ALEXA SALOMÃO
RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O grupo Urca foi fundado no Rio de Janeiro, em 2018, já focado em energia renovável. De lá para cá, deixou de ser regional para se tornar nacional. O motor da rápida expansão foram aquisições e investimentos na geração de biometano por meio de sua subsidiária Gás Verde.
Foi uma aposta considerada ousada. Agora, o biometano é mais uma estrela na transição energética, mas até bem pouco tempo fazia o empresariado torcer o nariz -no sentido exato da expressão.
Produzido a partir da purificação do biogás extraído de lixo, de restos agropecuários e até de esgoto, o produto tem a mesma composição do gás natural fóssil, com a diferença de ser renovável.
“Quando fechei os primeiros contratos, tinha gente que nem acreditava que saía gás do lixo ou que dava para ganhar dinheiro com aquilo”, diz Marcel Jorand, CEO da Gás Verde e cofundador do grupo, com Maurício Carvalho e Pedro Assumpção.
A empresa é líder no mercado brasileiro de biometano. A unidade em Seropédica, que recebe lixo da cidade do Rio de Janeiro, é a maior produtora desse gás na América Latina.
Tem entre os seus clientes a rede de supermercado Dia, a fabricante global de vidros Saint-Gobain, o grupo L’Oréal de produtos de beleza e a fabricante de bebidas Ambev, que utiliza o produto na unidade de Cachoeira de Macacu (RJ), convertida na primeira cervejaria do Brasil movida 100% a biometano.
“Nós começamos atendendo as indústrias, que eram o mercado mais óbvio. Mas o transporte de caminhão agora entrou forte na jogada.”
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Folha – Em que momento perceberam que o biometano era um bom negócio?
Marcel Jorand – Eu trabalho com biometano desde 2012. Vinha atuando como executivo na área e decidi empreender em 2014. Quando fechei os primeiros contratos, tinha gente que nem acreditava que saía gás do lixo ou que dava para ganhar dinheiro com aquilo. Por isso, valia muito menos que o gás natural fóssil.
A especificação da ANP [agência reguladora de combustíveis] para o produto veio em 2016. Isso estabeleceu a equivalência do biometano como o gás natural -injetar no gasoduto e vender no posto de gasolina.
Foi aí que começaram a perceber que aquele produto podia substituir o gás natural, mas com a grande vantagem de ser renovável.
Hoje, as pessoas entendem que ele faz parte da economia circular e é sustentável. Passou a ser um produto que traz não apenas uma solução de energia limpa para as empresas na transição, mas que também valoriza quem cuida dos resíduos de forma adequada, pois eleva a receita de quem investe em aterros sanitários ou tratamento de restos em áreas rurais.
O biometano tem um valor agregado muito maior porque é um combustível. Você pode levar para uma indústria, um carro, um veículo pesado. É cotado em real e não sofre a variação de um barril de petróleo, com guerra e câmbio. Tem previsibilidade.
Folha – Qual é o preço do biometano? Tem um prêmio?
Marcel Jorand – Hoje custa de 25% a 30% mais que o gás natural, mas eu não chamaria essa diferença de prêmio. Vou tentar ser didático.
As grandes indústrias hoje têm meta no que se refere à pegada de carbono. Umas precisam zerar as emissões em 2030, outras em 2050. O fato é que precisam reduzir, e agressivamente.
Para chegar lá, no prazo em que se comprometeram, devem descarbonizar a produção. No orçamento delas, estão incluídos inúmeros custos adicionais, como compra de crédito de carbono, uso de carro elétrico, adoção de energia renovável.
Com o biometano, podem reduzir a pegada com o custo que já teriam [para a produção]. Então, eu não diria que é um bônus. É mais barato do que todas as soluções que elas haviam considerado. Isso aparece na conta.
O biometano é equivalente ao gás natural, que hoje é o melhor produto para queima em caldeiras e fornos, mas com o atributo ambiental -evita a pegada de carbono e ainda ajuda a bater meta de descarbonização.
Folha – É verdade que a demanda hoje por biometano é muito maior que a oferta?
Marcel Jorand – É isso mesmo. Nós começamos atendendo as indústrias, que era o mercado mais óbvio. Mas o transporte de caminhão agora entrou forte na jogada.
Governos federal e estaduais, montadoras, transportadores entenderam que ele é mais barato que o diesel, e sem aquela oscilação cambial, e que sua produção gera investimento, emprego e renda aqui no Brasil.
O mais importante nessa questão: as empresas precisam atender o escopo três [categoria de emissões para operações comerciais, prevista no protocolo que contabiliza gases de efeito estufa para promover a sua redução]. Basicamente, para simplificar o entendimento, o escopo três trata de quanto a empresa emite para fora de sua porta. O transporte é o grande vilão aí, porque todo o transporte pesado usa diesel no Brasil.
Quando você leva o biometano para o frete, passa a ter uma pegada de carbono negativa. Explico. Ao trocar diesel por biometano, há uma redução de 91% nas emissões.
No entanto, como isso também evita a produção de mais combustível fóssil, a pegada fica negativa, o que contribui com uma luta que é global. Afinal, todo mundo quer ter mais renovável para ter menos fóssil.
