Afastamento de grávida do trabalho gera dúvidas entre empresas e advogados

A frentista Camila Assis da Silva, 28, foi chamada pelos chefes no dia 13 de maio com a informação de que uma nova lei havia entrado em vigor e que ela, grávida de 14 semanas, deveria ir para casa.

“Fiquei muito surpresa e feliz, porque estava tendo muito enjoo no início de gestação”, diz Camila, que chegou a ter suspeita de infecção pelo novo coronavírus há cerca de um mês.

“Eu trabalhava em pé o dia todo, tinha aquele medo constante de encostar em alguma coisa, lidava com dinheiro, clientes sem máscara, que tossiam, passavam a mão no rosto e colocavam na máquina de cartão. Eu estava até usando luva para evitar o contato”, afirma a frentista, que trabalha no Rio de Janeiro.

A lei 14.151, sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e originada de um projeto da deputada federal Perpétua Almeida (PCdoB-AC), determina que gestantes sejam deslocadas para o teletrabalho, sem prejuízo de ganhos, durante a pandemia da Covid-19.
Além de já haver relatos de descumprimento da nova norma, o texto tem provocado dúvidas e entendimentos divergentes em casos como o de Camila, que atua em uma função que não pode ser desempenhada à distância. A frentista chegou a questionar se não teria que assinar algum tipo de liberação, mas o sindicato da categoria informou que a gestação garantia a estabilidade dela em casa.
O caso dela, porém, não parece ser a regra.

A advogada Thaís Cremasco, que atua com direito do trabalho e previdenciário, já recebeu contatos de cerca de dez mulheres em busca de orientações. Funcionárias de empresas de grande porte, elas foram mantidas em atividades presenciais mesmo com a nova lei.

Depois de orientar as clientes a ficarem em casa, informando os empregadores acerca da norma para evitar demissão, todas foram procuradas para compor acordos, com proposta de suspensão dos contratos por meio das medidas provisórias criadas na pandemia -as MPs 1.045 e 1.046.

“Se a lei quisesse que usasse a MP, ela faria outra MP ou falaria sobre ela. Ela diz que a trabalhadora tem o direito de seguir trabalhando em home office, o que é bem diferente de suspensão do trabalho”, afirmou Cremasco.

“Não é fácil resolver, mas não é impossível. Cabe à empresa, não à trabalhadora, buscar meios para que ela possa desempenhar suas atividades em sistema de home office”, completou.

Já o advogado Willian Machado, que atende empregadores, avalia que a primeira orientação é em torno do trabalho à distância, como diz a lei. Mas, caso isso não seja possível, ele acredita na possibilidade de suspensão dos contratos.

“Há uma controvérsia no meio jurídico, mas nosso entendimento é esse. A empregada afastada tem que receber toda a remuneração, segundo a lei, não metade do salário. Se há a suspensão do contrato, ela recebe auxílio emergencial num valor menor. Entendemos que, se ela for afastada e o empregador complementar a remuneração, é possível adotar a medida. O que não é razoável é ele arcar sozinho com esse custo”, avaliou.

Mesmo entendimento segue a advogada Carolina Mayer Spina, especialista em direito do trabalho. Ela explica que, apesar de o texto determinar que as grávidas não possam trabalhar presencialmente na pandemia, não especifica quem é responsável pelo pagamento do salário nos casos de impossibilidade de função remota, como ocorre com as domésticas e frentistas.

Ela avalia que, com base em outras legislações trabalhistas, o encargo é do empregador. Mas, antes de recorrer à suspensão dos contratos, ele tem outras opções, como deslocar a funcionária para uma função temporária que permita o serviço remoto, ou mesmo adiantar férias e banco de horas.

Se a escolha for pela suspensão, ela diz que o empregador tem que complementar o salário, caso o auxílio do governo seja inferior ao valor que ela recebia antes do afastamento. “Se o empregador não garantir ou afastar a gestante nesse período, ela vai poder postular o direito de receber a diferença salarial ou até de indenização por não ter sido afastada”, afirmou.

As reclamações em torno da regra vêm justamente dos empresários. Alessandro Gonçalves atua na prestação de serviços, em que boa parte do trabalho não pode ocorrer à distância. Ele já teve que afastar duas funcionárias grávidas, ambas auxiliares de limpeza, desde que a lei entrou em vigor na semana passada, mantendo o pagamento integral dos salários.

“Com o afastamento, preciso colocar uma pessoa para substituir. Então, sou onerado duas vezes em função da legislação. Me parece que os que tomam essas decisões não conhecem a realidade”, apontou. “Se o governo quer leis dessa natureza, teria que assumir”.

Já entre os representantes de diferentes categorias, as orientações são díspares. Presidente do Sindicato dos Frentistas de Osasco e Região, Luiz Arraes aponta que, mesmo antes da Covid-19, já havia negociações diretas com as empresas para afastamento de empregadas grávidas dos postos de combustíveis, diante da exposição a elementos perigosos.

No entanto, a entidade já vem recebendo queixas de empregadores que resistem em afastar as gestantes do serviço presencial durante a pandemia. “As empresas de toda forma reclamam porque o ônus é exclusivo delas, mas agora, ao invés de negociar diretamente, temos o guarda-chuva da nova lei”, afirmou.

O sindicato engloba cerca de 3.000 mulheres entre os 10 mil trabalhadores da área e tem orientado que as empregadas busquem o afastamento, mas não a suspensão do contrato.

O Sindomésticas (Sindicato das empregadas e trabalhadoras domésticas da Grande São Paulo) também tem recebido relatos de descumprimento da norma. Patrona da entidade, a advogada Nathalie Rosário de Alcides tem direcionado no sentido de possibilidade de aplicação das MPs, se não houver alternativa.

“Independentemente da natureza do trabalho, a proteção à maternidade é um direito social fundamental previsto antes dessa lei, transcendendo a vida privada da gestante”, afirmou.

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