantora espanhola Rosalía. É uma motivo “grande o bastante para fazer diferença e pequena o bastante para ser factível”, diz. “No ativismo, precisamos ter esperança.”
Os lucros da fita foram doados à Aegis, a organização ambiental que Björk criou com outros ativistas para lutar contra a pesca predatória. Sua meta, conta, é manter a Islândia porquê uma das maiores regiões preservadas da Europa. Quer ser um de seus guardiões. O país é mais do que a sua vivenda -é também sua musa, sua inspiração, seu laboratório, seu instrumento.
Björk explora as paisagens islandesas desde sua estreia com “Debut”, em 1993. Isso se acentuou ainda mais com “Homogenic”, de 1997. Suas faixas soam porquê os túneis de lava, as cachoeiras frias, as praias de areia negra e o atrito das placas tectônicas. “O espaço é importante para mim”, diz. Costuma fazer longas caminhadas na natureza, durante as quais tem “a sensação de um pouco intocado, de ser uma coisa muito pequena em um mundo muito grande”.
Utopias são, por definição, inalcançáveis, mas isso não impede que Björk tente chegar até elas. “Sinto que temos um lugar dentro de nós que representa o ideal e um outro lugar que é o real”, a cantora explica, à sua maneira. “Existe uma conversa entre esses dois lugares. É um pouco sobre o qual você dialoga durante toda a sua vida, com você mesmo e com os outros.”
Sua conexão com a natureza foi recentemente celebrada por cientistas, que batizaram uma novidade espécie em sua homenagem. Trata-se de uma enorme mariposa -Pterourus bjorkae- pintada com um frágil padrão amarelo, laranja, preto e azul. Sobre o novo bichinho, a islandesa diz somente que se sente “muito honrada”. A cantora costuma evitar se fascinar com a reputação, que por vezes parece até incomodá-la.
Björk inspirou seu álbum mais recente, “Fossora”, nas profundezas da terreno e nos fungos. Uma vez que o disco saiu em 2022, a pergunta é inevitável: o próximo já está a caminho, e o quanto vai tomar emprestado do mundo originário desta vez? Mas Björk diz que é cedo demais para falar. “Não quero agourar.”
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