PEDRO S. TEIXEIRA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O chefe-executivo da criadora do ChatGPT, Sam Altman, lançou, no último dia 24, a Worldcoin -uma criptomoeda gerada a partir da identificação de íris e face de pessoas. O projeto reconheceu a singularidade de 2,185 milhões até esta quinta-feira (3).
Quem está em São Paulo tem até a próxima segunda-feira (7) para entregar dados biométricos e criar uma “world ID” para receber 26 Worldcoins, atualmente cotadas em cerca de US$ 60 (R$ 297,75). A capital paulista é a única cidade no Brasil com pontos de coleta -são três, próximos da av. Brigadeiro Faria Lima.
A reportagem testou o procedimento de coleta, que dura cerca de dois minutos. Consiste em baixar o World App, validá-lo com um celular, aceitar os termos de uso e coleta biométrica, decidir se a empresa pode armazenar seus dados e fazer pose para a máquina capturar imagens do rosto e da íris.
Ao fazer o cadastro, há a opção de pedir para a empresa não armazenar os dados da íris. A empresa não informa que os dados biométricos são sensíveis e os riscos envolvidos em compartilhá-los. Ainda incentiva o compartilhamento do dado, ao informar que o armazenamento poderia evitar retornos para atualizações cadastrais.
Apenas no formulário de consentimento de Dados Biométricos Sensíveis da Worldcoin Foundation, a empresa informa que essa autorização também permite envio dos dados para Estados Unidos e Europa para treinamento de algoritmos. Esse documento só está disponível em português de Portugal.
GOVERNO QUENIANO SUSPENDE SERVIÇO PARA INVESTIGAR PERIGOS POTENCIAIS
No Brasil, não há filas para conseguir o dinheiro extra, como no Japão, na Índia e no Quênia. Ainda assim, o diretor-fundador do Data Privacy Brasil e professor da ESPM, Bruno Bioni, diz que é necessário ter cautela. Informações biométricas são sensíveis e a Worldcoin não apresentou uma avaliação de impacto à proteção de dados pessoais, para mostrar como pode reduzir riscos.
O governo queniano, por exemplo, ordenou a suspensão do serviço da Worldcoin na última terça-feira (1º) para investigar perigos potenciais contra a segurança pública. O app também tem restrições nos Estados Unidos devido à regulação de criptomoedas, sancionada após o escândalo bilionário da corretora FTX.
Antes do lançamento oficial em 14 países, a empresa testou a plataforma em 2 milhões de pessoas em 24 países -14 eram nações em desenvolvimento pelos critérios do Banco Mundial, das quais oito estavam na África. Durante os testes, a empresa afirmou que coletava informações de batimento cardíaco, respiração e outros sinais vitais -esse trecho foi retirado no último contrato de 16 de julho.
O padrão da íris tem chance de se repetir uma vez a cada 1 bilhão de pessoas -no caso da digital, é de um em 40 milhões. Trata-se de um fator de identificação muito preciso.
“É impossível trocar de íris, se houver um incidente de segurança. Não é como login e senha. Esse autenticador potencializa os riscos de roubo de identidade”, afirma Bruno Bioni, do Data Privacy Brasil.
A empresa de segurança em blockchain Certik encontrou uma falha no protocolo do projeto de identificação que permitia pessoas não qualificadas se tornassem operadoras do Orb de registro de íris. Isso podia ser uma fonte de vazamentos de dados, que foi corrigida antes do lançamento da Worldcoin, segundo a organização responsável pela iniciativa, Tools for Humanity.
Em nota enviada à reportagem, a Worldcoin afirma que construiu um programa de privacidade robusto, com assessoria de uma respeitada consultoria da área.
“A Worldcoin respeita todas as leis e regulamentos dos países em que atua, o que inclui a LGPD”, diz a empresa.
Segundo teste feito pela reportagem, o processamento dos dados é feito em um dispositivo chamado Orb. Como sugere o nome, é uma esfera espelhada, onde estão dois sensores e uma câmera -parece a cabeça de um robô de três olhos.
Esse aparelho processa os dados sem colocá-los na rede, promete a Tools For Humanity, empresa por trás da Worldcoin. Um som polifônico como dos celulares antigos acusa que a operação terminou.
Pelo registro, o usuário ganha uma criptomoeda chamada Worldcoin, cotada na tarde desta quinta (3) em US$ 2,30 (R$ 11,22). Cerca de duas horas depois, também ganha um cupom de participação avaliado em mais 25 Worldcoins.
O registro da íris é acompanhado por um operador de Orb -são pessoas que se voluntariam para cadastrar os interessados. A reportagem foi atendida por um jovem entusiasta de criptomoedas e NFTs, que diz ter sido procurado pela Tools For Humanity após ter publicado um texto com elogios à iniciativa de Sam Altman.
Altman diz, em várias ocasiões, que a iniciativa seria um primeiro passo para distribuição de uma renda básica universal, como contrapartida de possíveis desigualdades criadas pelo avanço da inteligência artificial.
O jovem pediu para ter a identidade preservada, já que, por contrato, não pode falar em nome do projeto Worldcoin. Vestia uma camiseta com o slogan da empresa: “For every human” -para todos os seres humanos, em inglês.
No ponto de coleta, a reportagem encontrou quatro funcionários de uma universidade que foram até o local para criar suas identidades digitais. Eles preferiram não ter o nome identificado. Dois deixaram o World App armazenar seus dados biométricos e dois recusaram.
O Worldcoin divulga em seu site que não requer nome, email ou outras informações no processo de criar a “World ID” para resguardar os interessados.
O processo de cadastro, entretanto, pede número de celular e confirmação. Informações telefônicas estão disponíveis em bancos de dados vazados na internet, e podem revelar outros dados a partir de cruzamentos.
Para conseguir transferir o crédito obtido com o registro é preciso dar autorização para o aplicativo acessar uma conta no Google Drive. Quem não der essa permissão fica com o dinheiro preso no app do Sam Altman.
A Worldcoin afirma que não mistura os dados envolvidos em sua arquitetura organizada em três etapas:
WorldApp: aplicativo no qual a pessoa cria uma conta e gera duas chaves criptográficas e randômicas;
Orb: dispositivo desenvolvido pela Tools for Humanity que é capaz de extrair a íris de uma pessoa, processar o dado biométrico e produzir um “código de íris”, que depois é verificado em uma base de dados da empresa;
World ID: passaporte digital que comprova que você é uma pessoa única e real, porém sem manter a informação do código íris (o que é feito é um zero-knowledge proof, uma autenticação)
Tudo isso feito e considerado, é possível ganhar os 26 World Coins. O primeiro é entregue no instante do registro. O segundo, depois de cerca de duas horas.
De novo, quem for resgatar a criptomoeda para conseguir dinheiro corrente precisa de atenção. Só é possível transferir valores da carteira digital do World App para uma corretora de criptomoedas -o que é feito a partir de um canal de blockchain.
Essa forma de transação usa códigos de identificação, e uma transferência errada é irreversível. A pessoa precisa checar se o destino está correto, se o canal usado aceita a criptomoeda ethereum (a base do World App) e se a corretora aceita a moeda escolhida na operação -a Binance, por exemplo, não trabalha com dólares americanos.
Qualquer erro nesse sentido pode fazer a pessoa que registrou sua íris perder os R$ 300.
Leia Também: O ‘truque escondido’ do iPhone que pode salvar a sua vida