BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A postura beligerante do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem gerado incômodo em integrantes do Ministério da Economia. Para eles, o mandatário atrapalha a retomada da atividade econômica.
Atritos criados com outros Poderes, antes relevados internamente sob a justificativa de que a agenda econômica tinha respaldo e caminharia paralelamente, começam a ser interpretados de forma diferente, segundo relatos à reportagem.
Nos últimos dias, agentes do mercado sinalizaram que podem deixar de apoiar o governo e sua política econômica.
Auxiliares do ministro Paulo Guedes (Economia) entendem que o movimento está diretamente ligado à ação de Bolsonaro, que cria instabilidade na condução do governo e coloca em dúvida o funcionamento das instituições. O presidente convocou apoiadores para manifestações nesta terça-feira (7).
Segundo membros da pasta, que falaram sob condição de anonimato, o clima de incerteza que contaminou o mercado recentemente é influenciado pelo presidente, que colocou as eleições em dúvida, seguiu em atrito com governadores e intensificou embates com o Judiciário.
Na avaliação de uma pessoa próxima ao ministro, esse cenário afeta indicadores econômicos e impacta a vida da população.
Um auxiliar direto de Guedes afirma que, considerando os fundamentos fiscais do país e o superávit recorde na balança comercial brasileira, o valor do dólar deveria estar mais baixo.
Para ele, a falta de confiança no país vem afastando investimentos e pressionando a moeda americana.
Esse mesmo interlocutor explica que o dólar em patamar elevado pressiona a inflação, colaborando para que o preço dos alimentos nos mercados fique mais alto.
O problema é tratado como uma das principais fragilidades do governo, podendo afetar a popularidade do presidente em ano eleitoral.
Esse efeito ocorre porque diversos produtos consumidos em grande escala no país são precificados em dólar, como carne, açúcar, café e óleo de soja, além de combustíveis.
O dólar mais alto também encarece o que o Brasil importa, como componentes eletrônicos e insumos agrícolas.
A turbulência gerada pelas dúvidas em relação à condução do governo ainda pressionam para cima os juros de mercado, o que encarece o crédito às famílias e o financiamento das empresas, além de ampliar o custo de administração da dívida pública pelo governo, ressalta uma das fontes.
A avaliação entre técnicos é que a agenda econômica caminhava bem e a situação fiscal estava controlada após o arrefecimento da pandemia da Covid-19.
Um episódio, porém, é tratado como excepcional pela pasta: a disparada na conta de precatórios -dívidas do governo reconhecidas pela Justiça e sem possibilidade de recurso.
Após a explosão de gastos para enfrentamento da pandemia em 2020, o governo reduziu fortemente as despesas neste ano. As projeções para o rombo nas contas públicas melhoraram e as expectativas para o endividamento recuaram.
No entanto, técnicos afirmam que está havendo um descolamento entre os fundamentos da economia, que vinham melhorando, e as expectativas de mercado, que pioraram.
Outro subordinado de Guedes demonstra preocupação com as ações do presidente. Ele afirmou que “cada besteira” alardeada por Bolsonaro é sentida rapidamente na cotação do dólar.
Esse auxiliar avalia que há exagero na percepção negativa do governo, mas afirma que não há confiança na previsibilidade do mandatário.
Nos últimos meses, o presidente colocou em dúvida o sistema eleitoral do país, defendendo a adoção do voto impresso, fez ataques públicos a ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e deu declarações golpistas ao convocar apoiadores para manifestações.
Segundo um dos secretários do Ministério da Economia, soluções que precisam ser construídas na área são prejudicadas quando não há boa interlocução com outros Poderes.
Para ele, outro problema estaria na crença de agentes do mercado de que as decisões econômicas do governo correm risco de politização –visão sem fundamento, para técnicos da pasta.
De janeiro a agosto, projeções de analistas do mercado, divulgadas pelo boletim Focus, do Banco Central, se deterioraram.
A expectativa para o câmbio ao fim do ano subiu (de R$ 5 para R$ 5,15), assim como a da Selic (de 3,25% para 7,5%) e de inflação (de 3,34% para 7,27% no IPCA).
Para o PIB em 2022 também houve recuo nas perspectivas, caindo de 2,5% para 2%. Ainda houve queda na estimativa do investimento estrangeiro direto (de US$ 60 bilhões para US$ 54 bilhões).
Um dos motivos para as turbulências observadas no mercado nas últimas semanas também é atribuído à incerteza em relação ao compromisso do governo com as regras fiscais.
Com o avanço dos precatórios, não há verba para demandas eleitorais de Bolsonaro, como obras públicas e o Bolsa Família turbinado. O problema do pagamento de sentenças ainda não foi resolvido e depende de avaliação do Judiciário.
