BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A deterioração do cenário econômico ao longo deste ano levou à piora nas expectativas dos principais indicadores para 2022. O Brasil superou em setembro a barreira dos dois dígitos na inflação e deve alcançar a marca também na taxa básica de juros (Selic) em fevereiro.
Há ainda risco de queda do PIB (Produto Interno Bruto), levando o país à recessão, tudo ao mesmo tempo.
O BC (Banco Central), na avaliação de economistas, tem pesado a mão na elevação dos juros para conter a escalada de preços diante dos sinais do governo de abandono da âncora fiscal.
Essa estratégia, afirmam, deprime ainda mais a atividade e tem efeito limitado na inflação, que começou como choque de custos –para o qual a política monetária não tem tanta eficácia– e se disseminou.
O ruído em torno de uma possível mudança de regime fiscal, com manobra para abrir espaço no teto de gastos, elevou o chamado prêmio de risco à curva de juros, custo adicionado para cobrir eventuais impactos, e afetou as expectativas para a inflação.
O movimento impacta os preços principalmente por meio da desvalorização da moeda brasileira frente ao dólar.
O intuito principal do governo era criar fonte de recursos para custear o Auxílio Brasil, programa social que substituiu o Bolsa Família.
“O grande problema não é o auxílio, é necessário. A questão é fazer esse tipo de programa sem falar sobre reordenamento de despesas. As pessoas estão em situação de vulnerabilidade, com aumento da extrema pobreza. É difícil o governo ficar alheio a isso, independentemente de ser ou não período eleitoral”, diz a estrategista-chefe da MAG Investimentos, Patrícia Pereira.
Para a economista, nesse sentido que o BC está sozinho na tentativa de reverter a pressão inflacionária.
“O fiscal poderia ajudar sinalizando alguma preocupação com os gastos. A perda de credibilidade do teto de gastos pesa muito também, porque dá margem para dúvida se ele será novamente driblado”, afirma Pereira.
O presidente do BC, Roberto Campos Neto, tem repetido que o país está pagando um preço alto por um desvio fiscal que não foi tão grande.
Para ele, o país teve uma melhora relevante em termos de expectativas para a dívida pública e para o resultado primário, mas os agentes econômicos olham para frente e se preocupam com a sustentabilidade das contas públicas em cenário de crescimento baixo e juros altos, o que explica a piora nas projeções.
Na apresentação do relatório de inflação em 16 de dezembro, ao ser questionado sobre se o BC se via isolado no combate à inflação, Campos Neto disse que o importante na tomada de decisão da autoridade monetária é entender como os agentes econômicos veem o cenário e como isso influencia as variáveis macroeconômicas.
“Não se trata de [o BC] estar sozinho ou não, existe obviamente uma necessidade de programas de enfrentamento da pandemia e existe uma necessidade de equacionar os gastos às fontes de recursos”, afirmou Campos Neto.
“O que percebemos nos últimos meses é que houve um questionamento com relação à validade do arcabouço [fiscal] que até então existia e isso fez os prêmios de risco se elevarem. No curto prazo tivemos surpresas positivas e parte disso se propaga para os próximos anos, mas entendemos que houve esse questionamento”, disse.
A economista-chefe do Credit Suisse Brasil e colunista da Folha Solange Srour afirma que o BC deve enfrentar grande desafio no próximo ano e que a perda de credibilidade do teto de gastos contribuiu para a piora do cenário.
“Não concordo que foi pequeno o desvio. Teremos um [déficit] primário melhor que o esperado, mas é foto do momento. O mercado olha o filme à frente. Uma vez que uma regra é quebrada, podemos presumir que pode ser quebrada de novo, o que gera incerteza, especialmente em ano eleitoral”, diz Srour.
“O desafio é tentar controlar as expectativas de inflação quando tem uma deterioração clara do quadro fiscal. Não dá para minimizar o que aconteceu com o teto. Não é só o fato de que teremos um aumento de R$ 100 bi [nas despesas], o que por si já seria ruim, mas a quebra na regra, que teoricamente seria um limite para comportamento oportunista do governo e não foi”, diz o consultor e ex-diretor do BC Alexandre Schwartsman.
Neste ano, a inflação vai estourar a meta fixada pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) em 3,75% –com 1,5 ponto percentual de tolerância para cima e para baixo. Dessa forma, o indicador não poderia ultrapassar 5,25%.
O BC projeta elevação de 10,2% nos preços no acumulado do período, quase o dobro do máximo estabelecido.
Sob o custo de uma atividade muito fraca e de altas taxas de juros, para 2022, a autoridade monetária espera que a inflação caia pela metade, para 4,7%, mas ainda perto do teto da meta, que é de 5% (centro de 3,5%).
De acordo com o último boletim Focus, em que o BC divulga as projeções do mercado, economistas consultados já preveem estouro do teto também em 2022, com 5,03%.
No relatório de inflação, o BC cortou pela metade a expectativa para o PIB do próximo ano e agora espera crescimento de 1%. Em setembro, a autarquia via elevação 2,1%.
A estimativa do BC está acima das projeções do mercado. Com a deterioração do cenário, instituições financeiras e casas de análise esperam alta de 0,5% no PIB de 2022, segundo o relatório Focus da semana passada. Há um mês a expectativa era de 0,70%. Mas já há instituições estimando queda no PIB de 2022.
Na última decisão, em 8 de dezembro, o Copom (Comitê de Política Monetária) do BC elevou a taxa básica novamente em 1,5 ponto percentual, a 9,25% ao ano. No comunicado, o BC indicou nova alta de mesma magnitude para próxima reunião, em fevereiro, para 10,75% ao ano.
Inflação elevada com desempenho fraco da economia é o que economistas chamam de estagflação, quadro que se desenha para o próximo ano.
Normalmente, desempenho fraco da economia leva à inflação mais baixa, assim como juro alto pressupõe ancoragem de expectativas. Os fatores, entretanto, dependem de uma política fiscal e monetária bem estabelecida.
Para economistas, contudo, não foi apenas a piora do quadro fiscal que levou à desancoragem das expectativas de inflação (quando as projeções do mercado para os anos seguintes ficam acima da meta). Houve, dizem, erro de condução do BC, que levou a Selic ao menor nível da história, a 2% ao ano, em agosto do ano passado e manteve o patamar até março deste ano.
A avaliação é que a autoridade monetária demorou a perceber a persistência de inflação.
“O BC chegou atrasado, mas eu teria chegado atrasado. Eu inclusive tinha uma visão mais otimista, achava que o choque nos preços era transitório. O Copom começou a subir juros antes do que eu considerava adequado e errou, mas eu teria errado mais”, diz Schwartsman.
Srour concorda que houve erro, mas pondera que a decisão foi respaldada por grande parte do mercado.
“Talvez tenha sido um erro de comunicação ou de diagnóstico, de que a inflação seria temporária. Naquele momento era melhor ter adotado discurso com menos guidance [sinalização dos passos futuros] porque a incerteza era muito grande”, afirma.
Para tentar recuperar credibilidade e frear as previsões do mercado, o BC subiu o tom em relação ao aperto monetário na última decisão.
O Copom admitiu pela primeira vez que as expectativas estão desancoradas e indicou que continuará subindo juros não só até que a inflação desacelere, mas que também as projeções do mercado para os próximos anos estejam ao redor da meta.
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