LISBOA, PORTUGAL (FOLHAPRESS) – Embalado pelo bom resultado nas eleições presidenciais, de onde saiu com o terceiro lugar e a preferência de 11,9% dos eleitores, o partido populista Chega tenta usar as eleições municipais -previstas para setembro- para forçar sua entrada no processo de decisões de governo em Portugal.
A ideia é conquistar o máximo de representações em Câmaras Municipais (equivalentes das prefeituras) para conseguir romper o “cordão sanitário” -como os portugueses têm chamado a aliança contra a ultradireita que vem sendo costurada pelos partidos tradicionais da centro-direita portuguesa, o PSD e o CDS-PP.
Amparando propostas como a castração química de pedófilos e a pena de morte, além de defender que não existe racismo em Portugal, o Chega conquistou não apenas o voto antissistema, mas também eleitores descontentes com o restante da direita no país.
Uma boa parte da campanha presidencial do líder do partido, André Ventura, 38, foi feita a partir do antagonismo com outros candidatos, sobretudo com a socialista Ana Gomes.
Vice-colocada nas eleições, Gomes havia prometido pedir a extinção do Chega caso fosse eleita. Embora não tenha conquistado a vaga em Belém, resolveu ir em frente com a ideia e acaba de apresentar um pedido à Procuradoria-Geral da República para ilegalizar a legenda.
Entre os 40 pontos apresentados para embasar o pedido, a jurista cita exemplos de incitação à violência e levanta possíveis irregularidades de financiamento. Constitucionalistas, no entanto, consideram difícil que a proposta de irregularizar o Chega vá para a frente.
Na avaliação do cientista político António Costa Pinto, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, o crescimento do Chega mostra uma reconfiguração da direita em Portugal, onde pesquisas eleitorais já mostravam que cerca de 20% dos eleitores eram sensíveis ao tipo de discurso punitivista propagado pelo partido.
A diferença é que, até agora, esses eleitores eram absorvidos pelos partidos democráticos tradicionais.
Segundo Costa Pinto, Portugal passa a enfrentar um dilema que já era presente para partidos da direita tradicional em outros países europeus, com a sombra de um partido populista em crescimento.
“Se o Chega conseguir manter estes 10% [dos votos] em eleições legislativas, vai crescer e ser um elemento fundamental para a governar à direita neste país”, afirma.
O Chega conseguiu votações expressivas em vários distritos, inclusive em tradicionais redutos comunistas, como o Alentejo. Muitos votos também foram conquistados em bairros nobres de Lisboa, Cascais e no Algarve, mostrando a penetração do partido neste segmento mais rico.
“Se Portugal tivesse voto obrigatório como no Brasil, o Chega tinha 30% nestas eleições ou mais, com certeza”, completa o cientista político, destacando a alta abstenção crônica em seu país.
Oficializado em abril de 2019, em menos de dois anos o Chega já elegeu um deputado e arrebatou quase 500 mil votos no último pleito. O partido, no entanto, ainda é praticamente sinônimo de um homem só: seu líder, o deputado André Ventura.
Professor de direito, Ventura dava expediente na televisão como comentarista do maior time de futebol do país, o Benfica. Na esfera política, ganhou fama nacional em 2017, quando concorria à Câmara Municipal de Loures, na grande Lisboa, e gerou polêmica afirmando que muitos ciganos “vivem quase exclusivamente de subsídios do Estado”.
Não se elegeu prefeito, mas garantiu o cargo de vereador e passou a planejar voos mais altos, como a criação de sua própria legenda.
A concretização do Chega atraiu para a militância mais do que críticos à comunidade cigana. Indivíduos ligados a movimentos neonazistas se filiaram ao partido e, durante um comício há um ano, um homem foi flagrado reproduzindo a saudação a Hitler.
Embora Ventura tenha expulsado muitos desses elementos e prometido uma política de tolerância-zero, grupos neonazistas ainda costumam mostrar apoio ao partido em eventos e, principalmente, nas redes sociais.
Com o aumento das tensões raciais em 2020, que envolveram ataques à sede de uma ong antirracista e ameaças para que deputadas negras abandonassem o país, Ventura e seu partido estiveram novamente no centro do debate ao negar a existência de racismo em Portugal.
No verão, o partido promoveu duas manifestações para negar a existência de racismo no país.
Segundo a Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial, as queixas da por discriminação racial e xenofobia mais do que duplicado entre 2017 e 2019 em Portugal.
Em entrevista à revista Sábado no dia seguinte às eleições presidenciais, Ventura afirmou que, a partir daquele momento, já estava completamente voltado às eleições municipais.
“A partir de hoje, o meu trabalho é todo autárquico. Estou convencido de que o verdadeiro salto do partido é as autárquicas. É quando mostraremos que temos dirigentes locais, pessoas que resolvem localmente os problemas, e é a implantação do esqueleto do partido”, afirmou.
Apesar do otimismo de Ventura, o desafio é grande. Recém-formado, o Chega ainda não tem uma máquina partidária regional para combater nos 308 municípios portugueses.
Também estarão em jogo nessas eleições a composição das respectivas Assembleias Municipais e das 3.092 juntas de freguesias (divisões administrativas dentro dos municípios que têm poderes alargados) portuguesas.
A capilaridade requerida pelas eleições autárquicas portuguesas é difícil até para partidos de médio porte já estabelecidos. O Bloco de Esquerda, formado há mais de 20 anos e com terceira maior bancada no Parlamento, não conquistou a presidência de nenhuma Câmara Municipal nas eleições de 2017.
Para tentar conseguir o maior alcance regional possível, o partido tem apostado em viagens de André Ventura pelo país, além da mobilização de lideranças locais dissidentes dos partidos tradicionais.
Segundo o cientista político António Costa Pinto, essas dificuldades tornam improvável que o Chega consiga reproduzir o bom resultado das presidenciais nas próximas eleições municipais.
O professor destaca que o amplo favoritismo de Marcelo Rebelo de Sousa para a reeleição fez com que muitos eleitores “se sentissem mais livres” para votar por afinidade ou como protesto, o que beneficiou André Ventura na disputa à Presidência.
“Mas as próximas são eleições em que o voto útil vai funcionar mais. Portanto, é muito provável que Ventura não consiga os 10% nas eleições autárquicas”, completou.
Apesar da estratégia de isolamento articulada na última semana, o segundo maior partido no Parlamento, o PSD (Partido Social-Democrata), não deixou passar a primeira oportunidade que teve de negociar com o Chega, no fim do ano passado.
Foi apenas com o apoio dos deputados eleitos pelo Chega que os sociais-democratas puderam interromper, no fim de 2020, os 30 anos de administração do Partido Socialista na Região Autônoma dos Açores.
Classificando como “bullying político” o cordão sanitário proposto pela direita tradicional, André Ventura chegou a ameaçar romper o arranjo estabelecido no arquipélago, o que, por enquanto, ainda não aconteceu.
Procurado, o Chega não respondeu aos contatos da reportagem.
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