Saiba como lidar com déficit de atenção e hiperatividade, que afligem crianças e adultos

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com apenas dois meses, Yuri não parava quieto e caiu do colo do pai. Aos quatro meses, a pediatra aconselhou a deixá-lo no chão, porque ele não queria ficar deitado no berço de maneira alguma. Dormir seis horas por noite? Sem chances. Ele acordava no meio da noite e queria brincar.

“Deu muito trabalho”, confessa a mãe, a dona de casa Maurina Alves, 49. “Mas como ele era muito pequeno, eu não sabia o que ele tinha. Tentei de tudo, dar regras, estabelecer pontos para ele fazer tarefas, dar prêmios para não fazer bagunça… Ele seguia no primeiro dia e depois esquecia.”

O diagnóstico só veio anos depois, quando o menino tinha sete anos e já “mexia com a sala inteira” no colégio. Após a observação dos pais, dos professores e do médico, ele passou a fazer tratamento para TDAH (Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade).

O TDAH é um transtorno do neurodesenvolvimento que começa na infância. Sua causa não está totalmente clara, mas sabe-se que há fatores genéticos e ambientais envolvidos. As três características essenciais são a distração, a impulsividade e a hiperatividade.

Elas podem aparecer combinadas, mas não necessariamente (os três tipos conhecidos são o predominantemente desatento, o predominantemente hiperativo e o combinado).

Também é possível que esteja associada a outros transtornos, como dislexia e discalculia (principalmente na infância), além de ansiedade e depressão.

Numericamente, os meninos são os que mais apresentam traços de hiperatividade. São aqueles que não param quietos, ficam se remexendo na cadeira e levantam muitas vezes na sala de aula. Enquanto isso, as meninas tendem a ser mais quietinhas, embora igualmente desatentas.

Não é o caso de Victória, de nove anos, filha da líder de limpeza Cristina Silva, 33. “Ela era bem novinha quando percebi que havia algo com ela”, diz a mãe. “Ela era muito agitada, parou de dormir durante o dia quando ainda era bebê. Era tão acelerada que começou a falar e a andar mais cedo que o normal.”

“Aquilo me pegou de surpresa, minha família é bem pacata”, afirma. “Todo mundo já era adulto e ela chegou como um furacão. Minha família falava que ela era desobediente, que não tinha atenção. Foi aquele turbilhão por causa da hiperatividade.”

A menina fez acompanhamento psicológico até os três anos, mas recebeu alta. “A minha luta continuou, ela passou por vários psicólogos até completar cinco anos”, diz Silva. Foi quando uma profissional a encaminhou para a APAE (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais), de onde ela saiu com o pré-diagnóstico e um encaminhamento para ser avaliada pelo SUS (Sistema Único de Saúde).

Victória foi admitida para o tratamento no CAPS (Centros de Atenção Psicossocial) infantojuvenil perto de casa. “Quando fechou o diagnóstico, comecei a perceber o porquê de alguns comportamentos dela que antes eu não entendia, que me estressavam ou me deixavam impaciente”, diz Silva. “No começo, parece assustador, mas comecei a ver que ela ganhou qualidade de vida. Tem mães que têm vergonha, mas têm que ir atrás.”

De acordo com Mário Louzã, coordenador do Ambulatório de TDAH em Adultos do Instituto de Psiquiatria da FMUSP (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo), para caracterizar o transtorno, os sintomas precisam se manifestar quando o indivíduo tem menos de 12 anos.

Normalmente, o diagnóstico é feito por volta dos sete anos, quando o comportamento da criança já pode ser avaliado em ambientes diferentes, como em casa e na escola.

Ele explica que o distúrbio pode ou não persistir na idade adulta –cerca de metade dos portadores melhora com o passar dos anos. “O adulto também pode ter as mesmas características da criança, mas consegue controlar com algum esforço”, afirma.

Muitas pessoas chegam à vida adulta sem saber que tiveram ou ainda têm a disfunção. “Às vezes, a pessoa interpreta o problema como sendo da personalidade dela”, explica. “Quando ela cai no sistema de saúde é que começa a entender que não é apenas o jeitão dela, é um transtorno mental.”

Mário Louzã afirma que isso ocorre por uma série de motivos. “A questão principal é a falta de informação e o preconceito em buscar ajuda psiquiátrica”, avalia. “O problema do TDAH não-tratado é que a pessoa acaba criando uma história de prejuízo acadêmico, está sempre um pouco atrás dos colegas, e com isso pode desenvolver baixa autoestima, entre outros fatores.”

POR ACASO

Com a produtora de podcasts Thata Finotto, 36, a descoberta se deu por acaso. Ela diz que o irmão estava pesquisando sobre o tema em comunidades da extinta rede social Orkut e se identificou com alguns pontos. Ele, então, perguntou para a mãe, que é neurologista, se tinha aquilo. “Você não, mas sua irmã tem”, respondeu a médica.

Thata tinha 24 anos e diz que sua vida mudou desde então. “Comecei a ter respostas para coisas que eu nem sabia que podia ter perguntado”, afirma. “Foi uma sensação de alívio, porque tem um peso grande da sociedade e isso tira um pouco da culpa que a gente tem por tentar fazer as coisas certas e nunca ser suficiente.”

