SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Mesmo com diversos anúncios de doações ao Fundo Amazônia desde a vitória de Lula (PT) nas eleições presidenciais do ano passado, o dinheiro ainda não chegou. Somados, Alemanha, Estados Unidos, Reino Unido, UE (União Europeia) e Suíça comunicaram que repassariam R$ 3,2 bilhões, mas nenhuma parcela foi entregue até agora para o fundo destinado à conservação da floresta.
A promessa mais antiga é a dos alemães, que anunciaram em novembro de 2022, logo depois das eleições, o desbloqueio de € 35 milhões (R$ 187 milhões) para o fundo. O país doa para o mecanismo desde 2010.
O novo repasse, no entanto, ainda não chegou. Segundo o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que faz a gestão do fundo, de todos os apoios anunciados recentemente, este é o que está com a burocracia mais avançada.
“Da Alemanha, nós já fizemos até a assinatura do contrato. Estamos terminando de fechar os últimos trâmites de troca de documentos para eles fazerem o depósito”, afirma Nabil Kadri, superintendente da área de meio ambiente do BNDES. Ele ressalta que os pagamentos sempre acontecem de forma parcelada, por isso a demora não preocupa o órgão.
Ao final de abril deste ano, foi a vez de o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciar que o país pretende injetar US$ 500 milhões (R$ 2,4 bilhões) no Fundo Amazônia nos próximos cinco anos. A liberação da verba, porém, depende do Congresso americano, para onde a proposta ainda não foi encaminhada.
Biden tem maioria no Senado, mas minoria na Câmara, que é controlada pelos republicanos. Os deputados de oposição são especialmente críticos ao que chamam de gastos desenfreados do governo e resistem a empregar dinheiro em outros países, sobretudo na mitigação e adaptação às mudanças climáticas.
Após a sinalização positiva do governo americano, outros novos doadores se comprometeram com o fundo.
Em maio, o premiê do Reino Unido, Rishi Sunak, prometeu repassar £ 80 milhões (R$ 491 milhões) ao longo de três anos. Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, anunciou em junho, após reunião com Lula, que a UE entraria com € 20 milhões (R$ 107 milhões).
E, no último dia 7 de julho, a Suíça informou que doaria 5 milhões de francos suíços (R$ 30 milhões). O conselheiro federal da Confederação Suíça, Guy Parmelin, afirmou que a verba seria transferida “nas próximas semanas”.
“É convencional acontecer isso: fazer o anúncio público em algum momento importante de encontro entre chefes de Estado, e, na sequência, [ocorrem] negociações de contrato e a internalização dos recursos vai acontecendo ao longo dos anos”, diz Kadri.
Procurada pela reportagem, a representação do governo americano no Brasil, através de sua assessoria de imprensa, informou que apoiar os esforços brasileiros no combate à crise climática é uma das prioridades dos EUA.
“O governo Biden está trabalhando com legisladores dos Estados Unidos para garantir o financiamento para o Fundo Amazônia ao longo de cinco anos. Continuaremos a reunir o setor privado, outras nações, organizações internacionais e filantrópicas e outras partes interessadas para apoiar os esforços climáticos brasileiros.”
A embaixada do Reino Unido afirmou que o governo britânico está “comprometido em apoiar a visão e ambição do Brasil nos temas de florestas e mudança do clima” e que o país já atribuiu mais de £ 300 milhões em programas de cooperação nessas agendas com o Brasil.
“Os recursos anunciados pelo primeiro-ministro Rishi Sunak ao Fundo Amazônia estão comprometidos e serão liberados ao longo de três anos, após a assinatura de um contrato com o BNDES”, diz a nota, acrescentando que expectativa é que a assinatura do contrato aconteça neste ano.
As representações da Alemanha, União Europeia e Suíça não responderam até a publicação desta reportagem.
Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, voltado à regulação e a riscos climáticos, afirma que não se preocupa com uma possível quebra das promessas porque todos os anúncios foram feitos publicamente, por pessoas do alto escalão governamental. Ela aponta que os novos doadores são particularmente importantes.
“Se o Reino Unido dá £ 80 milhões agora e vê que isso dá certo, pode querer doar mais. É uma ação climática efetiva”, afirma, acrescentando que esta é uma medida que conta para os compromissos assumidos por essas nações junto à ONU (Organização das Nações Unidas).
O mecanismo funciona com pagamentos baseados em resultados de conservação: as doações acontecem quando há queda nas taxas de desmatamento da Amazônia. De acordo com o BNDES, considerando a redução de emissões de carbono de 2006 a 2017, o limite de captação disponível em novas doações para o Fundo Amazônia é de aproximadamente US$ 20,5 bilhões (R$ 96 bilhões).
Para Márcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, os países doadores se interessam em fazer parte da “história de sucesso” do Fundo Amazônia, algo que, em termos de financiamento ao combate às mudanças climáticas, é relativamente barato.
“Existe um fundo de clima que está sendo prometido pelos países ricos, de US$ 100 bilhões anuais, para investimentos em adaptação às mudanças climáticas em países como o nosso, mas essa grana não aparece”, lembra, citando o compromisso assumido desde 2009 e nunca honrado.
O especialista aponta ainda que os montantes anunciados para o Fundo Amazônia são importantes, mas dependem do fim em que serão empregados.
“A verba da União Europeia, por exemplo: se você colocar esse dinheiro na fiscalização ambiental é uma grana que ajuda bastante. Mas quando compara com quanto você precisa para desenvolver uma nova economia na Amazônia, é irrisório.”
Até hoje, o Fundo Amazônia, criado em 2008, arrecadou R$ 3,4 bilhões, vindos de três doadores: Noruega (R$ 3,2 bi), Alemanha (R$ 197 mi) e Petrobras (R$ 17 mi). Deste total, R$ 1,7 bilhões estão comprometidos com 102 projetos já aprovados.
Como o dinheiro rende enquanto não é desembolsado, hoje o fundo tem R$ 3,9 bilhões em caixa, de acordo com o BNDES. Com as novas doações, esse montante deve quase dobrar.
Para Unterstell, o órgão gestor precisa mostrar que consegue gastar essa verba de forma efetiva. “O BNDES tem o desafio de ter um dos maiores fundos do mundo em termos de dinheiro e ter que provar que consegue fazer um desembolso estratégico de projetos”, avalia.
Para ela, a aplicação deve ser diversificada, envolvendo iniciativas da sociedade civil, governos estaduais e da União.
Novos aportes foram congelados durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), após um decreto presidencial que extinguiu conselhos participativos -entre eles, estavam dois comitês que acompanhavam as ações do Fundo Amazônia. Com isso, só projetos aprovados previamente receberam investimentos.
Além disso, em 2019, o PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal), que era a política que referenciava as ações do fundo, foi descontinuado pelo ex-presidente.
Somados aos sucessivos recordes de desmate nos últimos quatro anos e ao discurso antiambientalista de Bolsonaro, esses fatores espantaram novos parceiros.
Lula, por outro lado, fez uma campanha fortemente baseada em temas como zerar o desmatamento ilegal e combater a crise climática, o que atraiu países que buscam firmar compromissos nessas áreas.
Entre os primeiros atos assinados pelo presidente após a posse, ainda em janeiro, estiveram a reativação dos dois conselhos de governança do Fundo Amazônia e a reinstituição do PPCDAm.