Barco que veleja sozinho vai monitorar poluição na Baía de Guanabara

MATHEUS FERREIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um novo barco vai navegar pela baía de Guanabara à procura de mudanças na qualidade das águas. A novidade é que, por ser controlado por inteligência artificial, o F-Boat, projeto da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Prefeitura de Niterói (RJ), dispensa tripulação para analisar dados ambientais em tempo real.

Com leme, vela e casco, o F-Boat parece um veleiro convencional que tem três metros de comprimento. Mas, no interior, ele leva câmeras, sensores e um minisupercomputador que vai analisar pH, temperatura e turbidez da água, com foco em possíveis riscos como vazamentos de resíduos e poluição.

O projeto começou há dois anos por demanda da Prefeitura de Niterói, que tem investido em parcerias com universidades para inovação. Em um edital, os professores da UFF Esteban Walter Gonzalez Clua e Daniel Dias apresentaram a ideia e tiveram aprovação da secretaria municipal do Meio Ambiente.

Clua coordena o grupo de pesquisa Medialab, que desenvolve novas tecnologias com inteligência artificial. “Pode parecer exagero, mas, no futuro não muito distante, dirigir vai ser uma tarefa esquisita”, disse em referência à corrida para desenvolver veículos autônomos no mundo.

A equipe de pesquisadores gastou R$ 100 mil reais no desenvolvimento do F-Boat, valor que incluiu instrumentos feitos de forma artesanal, impressão 3D do casco e compra de processadores. O custo com os próximos veleiros inteligentes, porém, deve diminuir quando o projeto ganhar escala.

Hoje, a embarcação já veleja sozinha. Uma inteligência artificial, alimentada por informações dos sensores e câmeras instalados no veleiro, controla as escolhas de navegação diante de vento ou obstáculos. Mas, mesmo tomando decisões próprias, a tecnologia ainda passa por aperfeiçoamentos.

Esse tipo de máquina sempre está aprendendo, afirmou Clua. A inteligência artificial segue uma política de regras e é punida se cometer erros -processo chamado de aprendizagem por reforço.

Só que no veleiro inteligente, esse tipo de aprendizado acontece em ambiente virtual. Transportes autônomos podem trazer riscos à segurança da população quando treinados no mundo real.

Por isso, Clua e sua equipe criaram clones digitais (digital twins) para ensinar o barco a navegar. “São réplicas do veículo e de todo ecossistema ao redor em meio digital”, disse. Depois, esse aprendizado virtual é transferido para o sistema físico.

No projeto do F-Boat participaram tanto o setor público quanto privado, com destaque para a Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), a Marinha e a empresa NVIDIA, que forneceu tecnologias para o barco.

Márcio Aguiar, diretor da divisão Enterprise da NVIDIA para América Latina, disse que a empresa tem longo histórico de trabalho com o pesquisador responsável pelo barco, o que facilitou a parceria.

A NVIDIA ofereceu à equipe o hardware NVIDIA Xavier -supercomputador em miniatura que processa dados em tempo real-, softwares de visão computacional e uma plataforma para treinar os clones digitais chamada “Omniverse”.

“O F-Boat é um projeto de nicho, mas está chegando a grandes escalas”, afirmou. Para o executivo, que vê o Brasil como competitivo em relação a outros países na área, o uso de máquinas com o poder de inteligência artificial veio para ficar.

Além de guiar a navegação, a inteligência artificial do veleiro vai processar dados da água da Baía de Guanabara para a Prefeitura de Niterói em tempo real. A inovação do monitoramento está na mobilidade que o veículo traz. Hoje, a fiscalização é feita por pontos fixos.

“O custo de levar este sistema de um lugar para outro seria muito alto”, afirmou Clua, da UFF. Com o F-Boat, o mapeamento será mais dinâmico e com maior probabilidade de acerto devido à quantidade de dados analisados.

Um dos desafios, de acordo com o professor, é convencer os servidores da área ambiental a confiar nas análises da inteligência artificial, já que ainda não estão familiarizados com essa metodologia.

Há também limitações nas atividades da embarcação, como, por exemplo, na captação de dados sobre coliformes fecais na água, que ainda precisam de coleta e exame laboratorial.

Na avaliação do pesquisador, o veleiro pode ser visto como um projeto pensado para cidades inteligentes porque conta com a colaboração de inteligência artificial para o bem-estar da população de Niterói.
Alessandra Cristina Corsi, pesquisadora do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) de São Paulo e especialista na área de gerenciamento ambiental, concorda com a avaliação.

Em cidades inteligentes, explicou Corsi, o poder público coleta, trata e disponibiliza dados para que a população tenha melhor acesso aos serviços e esteja informada sobre diferentes áreas, como meio ambiente e mobilidade. O veleiro vai nessa direção, disse.

Segundo a pesquisadora, a ideia de produzir informações 24 horas é boa, mas sem um sistema que coordene dados e tomada de decisão a inovação perde força. “Tudo o que se pensa em automatizar, sensoriar e deixar inteligente, precisa ter embutido uma ação”, concluiu.

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