Um estudo da Abiogás, nossa associação, mostra que o Brasil tem potencial para produzir 120 milhões de metros cúbicos por dia de biometano, entre agro e aterros. A gente deve ter hoje pouco mais de 500 mil.
O descolamento vem porque a produção ainda é pequena em relação à demanda, que é crescente.
Folha – Faltam investimentos ou empreendedores?
Marcel Jorand – Não é isso. Tem um gap. Um projeto como o nosso de biometano em aterro demora de um ano e meio a dois anos para ser implementado. Entre fechar o acordo e entregar para o cliente são dois anos.
Nós estamos neste momento desenvolvendo dez plantas de biometano. Só daqui a um ano e meio vão operar. Vai ter uma escadinha. A cada ano sobe um degrau na oferta.
Folha – Essas dez unidades estão focadas em quê? Pergunto porque se fala muito no potencial do agro, mas a gente vê o avanço mais rápido de produção em aterro sanitário.
Marcel Jorand – Focamos em aterro porque é a fruta mais baixa no pé. Os aterros invariavelmente estão em grandes centros urbanos, ou seja, próximos ao mercado consumidor.
Folha – A empresa sente falta de uma rede de gasodutos?
Marcel Jorand – A gente não tem preconceito nem com gasoduto, GNL [Gás Natural Liquefeito] ou GNC [Gás Natural Comprimido]. Usamos todas as alternativas disponíveis.
Folha – Pergunto porque existe a discussão sobre a necessidade de implementação de uma rede de gasodutos, incluindo para atender pré-sal e gás verde.
Marcel Jorand – Obviamente, a rede de gasodutos do Brasil é muito pequena, ainda mais quando comparada a de outros países. Argentina é menor e tem uma rede maior. Nem tem como comparar com a dos Estados Unidos.
Certamente, um país com a vocação do Brasil para a produção de gás precisava de mais. A produção do pré-sal está concentrada na costa, e os gasodutos também. Não há como beneficiar quem está no centro do país.
O agro é nosso principal gerador de receita e de infraestrutura. Fala-se muito em rodovia, ferrovia, que seriam necessárias, sim, mas também precisamos pensar no acesso ao gás natural e ao biometano.
Hoje, para nós, o gasoduto não faz falta. Mas, para o Brasil, como estratégia de crescimento, o que nos afeta, é importante ampliar a rede de gasoduto, chegando ao Centro-Oeste, oeste de São Paulo, Triângulo Mineiro, Goiás, centros de produção de alimentos, produtos industriais, que demandam gás, e também áreas com grande potencial de biometano.
Considero estratégica essa descentralização de produção, que pode ser feita pelo agro, até porque o agro é um grande consumidor de diesel. Seria um grande impulso, para a descarbonização, a economia circular e o autoconsumo. Seria possível, por exemplo, criar corredores de postos de combustíveis de biometano no interior.
Folha – Tramita no Congresso o PL dos combustíveis do futuro, e o biometano é um deles. O sr. tem algum receio em relação à proposta em discussão? Alguns temem uma ação da indústria petrolífera para que o PL, no fim, não contribua para o avanço do biometano.
Marcel Jorand – Energia solar é o que é hoje porque foram feitos leilões públicos para viabilizar a expansão da tecnologia. Eólica idem. No caso do biodiesel há obrigação de mistura.
Não faz sentido o debate para rebater um combustível 100% renovável, atrelado à inflação em real, que é intercambiável com o gás natural, compete de igual para igual com o diesel, pode ser produzido de forma descentralizada, gerando emprego, impostos, e ainda substituir combustível importado. Não posso levar a sério quem achar que o biometano não faz sentido.
O gás natural já é combustível de transição energética. O PL trata de várias soluções que podem incentivar o Brasil na produção de combustíveis renováveis. Pode contribuir na implementação, ainda que gradual, do biometano como produto para a descarbonização.
Se você pegar um caminhão a diesel e converter para gás natural, reduz as emissões. Se injetar um pouco de biometano, reduz mais ainda. É um baita ganho para todo mundo.Raio-X
Marcel Jorand, 41
Graduado em marketing pela Faculdade Estácio. Atua há mais de 20 anos no mercado de gás, tendo passado por empresas como White Martins e Ecometano. É sócio-fundador do Grupo Urca Energia, onde também atua como CEO da Gás Verde, braço responsável pelas operações de biometano
O Grupo Urca Energia
Fundado em 2018 para atuar no mercado de energia renovável, tem quatro unidades de negócio. Urca Trading negocia créditos de carbono e energia no mercado livre de energia. Urca Gás é distribuidora de gás natural e biometano, com frota de caminhões de GNC. Eva produz energia elétrica a partir do biogás. Gás Verde está focada na geração de biometano
A Gás Verde é a maior produtora de biometano da América Latina. Atua em seis estados, com 12 unidades, processa mais de 1 milhão de m3 de biogás por dia, gerando energia elétrica e produzindo 170 m3 de biometano por dia a partir de resíduos de aterros sanitários. A produção de biometano da empresa deve ultrapassar os 500 mil m3 por dia até 2026. Tem 190 funcionários. Entre seus concorrentes está a Orizon
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