SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com os termômetros ultrapassando 37ºC na Grande São Paulo, alunos que estudam nas “escolas de lata” sofrem ainda mais com o calor e não conseguem nem mesmo terminar as aulas devido às altas temperaturas.
No fim da manhã desta terça-feira (14), Fabiana Cristina de Matos, 37, recebeu uma ligação da escola municipal Rubem Alves, em Guarulhos, pedindo para que fosse buscar o filho de 6 anos que estava passando mal com o calor.
“Vim correndo buscá-lo porque fiquei assustada, ele nunca passou mal de calor. Eles me disseram que ele estava com dor de cabeça, sentindo tontura. É de se esperar porque as salas são muito mal ventiladas e, como a escola é de lata, o calor fica ainda mais forte”, contou Fabiana.
O menino Heitor Lucas contou que a sala de aula, na qual estuda com outros 25 colegas, tem dois ventiladores, mas ainda assim não é o suficiente para refrescar o ambiente. A escola também só conta com um bebedouro acessível para os alunos no pátio, com água apenas em temperatura ambiente -o que em dias de alta temperatura, significa água quente.
“Eu fico preocupada, porque ele tem asma. Sei que o calor está forte para todo mundo, mas imagine dentro de uma escola de lata, sem estrutura nenhuma para amenizar a temperatura?”, questionou a mãe.
Shirley dos Santos também recebeu uma ligação da escola para que fosse buscar o filho João Pedro, de 10 anos, que estava passando mal. “Ele sempre fala que a escola é muito quente, que nem sempre os ventiladores funcionam. Infelizmente, nada é feito e dá nisso, as crianças começam a passar mal.”
A poucos metros dali, funciona a escola estadual Jardim Maria Dirce 3, também “de lata”, como são chamadas as escolas construídas no padrão nakamura, em que as paredes e as telhas são sustentadas por chapas de aço galvanizado, que retém o calor. Na manhã desta terça, a reportagem encontrou um pai que foi buscar a filha mais cedo por estar passando mal.
“O calor dentro dessas escolas é insuportável, porque as telhas esquentam ainda mais as salas de aula. Algumas até têm ventilador, mas eles não dão conta de refrescar nada, só jogam vento quente nos alunos”, conta a dona de casa Romênica Araújo, 40, que é ex-aluna da escola e hoje tem uma sobrinha que estuda na unidade.
Ela foi chamada pela direção da escola para buscar mais cedo a sobrinha, sob a alegação de que a adolescente de 17 anos não estava com roupas adequadas para assistir aula. A menina estava com uma blusa que deixava a barriga à mostra.
“Está muito calor, a sala com mais de 30 alunos tem dois ventiladores e só um deles está funcionando. E ainda implicam com a roupa que a gente veste”, contou a menina.
Mariana de Oliveira Silva, 18, está no 3º ano do ensino médio e estuda na escola desde que tinha 10 anos. Ela disse que há anos vê a luta de alguns professores para que a unidade seja reformada, mas nada mudou.
“Sempre foi assim, a gente até nem tem mais esperança de que vai melhorar. A única coisa que tem nas salas são os ventiladores, mas que vira e mexe quebram. O calor é tanto que fica difícil prestar atenção na aula”, conta a jovem.
Construídas de forma provisória para ampliar a oferta de vagas no ensino público de São Paulo, as “escolas de lata” perduram há mais de duas décadas no estado. Elas foram feitas no governo do tucano Mário Covas (que comandou o estado de 1995 a 2001), mas apesar da promessa de vários governantes que o seguiram, a rede estadual paulista ainda tem 65 unidades nesse padrão.
O governo Tarcísio de Freitas (Republicanos) não informou se tem planos de substituir todas essas unidades por estruturas comuns. Segundo a Secretaria Estadual de Educação, apenas duas escolas do tipo nakamura estão em processo de substituição total do prédio.
“Atualmente existem 65 escolas remanescentes no padrão nakamura. Após análise do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas), todas receberam melhorias termoacústicas em seus pisos e paredes, igualando as estruturas aos prédios de alvenaria”, disse o governo em nota.
Apesar de não informar sobre a substituição das escolas de lata, a secretaria informou que o governo Tarcísio firmou uma parceria, por meio de contratos com o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), para a construção de 33 escolas.
“O projeto das novas unidades considera os contextos climáticos específicos de cada região -seja por meio da adoção de elementos arquitetônicos que privilegiam à ventilação natural e dissipação de calor, ou mesmo pela adoção de climatização artificial, com uso de aparelho de ar-condicionado.”
Questionada, a secretaria não informou quantos alunos estudam em escolas de lata atualmente no estado.
Em nota, a Prefeitura de Guarulhos disse que quatro alunos da escola Rubem Alves passaram mal na manhã desta terça-feira e a direção acionou os responsáveis. “Para o restante, as aulas transcorreram normalmente, inclusive com atividades ao ar livre (fora do sol) e com água. Vale ressaltar que todas as salas de aula da unidade escolar mencionada possuem ventiladores”, disse em nota.
A prefeitura nega que a estrutura da unidade seja similar a de uma escola de lata. Há anos, os governos estadual e municipais rejeitam que o padrão nakamura seja chamado dessa forma por defenderem que elas possuem isolamento térmico e ventilação similar aos de prédios de alvenaria.
Para Danilo Moura, oficial do clima e meio ambiente do Unicef (Fundo das Nações Unidas Para a Infância), as consequências vividas pelas crianças e adolescentes mais pobres em eventos climáticos extremos vão aprofundar ainda mais as desigualdades educacionais do país.
“Quem já tem condições menos favoráveis para estudar, passa a contar com mais um fator de desvantagem. Esse é mais um motivo pelo qual precisamos dar respostas mais rápidas para as mudanças climáticas que estamos vivendo”, destaca.
Em setembro, quando o estado foi atingido por outra forte onda de calor, a deputada federal Luciene Cavalcante e o deputado estadual Carlos Giannazi (ambos do PSOL) fizeram uma representação no Ministério Público pedindo a fiscalização das escolas estaduais e municipais.
O Núcleo Especializado da Infância e da Juventude da Defensoria Pública do estado encaminhou na quinta-feira (9) um pedido de esclarecimentos ao governo Tarcísio sobre a estrutura das escolas diante dos eventos climáticos vividos no estado. O núcleo questionou, entre outros pontos, sobre a manutenção das escolas de lata e a previsão de reformas nessas unidades.