Vai longe o tempo em que a competição no setor financeiro se limitava a uma disputa entre bancos e fintechs. Agora, envolve também varejistas, aplicativos de entrega, operadoras de telefonia e qualquer outro segmento que tenha uma base expressiva de clientes para a qual se possa oferecer produtos financeiros. Como resposta, as instituições financeiras também se mexem e procuram ir além do mundo das finanças, turbinando seus aplicativos e lançando marketplaces (espaço virtual em que vários lojistas se reúnem para vender seus produtos) – tudo para conquistar aquilo que se tornou o bem mais precioso nesse mercado cada vez mais diverso: o tempo do cliente.
O movimento mais recente foi o anúncio da parceria entre o BTG Pactual e a Mosaico, empresa dona do Zoom e do Buscapé, que, entre outros projetos, vai desenvolver um marketplace. Outros bancos digitais, contudo, já estão nessa há mais tempo, como o Inter, que desde o ano passado oferece no aplicativo o que eles preferem chamar de shopping, onde as pessoas podem comprar produtos diversos de 272 lojas.
“Há dois ou três anos, ser um banco digital era algo revolucionário. Hoje já está velho. Queremos ser um aplicativo que também oferece serviços não financeiros, um superaplicativo, que passa pelo conceito do banco não como um fim, mas como um meio”, afirma o CEO do Inter, João Vitor Menin, que tem trabalhado para lançar no primeiro semestre de 2021 um serviço de telefonia e outro de delivery, tudo no mesmo APP.
Na disputa pelo tempo, contudo, as varejistas começaram antes. O Mercado Livre tem a conta digital Mercado Pago; o Magazine Luiza, o sistema de pagamentos MagaluPay; a Via Varejo tem o Banqi; e a B2W, a Ame Digital. Tudo isso para garantir que o consumidor não precise sair do aplicativo para encontrar soluções, além de conseguir ainda mais dados de hábito de compras destes clientes. Assim, fica mais fácil oferecer produtos. Além disso, é mais barato alcançar com publicidade os clientes que têm diversos pontos de contato com a empresa.
Os aplicativos de entrega também estão atentos. O Rappi criou o RappiBank, e o iFood lançou uma conta digital gratuita para donos de restaurantes. “Os aplicativos de entrega vão conseguir ter uma profundidade maior de análise dos clientes, conhecendo volume de pedidos, sazonalidades. Podem até oferecer uma taxa de juros menor baseada em recebimentos futuros. É um grau de profundidade que os bancos não têm”, afirma o consultor Bruno Diniz, líder na América Latina pela Financial Data and Technology Association (FDATA) e cofundador da consultoria especializada em inovação para o mercado financeiro Spiralem.
Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), com o advento do Pix e do open banking (sistema no qual as instituições financeiras podem compartilhar informações dos clientes), é possível que os superaplicativos das varejistas cheguem – de fato – a incomodar os grandes bancos. “Quando se olha para a China, os marketplaces engoliram serviços de pagamento e crédito. Daqui a cinco anos, se essas plataformas ficarem mais robustas, é possível que elas façam disrupção nessas áreas. Como os bancos podem lidar com isso? Reembaralhando o jogo”, diz.
A base atualizada e ativa de clientes e a presença de seus aplicativos nos celulares dos brasileiros são as principais armas dos bancos na tentativa de criar seus espaços de compras. Sabendo quanto o cliente gasta e quanto ele ganha, além de ter acesso a esse cliente por meio de notificação nos telefones, são vantagens importantes para traçar essa espécie de caminho inverso de acesso ao consumidor.
“Não sei se eles (os bancos) vão ter sucesso, mas eles têm muito insumo para ter sucesso”, afirma Gustavo Chapchap, líder do Comitê de E-Commerce da Associação Brasileira de Agentes Digitais e diretor da Jet/ZapCommerce. Ele explica que a origem desse movimento é antiga e vem dos sistemas de recuperação de pontos de cartões de crédito.
Para o C6 Bank, que lançou um marketplace em outubro do ano passado, o caminho dos bancos é mais fácil do que o das varejistas. “O varejo quer ser banco, mas precisa montar algo mais regulado. É mais complexo. Mas para o banco ser varejo é mais simples”, afirma Maxnaun Gutierrez, responsável pela área de produtos e pessoa física do banco.
Ele não vê, contudo, que haja uma concorrência com os varejistas. “Se eu vendo produtos das Casas Bahia no meu marketplace, e o cliente acha mais interessante comprar comigo, porque tem cashback, não faz diferença para a Casas Bahia, porque ela quer vender, não importa o canal. Ela até economiza em marketing”, explica.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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