JULIANA MATIAS, MARIANA BRASIL E ANA POMPEU
SÃO PAULO, SP E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) manteve nesta sexta-feira (19) a proibição da comercialização de DEFs (Dispositivos Eletrônicos para Fumar), conhecidos como vapes ou cigarros eletrônicos. Os votos também vedam a propaganda, fabricação, importação, distribuição, armazenamento e transporte dos dispositivos eletrônicos para fumar.
Os cinco diretores da agência foram unânimes na decisão. Eles mencionaram receios de renormalização do ato de fumar e aumento do tabagismo no Brasil diante do efeito de porta de entrada ou recaída de ex-fumantes com a popularização dos cigarros eletrônicos.
O diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres, ao final da sessão, afirmou que o tema exigiu aprofundamento, como “qualquer outro que lida com estímulos mobilizantes do ser humano, apegos, às vezes emoções”. A sessão durou quase 9 horas.
“Mas há de haver grupos como este que primem pelo racional e científico”, disse. Segundo ele, a agência não vai deixar de acompanhar as evoluções do tema e poderá voltar a ele se necessário e revisar os próprios atos.
Na reunião, depoimentos de representantes de entidades de saúde nacionais e internacionais foram ouvidos, assim como relatos pessoais de usuários dos DEFs, que levantaram argumentos a favor e contra a proibição.
Os vídeos com relatos fazem parte da consulta pública realizada pela agência, com fins de aprimoramento do texto proposto. Em dezembro de 2023, a Anvisa abriu consulta pública sobre uma minuta de resolução que mantém o veto aos produtos.
A consulta pública aberta pela Anvisa teve 13.930 manifestações. Foram favoráveis a manter esses dispositivos proibidos no país 37% dos participantes, enquanto 59% disseram ter opinião diferente -contrária ou com outras ponderações.
Entre os profissionais de saúde, 61% fizeram avaliação positiva da proibição, enquanto 32% disseram que os efeitos foram negativos. Considerando as participações do setor regulado -incluindo a indústria do fumo e variados comércios-, 41% foram a favor da manutenção da norma, enquanto 44% discordaram ou fizeram ressalvas. A Anvisa reabriu em 2019 a discussão sobre os cigarros eletrônicos, dez anos após a proibição do produto, em 2009.
Barra Torres, que é o relator do processo (25351.911221/2019-74), entendeu que a consulta pública sobre os cigarros eletrônicos, aberta em dezembro de 2023, “não trouxe fato ou argumento científico que alterasse o peso das evidências já ratificadas por esse colegiado anteriormente”. Ele elencou estudos de associações da saúde, bem como os resultados da consulta pública para sustentar seu voto a favor da proibição dos cigarros eletrônicos.
Entre os estudos, Barra Torres citou trecho de uma carta da organização não governamental ACT (Aliança de Controle do Tabagismo), que entende “que permitir a comercialização de DEFs não é o caminho para o combate ao mercado ilegal. Há contrabando de cigarros, mesmo com a permissão de comercialização”.
Em relação à carga tributária que a regulamentação dos cigarros eletrônicos poderia trazer ao país, o relator destaca outro trecho da ACT que diz que “a partir da experiência do país com a carga do tabagismo para a saúde e a economia, apesar da possível geração de receita que a liberação dos DEFs possa trazer, não será capaz de compensar os consideráveis custos que o aumento do tabagismo trará para o sistema único de saúde”.
O relator também citou o artigo “Cigarro eletrônico é ameaça à saúde pública”, publicado na Folha e escrito por ex-ministros da Saúde no Brasil, que é contrário à comercialização dos vapes. “Como ex-ministros da Saúde, temos o dever de reiterar nosso posicionamento contrário à comercialização dos dispositivos eletrônicos para fumar (DEFs)”, diz o texto.
Em seu voto, o relator citou a orientação da OMS (Organização Mundial da Saúde), publicada em 14 de dezembro do ano passado, que mostra que “o uso de cigarro eletrônico é maior entre crianças de 13 a 15 anos do que entre adultos em todas as regiões da OMS”.
