BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – As ameaças do presidente Jair Bolsonaro ao STF (Supremo Tribunal Federal) travaram o acordo que vinha sendo costurado com o Judiciário para o governo deixar de pagar a totalidade dos precatórios em 2022.
O tema dos precatórios (dívidas a serem pagas pelo Estado após decisões judiciais) é acompanhado de perto pelo mercado -que teme o resultado das discussões e as consequências para as contas públicas. O impasse é um dos motivos mais citados entre analistas para a queda de 3,78% da Bolsa nesta quarta-feira (8).
A avaliação de diferentes envolvidos nas negociações ouvidos pela reportagem aponta que, mesmo com a disposição dos atores para dialogar, não há clima para discutir a proposta -a principal prioridade do ministro Paulo Guedes (Economia) neste momento, ao lado do Auxílio Brasil (o novo Bolsa Família).
Um dos principais articuladores chega a dizer que é inviável continuar com as conversas no Judiciário em meio ao conflito gerado por Bolsonaro. Os precatórios são considerados um detalhe diante da crise institucional vivida entre os Poderes, comparada a um incêndio em uma usina nuclear.
No STF (Supremo Tribunal Federal), os debates com o presidente Luiz Fux não devem ficar totalmente comprometidos porque o ministro busca manter interlocução com os atores do governo -sobretudo com Guedes- mesmo nos momentos mais tensos.
Apesar disso, é ressaltado por interlocutores do STF que a solução para os precatórios terá que passar pelo Congresso Nacional e que o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) apenas regulamentaria o que for decidido pelos parlamentares.
A solução que estava sendo discutida entre Guedes, Legislativo, Judiciário e TCU (Tribunal de Contas da União) criaria um limite anual para os precatórios por meio de uma resolução do CNJ. Para 2022, por exemplo, o limite seria de R$ 39,9 bilhões -de um total de R$ 89,1 bilhões previstos para o ano.
Agora, o governo passa a depender mais de deputados e senadores para deixar de pagar a maior parte dos precatórios em 2022 e abrir espaço no Orçamento para expandir o Bolsa Família e outras despesas em ano eleitoral.
A solução via Congresso está neste momento na Câmara, onde tramita a PEC (proposta de emenda à Constituição) enviada pelo governo no mês passado para parcelar grandes precatórios em até dez anos.
As discussões começaram depois que a fatura para 2022 chegou a R$ 89,1 bilhões, um crescimento de 61% em relação a 2021. A conta dificulta os planos do governo para diferentes medidas em ano eleitoral, como o Auxílio Brasil, principalmente por causa do teto de gastos -que impede o crescimento real das despesas federais.
Apesar da crise institucional, governo e aliados veem pautas de interesse avançando na Câmara. O líder do governo na Casa, deputado Ricardo Barros (PP-PR), diz que as propostas continuarão avançando. “Vamos votar tudo”, afirma.
Deputados de diferentes partidos de oposição, no entanto, discordam e dizem que a agenda de Guedes caiu por terra -inclusive um acordo pelos precatórios- em meio a um crescimento das discussões sobre impeachment. “Ele não se portou como um presidente da República. Ele agrediu o Congresso ao falar sobre o voto impresso, pois nós votamos [contra a proposta]”, afirma o líder do PT, deputado Bohn Gass (RS).
No Senado, o cenário é incerto após o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) cancelar todas as sessões desta semana. Mesmo antes do 7 de Setembro, a Casa já havia imposto ao governo uma derrota na votação de uma minirreforma trabalhista.
Além disso, Pacheco já vinha sinalizando resistência ao projeto do Imposto de Renda (o senador tem defendido a aprovação de outra proposta tributária, uma PEC de autoria do Senado).
No dia seguinte às falas de Bolsonaro, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), manteve uma reunião com Pacheco.
O líder estaria buscando uma blindagem da pauta do governo, em particular a econômica. Argumentou que seria fundamental o avanço do projeto de lei que estimula a navegação de cabotagem -criando a chamada BR do Mar- além da proposta que altera as regras do Imposto de Renda.
A resistência à proposta que altera o Imposto de Renda não é apenas de Pacheco. “Acho que não será fácil aprová-la no Senado. Queremos uma reforma, e não um remendo mal feito”, disse o líder do PSDB, Izalci Lucas (PSDB-DF).
A aposta das lideranças do governo, tanto no Senado como no Congresso, é que será preciso esperar “abaixar a poeira” dos eventos desta semana, para na próxima iniciar a discussão de uma agenda econômica até o final do ano.
Mesmo entre lideranças que não compõem a base do governo no Senado, há comentários de que o Auxílio Brasil é uma agenda importante e, por isso, a proposta dos precatórios tem chance de avanço. O próprio Pacheco já discutiu o tema com Lira e Guedes.
Além dos precatórios e das mudanças no Imposto de Renda, o Senado tem na gaveta outras matérias de interesse do governo Bolsonaro -como a proposta de privatização dos Correios.
Outro ponto que deve sofrer um revés no Senado é a criação de um marco das ferrovias. O tema já foi motivo de discórdia, quando o governo encaminhou uma MP (Medida Provisória) para tratar do tema, mesmo havendo um projeto em tramitação no Senado.
A Comissão de Assuntos Econômicos da Casa chegou a aprovar requerimento para que Pacheco devolvesse a MP. No mesmo dia, 31 de agosto, líderes se reuniram e buscaram um acordo em conversa com o ministro Tarcísio de Freitas (Infraestrutura).
Ficou inicialmente acertado que na próxima semana a proposta do Senado, relatada por Jean Paul Prates (PT-RN), entraria na pauta do plenário, em um grande acordo para contemplar as necessidades do governo presentes na MP e também o projeto já em tramitação.
Com as falas de Bolsonaro, líderes avaliam agora que um acordo será difícil e que o Senado deve encaminhar com sua própria pauta, independentemente do governo.
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