SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A constatação de que obesidade é uma doença crônica multifatorial e que a predisposição genética influencia na tendência de desenvolvimento da condição não é novidade no meio científico. Contudo, pesquisadores da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) estudam outro elemento que pode contribuir nesse processo: o leite materno.
Estudos mostraram que a ocorrência de obesidade na mãe durante a gestação e amamentação pode levar a alterações no leite materno que aumentam a chance de desenvolvimento da doença nas crianças.
A pesquisadora Isis Hara Trevenzoli, do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ, explica que o achado é resultado de anos de estudo do papel dos neurotransmissores endocanabinoides no corpo humano.
“Os canabinoides endógenos são produzidos pelas nossas próprias células e agem nos mesmos receptores que os canabinoides de planta”, explica Trevenzoli. “Esses receptores estão distribuídos por todo o nosso corpo, mas principalmente no cérebro.”
A especialista participa de estudos que investigam a influência da obesidade em ratas fêmeas no desenvolvimento de doenças na prole.
“Vimos que os filhos de mães que eram obesas já nasciam com uma maior quantidade de receptores canabinoides no cérebro”, relata Trevenzoli. “Isso foi associado em animais a uma maior predisposição em desenvolver obesidade e uma maior busca por alimentos ricos em gordura.”
Foi após a confirmação dessas hipóteses que os pesquisadores passaram para a análise do leite materno desses animais, identificando que a presença de endocanabinoides era maior naquele produzido por fêmeas com obesidade.
O grupo publicou um estudo em fevereiro deste ano com um dos resultados da pesquisa em animais, em que concluíram que o leite materno de fêmeas com obesidade possuía menor concentração de endocanabinoides, o que foi relacionado com o aumento de receptores canabinoides especialmente na prole, especialmente nos machos.
Na pesquisa em humanos, feita em parceria com o Instituto de Nutrição Josué de Castro da UFRJ, a conclusão foi contrária: o leite materno das mães com obesidade tinha maior concentração de endocanabinoides. Foram acompanhadas 92 mulheres, das quais metade tinham diagnóstico de obesidade ou sobrepeso. O restante fez parte do grupo de controle.
As mulheres foram recrutadas no terceiro trimestre de gestação, mas foi considerado o peso relatado antes da gravidez para cálculo do IMC (Índice de Massa Corpórea) e classificação com base nesse dado.
Foram coletadas amostras de leites em três momentos diferentes: na primeira semana após o parto, e depois de um ou três meses.
Segundo Trevenzoli, o desequilíbrio no sistema endocanabinoide nos primeiros anos de vida pode ter impactos diversos no desenvolvimento, desde a predisposição para obesidade até questões de comportamento.
“Já sabemos que filhos de mães obesas estão mais propensos a desenvolver obesidade, a hipótese é que essa presença dos endocanabinoides esteja relacionada a isso”, diz.
A pesquisadora afirma que o artigo com os resultados do estudo está em fase de produção para publicação, e os próximos passos da pesquisa envolvem o acompanhamento dos bebês até um ano de idade para análise dos efeitos da presença dos endocanabinoides em leite materno.
O estudo conta com financiamentos da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro), Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).