(FOLHAPRESS) – O atraso no pagamento de água, luz e gás lidera a lista da inadimplência em seis estados brasileiros. As contas básicas superam a pendência no cartão de crédito, considerado o vilão das dívidas no país.
No Acre e Amapá, metade dos negativados tem em aberto faturas de serviços essenciais. Juntam-se ao grupo Mato Grosso, Roraima, Rondônia e São Paulo.
No geral, o percentual de adultos com alguma inadimplência, de atraso de pagamento no varejo à conta de celular, chega a 46,5% em setembro.
A análise da reportagem foi feita com base em dados da Serasa, birô de crédito que recebe de credores informações sobre dívidas de clientes, e da projeção populacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
A instituição já aponta o aumento da renegociação de dívidas a partir do programa Desenrola, do governo federal. No entanto, as contas básicas estão em patamares elevados e representam 25% das pendências financeiras no país.
Segundo dados da empresa, o Brasil tem 71,4 milhões de inadimplentes. Em oito estados, metade ou mais da população com mais de 18 anos possui alguma dívida em atraso, casos do Amapá (65%), do Distrito Federal (58,6%) e do Rio de Janeiro (58,3%), por exemplo.
O valor médio é de R$ 4.672 por devedor. As dívidas variam de R$ 3.501 no Maranhão a R$ 7.500 no Distrito Federal.
A reportagem cruzou o número de inadimplentes da Serasa com a população de cada estado aferida no Censo 2022 e usou as projeções de idade mais recentes do IBGE para estimar a parcela de habitantes com 18 anos ou mais, já que os detalhes etários do levantamento oficial ainda não foram divulgados.
Inadimplentes são os consumidores já negativados, que diferem dos endividados -qualquer pessoa com uma parcela da renda comprometida com compras no cartão de crédito ou algum tipo de financiamento.
A proporção de adultos devedores varia de 26,4%, caso do Piauí, estado com a menor parcela, a 65%, caso do Amapá.
Amapá, Distrito Federal, Rio de Janeiro, Amazonas e Rondônia registram as maiores proporções de devedores. No lado oposto, estão Piauí, Santa Catarina, Paraíba, Maranhão e Rio Grande do Sul.
A maior diferença, entretanto, está no tipo de dívidas verificado em cada estado. Na maioria deles (66%), mais ou menos um terço da inadimplência dos consumidores vem de cartões de crédito e de débitos com bancos.
Os estados com maiores dívidas desse tipo são Alagoas (37,5% das dívidas do estado), Rio Grande do Norte (36,6%) e Paraíba (36,4%). Na sequência do crédito, aparecem as contas de água, gás ou luz.
No entanto, essas despesas básicas se sobressaem e chegam a representar mais de 50% dos negativados no Amapá (52%). Nesse caso, o estado do norte é seguido por Acre (46,8%), Roraima (43,2%), Rondônia (42,17%), São Paulo (31,2%) e Mato Grosso (25,8%).
Especialistas indicam que a renegociação promovida pelo Desenrola pode ser um dos fatores a motivar inadimplentes a quitar as dívidas com juros altos, como as do cartão de crédito, e a pagar mais tarde as menos caras.
As famílias muitas vezes precisam escolher quais contas pagar primeiro. Como os juros de contas essenciais são bem inferiores aos de cartão de crédito ou de varejistas, é mais barato adiar o pagamento.
“O que mais vai ajudar a diminuir a inadimplência, mais do que o programa do governo, é a queda dos juros do cartão de crédito e da inflação, que estava asfixiando muito o orçamento das famílias. Os produtos não estão subindo no nível de antes, mas ainda leva certo tempo [para retrair a inadimplência]”, diz Fabio Bentes, economista da CNC (Confederação Nacional do Comércio).
Além disso, em regiões mais pobres, ele aponta, o volume de dívidas com contas básicas tende a ser maior porque ainda há boa parte da população desbancarizada, mas que tem contratos com empresas que prestam serviços básicos.
Já os atrasos relacionados a empresas financeiras de empréstimos são mais altos em Alagoas (19,6% das dívidas têm essa origem), Paraíba (18,9%) e Rio Grande do Norte (21,8%).
O maior volume de inadimplência do varejo está registrado no Amazonas (26,7%), em Mato Grosso (25,2%), no Tocantins (22,05%), em Santa Catarina (20,8%) e no Maranhão (20,6%).
“O poder de consumo das pessoas aumentou com a liberação de crédito, mas ele não veio acompanhado da orientação de como usá-lo. A população olha para o cartão como adicional de salário, não como meio de pagamento”, diz Cíntia Senna, mestre em educação financeira.
Empresas como Serasa e SPC são bancos de dados do mercado de crédito que recebem informações de credores (como bancos e varejistas) a respeito da capacidade de pagamento dos clientes.
São os próprios credores que definem se o consumidor terá o “CPF negativado” ou não nesses bancos de dados. Não há uma regra comum para essa definição.
O público da faixa 1 do Desenrola, de consumidores de renda baixa, passa a ter os CPFs desnegativados a partir deste mês. A estimativa do governo é que a última etapa do programa tire até 32,3 milhões de pessoas da lista de inadimplência.
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