Aspirina pode evitar aborto espontâneo, diz estudo

ROTERDÃ, HOLANDA (FOLHAPRESS) – Uma pesquisa publicada na semana passada concluiu que um tratamento realizado com versões de aspirina e heparina pode ser eficaz para evitar interrupções recorrentes de gestação possivelmente associadas a um anticorpo humano. Os resultados são preliminares, mas são um indicativo para a realização de novos estudos no futuro.

 

A ideia de analisar a relação do anticorpo anti-b2GPI/HLA-DR com interrupções involuntárias de gravidez partiu da síndrome antifosfolipídica, uma doença autoimune em que anticorpos atacam células do próprio organismo e leva a quadros de abortos recorrentes. Um dos anticorpos associados a essa síndrome é justamente o anti-b2GPI/HLA-DR.

Um estudo publicado em 2020 pelo mesmo grupo de pesquisadores do novo artigo concluiu que, de um universo de 227 mulheres com histórico de abortos recorrentes, cerca de 20% apresentavam o distúrbio associado ao anticorpo. Os cientistas então consideraram que a substância inicialmente responsável por proteger o organismo humano poderia ter alguma relação com as interrupções nas gestações.

Com essa primeira conclusão, os autores tentaram, na nova pesquisa, identificar se o tratamento com versões dos medicamentos aspirina ou heparina seria eficaz em casos de mulheres grávidas e com o anticorpo ativo em seus organismos.

Existem diferentes razões para a escolha dessas duas drogas no estudo, afirma Kenji Tanimura, do Departamento de Obstetrícia e Ginecologia, associado à Escola de Pós-Graduação em Medicina da Universidade de Kobeum, e um dos autores do artigo. O pesquisador explica que a heparina não-fracionada já era reconhecida como forma de tratamento contra complicações obstétricas em pacientes com a síndrome antifosfolipídica, por exemplo.

A ideia da nova pesquisa, no entanto, foi utilizar os remédios em casos relacionados somente com o anti-b2GPI/HLA-DR. No total, 462 mulheres com histórico de interrupções de gestações passaram por medições do anticorpo anti-b2GPI/HLA-DR. Dessas, 47 foram incluídas na análise final. Elas foram então divididas em dois grupos: aquelas que receberam tratamento com os remédios e outro, em menor número, sem acesso às drogas.

Essas mulheres foram acompanhadas pelos pesquisadores a fim de comparar o desfecho da gestação. No grupo que adotou os remédios, a taxa de nascimento foi de 87%, enquanto o percentual foi de 50% naquelas mulheres sem ingestão das drogas.

Complicações na gravidez também foram muito menores no grupo com medicamento: cerca de 6% apresentaram algum problema durante a gestação, contra 50% no grupo sem uso da aspirina ou heparina.

Por último, outra sub análise foi realizada no caso de mulheres sem nenhum fator de risco para interrupção da gravidez. Nesse caso, o número de nascimentos entre aquelas com uso dos medicamentos foi 14. Por outro lado, no grupo das mulheres que não utilizaram o tratamento, esse total foi de sete.

Resultados como esses são indicativos preliminares de que os medicamentos podem ter uma ação positiva para evitar interrupções de gestações na presença ativa do anticorpo analisado no estudo. No entanto, os dados ainda não são suficientes.

Além de contar com uma amostra pequena, a pesquisa é do tipo observacional. Nesse tipo de método, uma intervenção -no caso, os dois medicamentos- é aplicada e, ao fim, observa-se o desfecho. No entanto, não existe o isolamento da intervenção em comparação a outros fatores que podem explicar o que ocorreu no final do estudo, o que diminui a associação com o resultado. Em outras palavras, não é possível indicar fortemente a relação de causa e efeito entre os remédios e a conclusão.

Estudos clínicos randomizados, em que se conta com grupo placebo e a intervenção que se deseja estudar é mais isolada, provêm graus de evidência científica mais fortes. Segundo Tanimura, a adoção desse método já está no horizonte do grupo de pesquisa.

“No futuro, aumentar o número de casos e conduzir ensaios clínicos randomizados ajudará a estabelecer evidências da eficácia do tratamento”, afirma.