(FOLHAPRESS) – O presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, já prometeu “lotar os estaleiros” brasileiros com obras, mas o governo ainda estuda medidas para viabilizar as encomendas e resolver gargalos para garantir as compras no país sem necessidade de mudanças legais.
O ritmo das licitações não é consenso nem na própria Petrobras, que mais uma vez recebeu a missão de liderar o programa de retomada da indústria naval. O debate interno foi admitido por Prates em entrevista na semana passada.
“Já existe consenso na Petrobras de que é melhor fabricar aqui do que afretar? Não existe. Ao contrário, existe uma cultura bastante arraigada de que o afretamento [aluguel] é mais competitivo”, disse o executivo. “Para fazer navio ou plataforma aqui tem que fazer um esforço.”
Em pouco mais de nove meses de gestão petista, a Petrobras já prometeu encomendar navios petroleiros, embarcações de apoio à produção de petróleo em alto mar, equipamentos para plataformas e, uma novidade, o desmantelamento de plataformas que chegaram ao fim de sua vida útil.
Empresa e setor se esforçam para vender a ideia de que o processo será diferente do último ciclo de construção naval do país, que terminou com obras inacabadas, uma série de pedidos de recuperação judicial e prejuízos até para cidadãos comuns que acreditaram nas promessas do governo.
Parte das encomendas anunciadas pela Petrobras não dependem de apoio federal, diz o diretor de Engenharia, Tecnologia e Inovação, Carlos Travassos, responsável pelas compras de bens e serviços da estatal.
Ele estima que apenas as plataformas de produção de petróleo já aprovadas pela empresa garantiriam uma demanda de módulos (os equipamentos que ficam no convés para gerar energia, separar óleo de gás, entre outras funções) superior à do último ciclo.
Travassos calcula que os estaleiros nacionais estarão processando 70 mil toneladas de aço para a produção de módulos em 2025, volume superior ao pico de 60 mil atingido em 2014 -entre 2018 e 2021, o número não passou de 10 mil.
Em entrevista à Folha de S.Paulo em julho, o diretor da Petrobras antecipou também a necessidade de contratar 38 embarcações de apoio à produção de petróleo em alto mar, que podem mobilizar estaleiros de menor porte.
No primeiro caso, as regras atuais de conteúdo local já garantem a demanda no país. No segundo, a lei brasileira prevê preferência pela contratação de barcos de bandeira brasileira quando houver competição com estrangeiros.
A Petrobras começa também um processo de desmantelamento de plataformas antigas, com previsão de vender 26 unidades até 2027. A primeira licitação foi vencida pela siderúrgica Gerdau, que contratou para o serviço o Estaleiro Rio Grande, no Rio Grande do Sul.
Nesse caso, em vez de construir, o objetivo é desmontar a plataforma para uso do aço como sucata na produção de vergalhões, por exemplo. A expectativa do sindicato local é que esse contrato gere cerca de 1.500 empregos.
Considerada um pilar desse novo plano de retomada, porém, a encomenda de 25 navios pela Transpetro ainda é alvo de debate tanto na estatal quanto no governo. O projeto prevê contratos de R$ 12,5 bilhões, com licitações iniciando em 2024.
A Transpetro quer acelerar o processo e já recebeu manifestação de interesse de 16 estaleiros, entre eles alguns dos gigantes construídos nos primeiros governos Lula, como o Rio Grande e o EAS (Estaleiro Atlântico Sul), em Ipojuca (PE).
Mas Prates diz que a Petrobras não deve incluir todos os navios na próxima versão de seu plano quinquenal, que será anunciado até o fim deste ano, e que a empresa ainda estuda a viabilidade das encomendas.
No ciclo anterior de retomada, a contratação de navios nacionais mais caros levou a estatal a assumir custos superiores para manter sua frota de transporte de petróleo e gás, causando grande queima de caixa.
“Vou pagar mais caro [pelos navios]? Vou. Não tem jeito, tudo é mais caro no Brasil do que na China”, disse o presidente da Transpetro, Sergio Bacci, em palestra a executivos do setor em setembro. “Mas não vou pagar o dobro”, prometeu.
O governo defende que a geração de empregos e renda justifica algum sobrepreço nas encomendas, mas ainda assim, precisa resolver gargalos para pôr em prática o plano. Um deles é a falta de uma política mais incisiva de conteúdo local.
Diante da impossibilidade de abrir licitação apenas para estaleiros nacionais, uma das propostas na mesa é retomar o imposto de importação de navios, zerado pelo governo Jair Bolsonaro (PL), o que melhoraria a competitividade da indústria brasileira.
Capacidade financeira e requalificação de mão de obra são outros gargalos, já que empresas que participaram do último ciclo estão em recuperação judicial e, sem contratações, trabalhadores migraram para outros segmentos.
Para tentar encontrar soluções, o governo criou grupos de trabalho envolvendo ministérios, Petrobras e BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), mas ainda não foram anunciadas medidas.
O MDIC (Ministério da Indústria, Comércio e Serviços) disse em nota que avalia aspectos como governança, formação de mão de obra, tributação e financiamento, entre outros. O diagnóstico deve ser anunciado até o fim do ano e servirá como base para “a nova política do setor naval”.
Na avaliação de Prates, o excesso de encomendas no ciclo anterior incentivou a corrupção. A “inflação de projetos”, afirmou, “deu apetite às pessoas que estavam comungadas com sistemas de financiamento de eleições”.
Agora, a empresa prega “equilíbrio”, nas palavras de Travassos. Ele não vê, por exemplo, o país voltando a construir cascos de plataformas, como se tentou no passado, nem as sondas de perfuração que geraram a natimorta Sete Brasil.
“Não podemos errar de novo”, afirmou o presidente da Transpetro em setembro, prometendo controlar preços e prazos de entrega nos novos contratos. Ele disse ainda que procurou CGU (Controladoria Geral da União) e TCU (Tribunal de Contas da União) para acompanhar a formulação das licitações de navios.
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