Na visão de outro secretário, a postura de confronto de Bolsonaro não é a única explicação para as turbulências recentes. Ele afirma que a comunicação do governo tem tido dificuldade de sensibilizar a sociedade e ressalta que a polarização política tem prejudicado os debates no país.
Em almoço com congressistas nesta semana, Guedes disse que combates são naturais nas discussões em Brasília, mas defendeu moderação nas conversas entre os Poderes.
“Todo mundo vê quem está jogando fora das quatro linhas, seja quem for, pode ser um ministro que está falando besteira, eu posso estar falando agora, tem o VAR, está gravado, todo mundo vai ver”, afirmou na ocasião.
“Pode ser um juiz do Supremo que saiu das quatro linhas para prender o pipoqueiro, pode ser o presidente da República. Todo mundo que sai das quatro linhas, o VAR está lá. A beleza da democracia é essa”, disse.
Os atritos provocados pelo presidente também geram efeito sobre o Congresso, que analisa propostas de interesse do governo.
Para um interlocutor do governo, a Câmara tem colaborado com as medidas da equipe econômica. O cenário, porém, é muito diferente no Senado.
Sem perspectivas para avanço da agenda de Guedes e sem uma base aliada consolidada na Casa, membros do governo disseram a aliados que está em análise a necessidade de adiar o calendário da privatização dos Correios.
O plano do Ministério da Economia era obter o aval do Congresso para a operação até o início de setembro. Com isso, a venda poderia ser realizada até março de 2022.
O texto foi aprovado pela Câmara com facilidade diretamente no plenário, sem passar por comissões temáticas. No Senado, a medida deverá passar por comissões e já está atrasada.
Na avaliação de uma liderança do Congresso, parlamentares começaram a se movimentar em busca de projeção para as eleições de 2022. Por isso, em momentos nos quais Bolsonaro eleva o tom, a tendência é que o Senado reaja, o que pode prejudicar a agenda de reformas.
MDB e PSD, que têm pretensão de lançar candidatos à disputa do Palácio do Planalto no próximo ano, são as maiores bancadas na Casa.
O governo tentou ampliar a base no Senado quando nomeou Ciro Nogueira (PP-PI), que se licenciou da vaga de senador, para a Casa Civil. Mas o Palácio do Planalto ainda enfrenta dificuldade na articulação.
Apesar de a Câmara já ter aprovado, estão parados no Senado projetos como mudanças nas regras de licenciamento ambiental, normas mais duras para teto salarial no serviço público, além da criação da BR do Mar, iniciativa que busca reduzir a dependência do transporte rodoviário no país e ampliar a navegação entre portos nacionais (cabotagem).
Atritos de Bolsonaro
9 de julho
Bolsonaro faz ameaças contra o processo democrático e, sem apresentar provas, afirma que a fraude eleitoral está no TSE (Tribunal Superior Eleitoral). “Não tenho medo de eleições, entrego a faixa para quem ganhar, no voto auditável e confiável. Dessa forma [atual], corremos o risco de não termos eleição no ano que vem”.
9 de julho
Presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), e do TSE, Luís Roberto Barroso, reagem a ameaças. O senador afirma que não aceitará retrocessos à democracia, enquanto Barroso diz que tentativa de impedir a eleição configura crime de responsabilidade.
4 de agosto
Por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, o presidente é incluído como investigado no inquérito das fake news na corte.
5 de agosto
Bolsonaro insiste em ameaça golpista, chama Moraes de ditatorial e afirma que “a hora dele vai chegar”. “Não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas autoridades, mas acredito que o momento está chegando”, disse.
5 de agosto
Presidente do STF, ministro Luiz Fux afirma que Bolsonaro não cumpre a própria palavra e anuncia cancelamento de reunião entre os chefes dos três Poderes que havia convocado.
6 de agosto
Presidente xinga de “filho da puta” o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, e fala que corte quer volta da corrupção e da impunidade.
13 de agosto
Bolsonaro culpa governadores ao comentar alta da inflação. “Aquela política que os governadores adotaram, como esse ‘fique em casa que a economia a gente vê depois’, a conta está chegando”.
2 de setembro
Presidente responsabiliza governadores pela alta nos preços de combustíveis e afirma que vai acionar STF para forçar mudança na forma como o ICMS é cobrado.
3 de setembro
Bolsonaro faz ameaça golpista e incita apoiadores contra ministros do STF. “Não podemos admitir que uma ou duas pessoas que, usando da força do poder, queiram dar novo rumo ao nosso país. E o recado de vocês, povo brasileiro, nas ruas, na próxima terça-feira, dia 7, será um ultimato para essas duas pessoas”, disse.
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