Fazenda mira ganhos financeiros para elevar receitas e zerar déficit em 2024

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O cardápio de medidas em elaboração pelo Ministério da Fazenda para fechar as contas do Orçamento de 2024 deve ter como um dos principais focos a tributação de ganhos financeiros, além de outras medidas já conhecidas, como a retomada do voto de desempate nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais).

Segundo interlocutores do governo ouvidos pela Folha, a equipe econômica prevê arrecadar cerca de R$ 130 bilhões a mais com o pacote de propostas. Algumas delas já estão em tramitação no Congresso, enquanto outras serão encaminhadas junto com a peça orçamentária em 31 de agosto.

O governo precisa enviar o Ploa (projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2024 cravando a meta de déficit zero estipulada pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda). A banda de tolerância, prevista no novo arcabouço fiscal e que garante uma margem de cerca de R$ 28 bilhões para o terreno negativo ou positivo, só vale durante a execução das despesas no ano que vem.

Nos bastidores, há o reconhecimento de que nem todas as iniciativas apresentadas junto com o Orçamento serão 100% bem-sucedidas, mas os técnicos trabalham com “várias cartas na manga” para suprir as receitas necessárias e zerar o déficit.

Ainda que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e o próprio ministro da Fazenda já antevejam resistências ao novo bloco de ações, autoridades do governo entendem que é preciso ao menos apresentar e defender os projetos, por mais duros que sejam.

Os temas, porém, não serão conduzidos como uma questão de “vida ou morte”. A preocupação na equipe econômica é não parecer que o governo está jogando o peso do ajuste nas contas para o Congresso Nacional. Por isso, há espaço para negociação.

Nesta quinta-feira (27), a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, disse que o governo trabalha com oito medidas, “mais ou menos”, para elevar receitas e zerar o déficit nas contas públicas em 2024, mas a composição final pode variar de acordo com a necessidade.

“Se porventura determinada medida que foi colocada, lá na frente, diante de uma discussão política feita em bases concretas, realistas e honestas, com o Parlamento, for uma medida impopular ou uma medida que não tenha condições de passar, ele [Haddad] troca essa carta por uma outra medida”, disse.

Entre as propostas em debate na Fazenda estão a tributação de fundos exclusivos de investimento, voltados à alta renda (chamados de super-ricos) e cujos rendimentos são hoje isentos de imposto; e mudanças nas regras do JCP (Juro sobre Capital Próprio), mecanismo vantajoso usado pelas empresas para remunerar seus acionistas. Além disso, o governo enviou recentemente o texto que tributa recursos mantidos por brasileiros em paraísos fiscais (offshores).

O governo prevê arrecadar cerca de R$ 10 bilhões com a cobrança de Imposto de Renda sobre os fundos exclusivos. A fatia mais rentável para o governo é a tributação do estoque de rendimentos acumulados até hoje e que nunca sofreram incidência de IR –mas também é a que mais enfrenta resistências políticas no Legislativo e no mercado. Segundo um interlocutor, “não existe cláusula pétrea” nas discussões das propostas.

No caso do JCP, há quem defenda a extinção completa do instrumento, que é uma forma de as empresas distribuírem lucros e dividendos a seus acionistas pagando menos tributos. A iniciativa, porém, também deve esbarrar em obstáculos.

Por isso, o governo avalia a possibilidade de encaminhar uma proposta mais branda, apenas limitando o uso do JCP. A decisão final vai depender, porém, das contas do Orçamento, uma vez que essa medida é considerada uma espécie de “fator de ajuste”: quanto maior for o buraco nas receitas, mais duro tende a ser o projeto.

A tributação das offshores já foi enviada pelo governo em uma MP (medida provisória), mas o texto só vale até 27 de agosto. Por isso, há possibilidade de transportar seu conteúdo para outra MP ou um projeto de lei. De qualquer forma, seus retornos ainda são incertos, uma vez que a Receita Federal não tem clareza sobre o montante dos valores lá fora. No envio da MP original, a estimativa era conservadora, com um ganho de R$ 5,88 bilhões no ano que vem.

Outras medidas já estão mais avançadas. Uma delas é a retomada do voto de qualidade no Carf, que devolve à Fazenda o poder de minerva em caso de empate nos julgamentos de conflitos tributários. O projeto de lei já foi aprovado na Câmara e aguarda apreciação no Senado. A pasta calcula arrecadar cerca de R$ 40 bilhões com essa proposta em 2024.

Outros R$ 50 bilhões serão colocados na conta do exercício graças à decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) que restabeleceu a cobrança de tributos federais sobre benefícios fiscais concedidos por estados no ICMS. O entendimento é que, ao ampliar o lucro das empresas, os incentivos não relacionados diretamente a investimentos devem ser incluído na base de cálculo de impostos pagos pelas empresas.

O governo também deve contar com cerca de R$ 2 bilhões do projeto de lei que regulamenta o mercado de apostas esportivas no Brasil, além de algum ganho com as novas normas para tributação de remessas internacionais.

No início do mês, o Tesouro Nacional divulgou um relatório de projeções fiscais em que apontava a necessidade de o governo arrecadar R$ 162,4 bilhões adicionais no ano que vem para assegurar o cumprimento da meta de zerar o déficit em 2024.

A equipe econômica, porém, tem trabalhando com um valor menor, de R$ 130 bilhões, por considerar dados mais recentes que apontam uma melhora na economia e nos resultados de arrecadação com tributos e royalties no ano que vem.