Em meio à alta de casos de covid-19 no País e ao avanço de novas variantes do coronavírus no mundo, incluindo uma cepa com origem no Amazonas, o Brasil reduziu o número de exames de sequenciamento genético do vírus, procedimento que tem como objetivo justamente verificar as linhagens circulantes em cada região e identificar o surgimento de novas variantes.
Entre março e maio de 2020, início da pandemia, foram realizados 1.823 sequenciamentos no País. Já entre novembro e janeiro, foram 585 genomas sequenciados, conforme dados da Rede Genômica da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) a partir das amostras depositadas no site Gisaid, banco online de sequenciamentos com dados do mundo inteiro.
O depósito das análises no sistema Gisaid pode demorar algumas semanas e esse atraso pode ter algum impacto na redução, mas, segundo pesquisadores, apenas isso não explicaria a queda expressiva de 68% no número de genomas sequenciados entre os dois períodos. De acordo com cientistas, o número mais alto de análises feitas no início da pandemia tem relação com esforços de grupos de pesquisa que, em muitos casos, remanejaram recursos já existentes para outros estudos na investigação do coronavírus.
Somam-se a isso desafios como o baixo número de laboratórios especializados, recursos limitados e dificuldade na compra de insumos. Só um grupo de pesquisadores do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (IMT-USP) sequenciou quase metade dos genomas de amostras coletadas em abril. O trabalho pôde ser feito porque os cientistas já tinham garantidos recursos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) originalmente direcionados para o estudo de arbovírus. “Foram 427 sequências realizadas em abril. Depois, começamos a tentar entender transmissão intrahospitalar e fizemos muitos sequenciamentos do primeiro semestre”, diz Ester Sabino, professora do IMT.
O grupo ainda trabalha no sequenciamento de genomas do SARS-CoV-2, mas reduziu o ritmo no segundo semestre por dificuldades na obtenção de insumos. “Focamos em sequenciar amostras de projetos específicos coletadas no primeiro semestre. De outubro a inicio de dezembro, ficamos sem reagentes por alguns problemas de importação”, diz Ester.
A cientista diz que seu grupo passou a integrar a rede Coronaômica, instalada em outubro pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCTI) para ampliar a vigilância genômica no País. A rede repassará reagentes para o grupo da USP processar 200 amostras, mas os recursos ainda não foram enviados.
O coordenador da rede, Fernando Spilki, explica que os trâmites burocráticos para compras de insumos por parte de órgãos do governo atrasam o processo, mas ressalta que os insumos já estão sendo distribuídos. “Há uma série de cuidados com o uso da verba pública, mas os investimentos estão chegando. Claro que devemos ampliar os sequenciamentos e, para isso, precisamos de ainda mais recursos, mas estamos conseguindo, mesmo com as limitações, identificar as novas variantes”, diz ele, que também é professor da Universidade Feevale.
A comunidade científica também reclama dos vetos do presidente Jair Bolsonaro à lei que previa a liberação de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) que estavam contingenciados. A liberação da verba, prevista em R$ 4,3 bilhões, poderia acelerar a compra de insumos.Além da rede do MCTI, há laboratórios de referência definidos pelo Ministério da Saúde que recebem rotineiramente amostras de todos os Estados.
A média de exames enviados por Estado é de 12 por mês. Em janeiro, a pasta montou uma rede de quatro laboratórios para ampliar o número de genomas sequenciados diante do surgimento de novas cepas, mas os números ainda estão são baixos. O projeto prevê sequenciar 1.200 amostras em 16 semanas.
Questionado, o MCTI disse que a rede Coronaômica tem feito “uma excelente cobertura do território nacional”, com porcentagem similar a de países como os Estados Unidos. O País depositou cerca de 2,6 mil genomas no Gisaid, o equivalente a 0,02% dos casos registrados. O Reino Unido já sequenciou 215 mil genomas, o equivalente a 5,3% das suas infecções.
Já a África do Sul fez 3,3 mil sequenciamentos (0,22% do total). Já o Ministério da Saúde destacou a instalação da rede de quatro laboratórios para o sequenciamento de 1,2 mil genomas, mas não comentou a queda no número de análises atuais em relação ao início da pandemia. “Nos meses de outubro a inicio de dezembro, ficamos sem reagentes por alguns problemas de importação.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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