“É semelhante a ir ao oftalmologista pela primeira vez e não saber que não enxerga como todo mundo”, compara. “Depois que você coloca os óculos, parece que está tudo em HD. É a mesma sensação.” Ela diz não se ressentir de só ter recebido a informação quando adulta. “Tem um estigma muito grande, as pessoas culpam os pais porque a criança não obedece, é agitada ou distraída demais.”

Como passou a pesquisar bastante sobre o tema, ela resolveu aproveitar a própria experiência profissional para compartilhar informação. Há dois anos, ela comanda o podcast Tribo TDAH, no qual fala sobre os dilemas e conflitos de quem vive com essa condição. “É uma comunidade de acolhimento, não são informações do ponto de vista do especialista, mas de igual para igual”, explica.

ESTRATÉGIAS

Como saber diferenciar quem tem um esquecimento normal ou é naturalmente impulsivo ou agitado daquele que tem TDAH? “Você pode ter pessoas que são levemente mais distraídas, mas isso não prejudica o cotidiano delas”, explica Louzã. “Quando isso começa a trazer prejuízos, é bom procurar ajuda.”

Isso não significa necessariamente que a pessoa precisará tomar medicação ou seguir um tratamento específico. “Depende das atividades que a pessoa desempenha”, conta. “É possível tentar estratégias simples para compensar as dificuldades, como colocar vários alarmes no celular para lembrar das coisas, por exemplo.”

Em cidades como São Paulo e Rio de Janeiro, é possível participar de grupos de apoio gratuitos com portadores do transtorno e familiares organizados pela Associação Brasileira do Déficit de Atenção (ABDA). As sessões são mediadas por médicos e psicólogos voluntários.

“São grupos de ajuda mútua em que pessoas com realidades diferentes compartilham informações e trazem suas dúvidas”, diz a psicóloga Iane Kestelman, presidente da ABDA e mãe de dois filhos com TDAH. A entidade, que chega a receber 8.000 pessoas por ano nesses encontros, tem como missão difundir informações científicas sobre o transtorno e lutar por políticas públicas para quem é portador.

A associação visa capacitar profissionais de saúde e educação para saberem lidar com o transtorno. “O ideal é consultar um profissional que conheça e se dedique a pesquisar o tema para que não haja pessoas se tratando ou tomando medicação sem necessidade”, afirma.

Outra recomendação é que, ao saberem que o filho tem o transtorno, os pais avisem à escola. “Apesar do preconceito que existe em alguns segmentos da educação com relação aos diagnósticos ligados aos transtornos de aprendizado, o certo é que a escola seja comunicada para que a equipe pedagógica faça as adaptações necessárias.”

Algumas medidas simples, como colocar a criança sentada mais perto do professor ou dividir as tarefas em partes, podem ser adotadas. “É preciso ajudar este aluno a organizar o pensamento”, diz. “E, como não existem políticas públicas que deem suporte aos portadores de TDAH e muitas vezes a escola não está preparada, o ideal é que os pais cobrem.”

PAI E FILHO

O analista de sistemas Eduardo Caetano, 39, acompanhou de perto as dificuldades do filho Wallace, 17, na escola. “Nos primeiros anos, ele tinha um desempenho acima da média, gostava de matemática e era um aluno normal”, lembra. “Quando ele começou a ter mais matérias, o desempenho caiu vertiginosamente.”

“Eu ia estudar com ele e via que ele sabia fazer os cálculos, mas não sabia entender os comandos”, diz. “Ele não chegava ao final do parágrafo para saber o que era pedido. Aquilo acendeu uma luzinha.”

Eduardo diz que já ouvira falar de TDAH, mas era algo distante. “Eu ainda não tinha ligado os pontos”, afirma. Há cerca de quatro anos, numa consulta com um neuropediatra, o médico começou a descrever as características de quem tem o transtorno. Na hora, ele diz ter pensado: “Espera aí, ele está falando do meu filho ou de mim?”.

Ele começou a pesquisar sobre o assunto, leu livros e assistiu a vídeos no YouTube. “Consumi tudo o que havia em uma semana, ativei o hiperfoco”, diz sobre outra característica comum entre os portadores de TDAH, que consiste em centrar a atenção em um único assunto por horas, sem perceber nada mais ao seu redor.

O pai acabou diagnosticado antes que o filho. “Eu percebia que era diferente, mas achava que era o meu jeito”, afirma. “E, no caso do meu filho, achava que ele tinha uma personalidade parecida com a minha, é normal. Eu não olhava para ele com as características do transtorno.”

Hoje, ambos seguem tratamentos diferentes. “Isso é muito individual”, explica. “Cada um aprendeu qual é a característica e trabalha cima disso. É muito bom quando você tem o diagnóstico, facilita muito”, afirma. “Já tentei pegar serviço burocrático e não deu certo, mas descobri outras atividades que para mim são superdivertidas. Já sei como funciona, não preciso lutar mais contra o meu funcionamento.”

Notícias ao Minuto Brasil – Lifestyle