ROGÉRIO PAGNAN
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O operador de máquinas Elvis Aparecido de Lima, 34, decidiu investigar um barulho vindo da escuridão do seu quintal. Após breve checagem, ele retornava ao interior da casa quando foi surpreendido por um criminoso armado. “Fica de boa”, disse o invasor.
Pensando tratar-se de uma arma de brinquedo, Lima resolveu reagir e jogou-se contra o assaltante. Na luta, levou dois tiros. Um deles atingiu a perna esquerda e, o outro, o abdômen, atravessando seu corpo e passando a milímetros da coluna vertebral.
A arma que quase tirou a vida de Lima, na frente da mulher e da filha de três anos, havia sido furtada de uma agência bancária de Sorocaba (SP), em 24 de dezembro de 2018, três dias antes dos disparos.
O revólver da marca Taurus, calibre .38, número de série JY114517, está entre as 569 armas furtadas de agências bancárias do estado de São Paulo entre junho de 2017 e maio de 2022.
Somadas às outras 257 levadas em roubos (quando há emprego de violência), totalizam 826 armas desviadas só de bancos –média de quase uma a cada dois dias, segundo dados da polícia paulista obtidos por meio de Lei de Acesso à Informação.
Esse volume representa 14,7% de todas as armas levadas por criminosos neste período no estado (5.978), incluindo aqui as roubadas e furtadas em diversos locais, como residências, unidades policiais e também bancos.
De acordo com o registro oficial do roubo à agência bancária de Sorocaba, os criminosos entraram no local de madrugada após romperem uma grade do ar-condicionado. Levaram o cofre onde estavam duas armas, munição e os coletes balísticos dos dois vigilantes que ali trabalhavam.
Esse furto exemplifica, segundo a Polícia Civil, a fragilidade dos bancos no estado que, por regra, disponibilizam locais pouco seguros para o armazenamento de armas.
Os vigias precisam deixar as armas no banco após o fim do turno de trabalho. Mas como elas não ficam guardadas no cofre principal, acabam sendo colocadas em compartimento próprio que, pela legislação atual, não precisa ser um cofre fortificado.
Na maioria dos furtos, ainda segundo os policiais, os criminosos conseguem entrar nas agências e abrir os cofres que abrigam as armas usando apenas uma chave de fenda.
“Os bandidos nem se dão ao trabalho de arrombar o cofre. Eles levam o cofre inteiro. Eles vão com uma chave de fenda, arrancam da parede e levam o cofre inteiro”, diz o delegado Pedro Ivo Correa dos Santos, titular da Delegacia de Furtos e Roubos a Bancos do Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais).
“Muitas vezes, o que é colocado não pode nem ser chamado de cofre. São armarinhos que se compram nessas papelarias da vida. O cofre de hotel é bom perto do que eles colocam em muitas agências. São muito, muito, muito frágeis”, completa Santos.
Essa vulnerabilidade, segundo o delegado, tem atraído quadrilhas especializadas em furto de armas guardadas em bancos. São, geralmente, ações na madrugada, em ataques muito rápidos, o que dificulta uma resposta mais eficaz da Polícia Militar.
“Eles conhecem a agência, sabem como funciona. Então, arrebentam a porta de entrada principal, entram correndo com fumaça, com alarme, e vão arrombando as portas até achar o cofre. Levam o cofre e saem em 60 segundos, um minuto e meio, no máximo.”
Até agora, só as equipes de Santos já prenderam quatro quadrilhas especializadas nessas invasões.
Embora a situação ainda preocupe a polícia, a média de armas levadas no estado de São Paulo já foi maior. De acordo com dados do Instituto Sou da Paz, entre 2011 e 2020, o total de armas extraviadas só de bancos chegou a 2.838 unidades, média de 2,3 a cada três dias.
“Mesmo em queda, a gente pode apontar que esse setor bancário é um importante foco de desvio de armas para o crime”, disse o pesquisador Bruno Langeani, gerente de projetos do instituto.
“Isso é preocupante porque, especialmente, estamos falando de um negócio que lucra mais quanto maior for a sensação de insegurança, e que, ao mesmo tempo, é um gerador de insegurança. São armas que, muitas vezes, no dia seguinte estão sendo usadas para roubar os clientes do próprio banco onde elas eram usadas.”
Uma das formas de reduzir o problema, diz o pesquisador, é a tecnologia usada experimentalmente em algumas agências que consegue rastrear as armas eventualmente levadas nos furtos.
Segundo o presidente da CNTV (Confederação Nacional dos Vigilantes e Prestadores de Serviço), José Boaventura Santos, a situação de fragilidade das agências aumentou na medida em que a segurança 24 horas dos bancos foi reduzida e, praticamente, não existe mais.
“Poucas são as agências bancárias em que o vigilante permanece 24 horas. Aí, na saída, ele tem que guardar a arma. Nessas situações, às vezes guarda a arma numa gavetinha, numa situação muito frágil.”
O sindicalista disse ainda que isso acontece por falta de fiscalização.
“A portaria da PF diz que precisa ter um cofre. Mas, as empresas vão driblando essas coisas. Há punição quando é constatada essa guarda frágil, mas o problema é que essa fiscalização não é tão eficaz.”
De acordo com André Zanetic, especialista em segurança privada, as agências bancárias foram obrigadas a implantar equipes de segurança com a publicação de um decreto-lei em 1969, após a escalada de assaltos iniciada ainda nos anos 1950.
Procurada pela Folha, a Febraban informou que, por lei, todo estabelecimento financeiro tem plano de segurança, aprovado pelo Ministério da Justiça, composto de uma série de dispositivos, entre eles a vigilância armada.
Quanto aos cofres considerados frágeis pela polícia e por especialistas, a Febraban diz que a responsabilidade da aquisição, controle e manutenção dos compartimentos é das empresas terceirizadas de segurança.
Os bancos dizem ainda investir cerca de R$ 9 bilhões ao ano no aprimoramento da segurança bancária, o triplo do que era gasto há dez anos, e na cooperação com a segurança pública.
Procurada, a Fenavist (Federação Nacional das Empresas de Segurança e Transporte de Valores) não quis comentar o assunto.
Notícias ao Minuto Brasil – Brasil