Ainda votaram os diretores Danitza Passamai Rojas Buvinich, Meiruza Sousa Freitas, Romison Rodrigues Mota e Daniel Meirelles Fernandes Pereira.
Ao votar, Danitza Passamai Rojas Buvinich sugeriu acrescentar condicionantes à importação dos produtos às pesquisas. O presidente aderiu à proposta e a incluiu no voto dele.
De acordo com a diretora, essa possibilidade fica submetida a dois critérios: que a investigação científica seja feita por instituições científicas tecnológicas e de inovação credenciadas pelo CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e pelas modalidades do Siscomex (Sistema Integrado de Comércio Exterior).
Já Daniel Meirelles Fernandes Pereira ressaltou o reconhecimento internacional da Anvisa por sua qualidade regulatória. A agência é reconhecida desde 2010 pela OPAS (Organização) como autoridade reguladora nacional de referência.
Além disso, ele afirmou que, desde 2017, a agência delibera o assunto, com diversos momentos de participação social e incontáveis reuniões e audiências com diferentes agentes afetados. Assim, as agências de debate estão, para ele, maduras para a definição.
“Pelas políticas públicas vigentes no país, neste momento, não há outra possibilidade que não a manutenção da proibição dos dispositivos”, disse. “Seria irresponsável a permissão de uso desses produtos em posição frontalmente contrárias às políticas citadas”, acrescentou.
O voto de Romison Rodrigues Mota destacou que a indústria tenta vencer os limites estabelecidos aos produtos de tabaco. Segundo ele, as empresas usam uma estratégia de marketing que aborda tanto o dispositivo como o tabaco, lançando designs e funções para associar o produto a algo inovador e explorar a paixão por tecnologia, especialmente dos jovens.
“A estratégia de marketing tem o propósito de superar os limites regulatórios existentes sobre publicidade, a promoção e o patrocínio de tabaco, alegando que os dispositivos não são produtos de tabaco e portanto os limites não se aplicariam a eles”, disse.
Ele passou a citar as evidências de riscos e danos do produto. De acordo com ele, os dados indicam que não há melhora em diversos indicadores cardiológicos e pulmonares em relação ao cigarro convencional.
Por fim, no último voto dado, Meiruza Sousa Freitas mencionou legislações internacionais sobre a matéria. Ela destacou, por exemplo, vários posicionamentos da FDA (Food and Drug Administration), agência responsável por regulamentar drogas e alimentos nos EUA, da Austrália, de países da União Europeia e do grupo de forma comum, a respeito dos riscos do produto.
Na sequência, ela defendeu uma atuação no sentido de proteção da população contra a nicotina e os efeitos desconhecidos dos cigarros eletrônicos para a saúde em longo prazo.
“Precisamos comunicar claramente que os cigarros eletrônicos, especialmente os descartáveis, contém nicotina muitas vezes em alta concentração, uma substância altamente viciante. Os cérebros de jovens e adolescentes são particularmente vulneráveis ao vício, e a nicotina tem um efeito prejudicial ao cérebro, com perda de função cognitiva, atenção e memória”, afirmou.
Evidências científicas comprovam que os DEFs, assim como os cigarros convencionais, causam danos cardíacos, respiratórios e neurológicos no usuário, além de dependência devido à presença elevada de nicotina.
Um estudo realizado na China e publicado recentemente pela revista Scientific Reports concluiu que fumantes de cigarros convencionais e eletrônicos estão sujeitos ao mesmo risco para desenvolvimento de doença pulmonar obstrutiva crônica. O risco cresce ainda mais entre aqueles que fazem uso dual, ou seja, fumam tanto o cigarro convencional quanto o eletrônico.
A decisão da Anvisa foi tomada enquanto o Senado e o STF (Supremo Tribunal Federal) divergem acerca da criminalização do porte e posse de drogas.
Na terça-feira (16) o Senado aprovou a PEC das Drogas, que coloca na Constituição a criminalização de porte e posse. A aprovação veio em resposta ao julgamento do STF que pode descriminalizar a maconha para uso pessoal.
Se aprovada na Câmara dos Deputados, a PEC será promulgada pelo Congresso, pois emendas constitucionais não precisam de sanção do presidente.
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