THIAGO AMÂNCIO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Inaceitável, repulsivo e ilegal.
Personalidades e políticos americanos criticam e pedem a renúncia do governador de Nova York, Andrew Cuomo, desde que uma investigação apontou na terça (3) que ele assediou sexualmente 11 mulheres.
Mas esses três adjetivos chamaram especial atenção de observadores por terem sido usados por uma pessoa conhecida pela discrição, a vice-governadora Kathy Hochul, que assume o cargo se Cuomo renunciar ou for deposto.
“Assédio sexual é inaceitável em qualquer ambiente de trabalho, especialmente no serviço público. A investigação da procuradora-geral documentou comportamentos repulsivos e ilegais do governador contra uma série de mulheres. Eu acredito nessas mulheres e admiro sua coragem de seguir em frente”, escreveu ela em rede social horas após a acusação, em que deixou claro que “ninguém está acima da lei”.
O rompimento aberto não chegou a ser um “verba volant, scripta manent”, como ficou conhecida a carta que abre com o provérbio em latim do então vice Michel Temer desabafando para a presidente Dilma Rousseff. Do lado de cima do Atlântico, Hochul fez questão de escrever: “Como a vice-governadora é a próxima na linha de sucessão, não seria adequado fazer mais comentários sobre este momento.”
É que Hochul nunca esteve tão perto do posto. Cuomo diz que não pretende renunciar, mas já perdeu o apoio de figuras importantes do partido, como outros governadores correligionários; a presidente da Câmara, Nancy Pelosi; e o próprio líder do país, Joe Biden, que afirmou que ele deveria abrir mão do cargo.
Mais importante que os figurões nacionais até são os deputados da Assembleia Legislativa de Nova York, que têm o impeachment na mão. O presidente da Casa, Carl Heastie, também democrata, afirmou no mesmo dia da denúncia que Cuomo perdeu a confiança da maioria do partido e que não tem condições de permanecer no cargo.
Pode então ser questão de tempo para que Kathy Hochul, 62, ocupe a cadeira pelos meses que restam até a próxima eleição, no fim do ano que vem. Algo que parecia pouco provável para a advogada desconhecida da maioria dos nova-iorquinos nascida em Buffalo, cidade a oeste do estado na divisa com o Canadá.
Hochul entrou na política como assessora jurídica de deputados e senadores de Nova York e de meados dos anos 1990 até 2010 trabalhou na administração do condado de Erie, onde fica a cidade de Buffalo. Foi eleita deputada em 2011, mas não conseguiu se reeleger e deixou o cargo em 2013.
Em 2014, foi escolhida pelo governador Andrew Cuomo como sua vice na eleição daquele ano para a qual disputava o segundo mandato. Cuomo procurava uma mulher para trazer mais diversidade a seu gabinete, além de expandir sua influência para o oeste do estado.
Eleita, Hochul trabalhou com questões ligadas a gênero, como uma campanha para combater justamente o assédio sexual nas universidades. “Como a autoridade feminina com cargo mais alto em Nova York, ela continua a ser uma campeã para mulheres e famílias por todo o estado”, diz seu perfil na página ?oficial do governo do estado.
Não é que a ideia de assumir o comando do estado seja exatamente nova para Hochul. Parte das denúncias de assédio apresentadas pela procuradoria de Nova York na terça já tinha vindo a público, e Cuomo sabia que mais cedo ou mais tarde iria enfrentar essa crise.
Desde dezembro do ano passado, uma série de mulheres já havia denunciado o governador por comentários inapropriados e toques, abraços e beijos sem consentimento. A investigação que corre na Assembleia e que deve abrir o caminho para o impeachment, por exemplo, é de março –e que ganhou novo senso de urgência depois da denúncia desta semana.
Na ocasião, Cuomo também afirmou que não renunciaria. Hochul foi muito mais discreta à época ao comentar o caso. “Estou confiante que todas as vozes serão ouvidas e levadas a sério. Espero que o inquérito seja concluído da forma mais completa e rápida possível. Os nova-iorquinos devem ter certeza de que, por meio desse processo, entenderão todos os fatos”, disse.
O tema não é exatamente uma novidade para os eleitores americanos, e não é preciso recorrer ao exemplo do ex-presidente Bill Clinton, que foi alvo de impeachment na Câmara em 1999 após denúncias de envolvimento sexual com uma estagiária –ele foi mantido no cargo pelo Senado.
Há um episódio recente envolvendo a mesma cadeira que Cuomo ocupa hoje. Em 2008, o então governador de Nova York, Eliot Spitzer, também democrata, renunciou pouco mais de um ano depois de assumir o cargo após denúncias de que ele havia se envolvido com prostitutas.
A maior diferença é que, ao contrário de Cuomo, Spitzer anunciou dois dias depois do escândalo que renunciaria ao cargo. Seu vice, David Paterson, concluiu o mandato e se tornou o primeiro governador negro do estado.
As denúncias contra Cuomo se tornaram um grande pesadelo para uma carreira política que havia atingido seu auge poucos meses antes. Em seu terceiro mandato (a Constituição de Nova York não tem limite para mandatos de governadores), filho de um governador que também ocupou o cargo por três mandatos, Cuomo ganhou reconhecimento nacional e internacional durante a crise da Covid-19.
Ao tomar medidas duras para conter o vírus que matou mais de 50 mil nova-iorquinos, antagonizou sobretudo com o então presidente Donald Trump.
Com entrevistas coletivas diárias transmitidas na TV e na internet para dar detalhes sobre as medidas de combate ao vírus, que se transformaram em uma espécie de novela para uma população quarentenada em casa, o nome de Cuomo foi ventilado até como presidenciável para a eleição de 2024.
Cedo demais. Nem o posto de presidente nem um quarto mandato como governador, que ele já havia expressado desejo de disputar, parecem mais ser possíveis diante da tropa democrata que se formou contra ele.
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