‘Bastante gelo’, disse copiloto da Voepass um minuto antes de queda de avião

CÉZAR FEITOZA
BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O copiloto Humberto de Campos Alencar e Silva disse que havia “bastante gelo” um minuto antes da queda do avião da Voepass, que deixou 62 mortos no dia 9 de agosto. O relato dele coincidiu com alertas de possível congelamento de partes da aeronave.

 

Apenas 57 segundos após o alerta do copiloto, registrado na caixa-preta, os pilotos perderam o controle da aeronave e ela virou de um lado para o outro até entrar em parafuso, completar cinco voltas e atingir o chão.

As informações foram divulgadas nesta sexta-feira (6) pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), da Força Aérea Brasileira. Elas fazem parte do relatório preliminar sobre a queda do avião em Vinhedo (SP). Até a publicação, a empresa aérea não havia se manifestado.

O diretor do Cenipa, brigadeiro Marcelo Moreno, afirmou que a caixa-preta que grava a voz da cabine registrou o piloto dizendo que o sistema de degelo não funcionava da forma correta. A fala foi gravada logo no início do voo, no primeiro sinal de alerta de gelo. Ainda não foi possível, segundo Moreno, confirmar essa informação com outros dados sobre a aeronave.

“Um tripulante disse, na gravação de voz, que havia problema no sistema de-icing (degelo) […] O comentário de que haveria falha no sistema de-icing é apenas por voz, não conseguimos confirmar no FDR [caixa-preta com os dados da aeronave]”, disse.

A apresentação foi feita pelo tenente-coronel Paulo Mendes Fróes, investigador-encarregado pelo caso. Segundo o início da apuração do Cenipa, as luzes que indicam o acúmulo de gelo na parte externa do avião foram ligadas às 12h14 -16 minutos após a decolagem de Cascavel (PR).

As condições meteorológicas indicavam alto índice de formação de gelo no trajeto feito pela aeronave. “Temos informações meteorológicas disponíveis antes do momento da decolagem. Era previsto gelo severo na rota e previsão de formação de gelo nos níveis de 12 mil pés a 21 mil pés”, disse Fróes. O avião voava a 17 mil pés.

A tripulação ligou o sistema de degelo por três vezes durante o voo, diante dos alarmes emitidos pela aeronave. A última vez que o mecanismo para quebra do gelo foi ligado pelo piloto Danilo Santos Romano ocorreu 5 segundos após o copiloto Humberto alertar sobre o acúmulo de gelo.

Segundo Fróes, no mesmo minuto a caixa-preta registrou “ruídos e vibrações” que indicam ser o momento em que os pilotos perderam o controle sobre a aeronave. O avião fazia uma curva em direção ao aeroporto de Guarulhos, destino final do voo.

O brigadeiro Marcelo Moreno afirmou que os dados analisados até o momento revelam que a aeronave tinha registros de manutenção atualizados. “Todos os registros de manutenção estavam atualizados, mas a qualidade nós ainda não sabemos”, disse.

Os investigadores disseram que ainda não foi possível entender as razões pelas quais a tripulação perdeu o controle da aeronave. “Se for entrar na esfera de como foram feitos os procedimentos, como, por que, ainda não temos respostas. Serão os próximos passos da investigação”, disse Fróes, ressaltando que a apuração do caso deve durar cerca de um ano.

O avião modelo ATR 72-500 deixou Cascavel (PR) às 11h58 com destino ao aeroporto de Guarulhos (SP). Tinha 62 pessoas a bordo (58 passageiros e quatro tripulantes). O voo seguiu sem sobressaltos até 13h20.

A aeronave sobrevoava o estado de São Paulo a cerca de 5.000 metros de altitude quando, às 13h21, fez uma curva brusca e começou a cair.

O avião caiu em parafuso chato -movimento em que a aeronave gira em torno de seu próprio eixo. A queda ocorreu no condomínio Recanto Florido, no bairro Capela, em Vinhedo. Ninguém no solo se feriu.

O desastre é o mais letal do país desde 2007, quando um acidente com o voo 3504 da TAM nos arredores do aeroporto de Congonhas deixou 199 mortos, e um dos dez piores já registrados no Brasil.

O Cenipa investiga as possíveis causas do acidente para emitir recomendações que busquem impedir novos desastres como o que ocorreu com a Voepass. A apuração da Força Aérea não aponta culpados nem tem objetivo de responsabilizar pessoas ou empresas.

A investigação é feita em três etapas. A primeira, no dia do acidente, envolve o recolhimento de destroços e reconhecimento do local em que a aeronave caiu.
A segunda fase é a análise dos dados para identificar as possíveis causas do acidente. É nesse momento que o Cenipa se encontra. Um dos principais componentes para entender a dinâmica da tragédia é a análise das caixas-pretas do avião.

As aeronaves comerciais no Brasil possuem duas caixas-pretas: uma que grava o áudio do piloto e do copiloto, outra que registra dados da aeronave. Os dados dos equipamentos foram retirados com sucesso na mesma semana do acidente.

A análise dos dados tem foco em três pilares. São eles o fator humano, para checar aspectos fisiológicos e psicológicos; o fator operacional, cujo foco é a interação entre os pilotos e as decisões tomadas diante das condições meteorológicas; e o fator material, para verificar se o acidente teve relação com problemas em sistemas do avião.

Com todas as informações, o Cenipa faz uma simulação do voo para analisar como cada um desses fatores pode ter contribuído para o desastre.

A terceira fase é a produção do relatório final e definição das recomendações. A expectativa de integrantes da Força Aérea e pessoas ligadas à Voepass ouvidas pela Folha é que o Cenipa sugira novos parâmetros para a aviação regional, com aumento de exigências mínimas para a operação comercial.

Uma semana após o acidente, a Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) iniciou uma operação assistida da Voepass. Esse formato de fiscalização determina que a empresa aérea envie, em tempo real, todos os dados de operação de suas aeronaves.

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