O novo contrato para realizar em São Paulo a etapa brasileira da Fórmula 1 deve dificultar a vinda para Interlagos de outras categorias internacionais do automobilismo. O acordo no valor de R$ 100 milhões firmado em dezembro pela Prefeitura de São Paulo estabelece que pelos próximos cinco anos qualquer prova que tenha mais de cinco pilotos com licença de competição estrangeira só poderá ser disputada no autódromo com a autorização prévia da nova empresa promotora da corrida, a MC Brazil Motorsport Ltda. De acordo com o novo contrato, somente a F-1 está livre desta exigência.
A licença de competição é uma espécie de carteira de habilitação tirada pelo piloto profissional para poder se inscrever em uma prova. O documento é emitido em cada uma das respectivas confederações nacionais de automobilismo. Algumas categorias têm até uma exigência ainda mais específica, como é o caso da Fórmula 1. Nela, só podem correr quem tiver a superlicença, certificação mais elevada do esporte a motor e concedida somente pela Federação Internacional de Automobilismo (FIA), localizada em Paris.
No Brasil, todas as competições aceitam o documento de pilotagem nacional da Confederação Brasileira de Automobilismo (CBA) ou uma licença de categoria equivalente emitida em outro país. Isso permite, por exemplo, um competidor argentino participar de provas na Stock Car sem precisar pagar taxas extras para a obtenção do documento brasileiro.
Pela cláusula existente no contrato, até 2025 a prefeitura de São Paulo precisa de autorização da nova promotora do GP para liberar a realização de corridas em Interlagos que tenham mais de cinco pilotos com licença estrangeira. No entanto, a situação pode ser contornada com a emissão de documento nacional para disputar a prova. O custo aproximado disso é de R$ 3,5 mil por piloto.
A situação apresentada pelo contrato pode impactar duas categorias que pretendem organizar eventos internacionais em Interlagos nos próximos anos. A brasileira Stock Car costuma realizar em Interlagos a Corrida de Duplas, prova em que cada piloto do grid chama um convidado de fora. A edição de 2018 foi disputada no autódromo paulistano com 14 estrangeiros, todos portadores de documentos de pilotagem internacional.
Outro caso é o da recém-criada TCR Sul-Americana, categoria que negociava para abrir a temporada em Interlagos no mês de abril. Procuradas pelo Estadão, a Stock Car e a TCR preferiram não comentar o assunto.
O presidente da CBA, Giovanni Guerra, afirmou que diminuir a possibilidade de eventos no Autódromo de Interlagos é um prejuízo para o esporte brasileiro. “Em princípio, a pluralidade de eventos é uma alternativa que oferece maiores oportunidades para o desenvolvimento do automobilismo no País se comparada com a hipótese de estar restrita a apenas um”, disse ao Estadão. “Todo contrato que envolva o autódromo tem reflexos em outras áreas que não somente a estabelecida pelo acordo, daí a necessidade de um entendimento mais profundo sobre todas as consequências”, acrescenta.
Mais recentemente, outra categoria internacional se aproximou de São Paulo. Interlagos estava confirmada no calendário do Mundial de Endurance, categoria trazida pela primeira vez ao Brasil em 2012, por Emerson Fittipaldi. A corrida chegou a ser marcada para retornar ao País em 2020, mas foi cancelada no fim de 2019 por problemas com o promotor.
Segundo fontes ligadas ao automobilismo, essa restrição sobre a quantidade de pilotos com licença estrangeira indica o plano dos novos promotores de preservar Interlagos de outros eventos internacionais e prevenir, assim, o GP de Fórmula 1 de ter possíveis concorrentes.
OUTRO LADO – Questionada sobre como funcionaria a autorização prévia, a MC Brazil Motorsports avisou que não vai se pronunciar. A Prefeitura explicou que uma cláusula idêntica já existia em contratos anteriores e, mesmo assim, isso não afetou a realização de corridas de outras categorias em Interlagos. A administração municipal acredita que não terá dificuldades para manter o circuito em atividade.
O Estadão consultou a versão anterior do contrato para a realização do GP do Brasil de F-1 e encontrou uma diferença. O poder para liberar outros eventos pertencia à própria Fórmula 1, e não ao promotor local. A reportagem procurou promotores que fizeram em anos anteriores eventos em Interlagos com a presença de mais de cinco pilotos portadores de licença internacional. Os organizadores disseram desconhecer a exigência e afirmaram que jamais consultaram a Fórmula 1 para terem qualquer aval.
O contrato entre a Prefeitura e a nova promotora está suspenso desde o início de janeiro por determinação da Justiça. O juiz Emílio Migliano Neto, da 7ª Vara da Fazenda Pública da Capital, entendeu que não há transparência, até o momento, na divulgação dos gastos públicos com o evento de F-1. A cidade não pagava nenhuma taxa para ter a corrida. Com o novo acordo, pagará, ao longo de cinco temporadas, R$ 100 milhões.
Além desse valor pago pela Prefeitura à empresa, há ainda um outro recurso público envolvido na prova. Em uma das edições do Diário Oficial da janeiro, a Prefeitura revelou ter feito repasses que totalizam R$ 17,7 milhões para a Fórmula 1. O investimento está descrito como “aquisição dos direitos para realizar o evento GP de São Paulo de Fórmula 1”.
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