(FOLHAPRESS) – O Ministério da Fazenda decidiu atender a pleitos de governadores e propor uma série de mudanças nas regras do chamado Regime de Recuperação Fiscal (RRF), criado há seis anos e que concede alívio para a dívida de estados em crise em troca de um conjunto de medidas para melhorar as contas públicas.
O Tesouro Nacional promete ser mais tolerante com medidas específicas impostas hoje aos estados, como congelamento de salários do funcionalismo, e focar o alcance dos resultados prometidos. Na prática, as alterações devem representar uma flexibilização em relação ao desenho atual do programa de socorro.
As demandas vinham sendo feitas pelos estados que participam hoje do regime -Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Goiás- e por Minas Gerais, cujo pedido de adesão feito no ano passado ainda não foi homologado pelo governo federal. A reclamação era de que o regime impunha medidas muito severas, o que foi parcialmente reconhecido pelo Tesouro.
O tema avançou após uma reunião em maio entre o ministro Fernando Haddad (Fazenda) e os governadores Cláudio Castro (PL-RJ), Eduardo Leite (PSDB-RS), Ronaldo Caiado (União-GO) e Romeu Zema (Novo-MG) -apontado como possível candidato ao Palácio do Planalto pela direita para 2026 depois que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) foi declarado inelegível.
No encontro, os governadores argumentaram que as receitas estaduais fugiram do controle por influência das mudanças no ICMS, articuladas pelo governo de Bolsonaro em meio à corrida eleitoral, e citaram outros fatores de dificuldades -como o aumento do teto remuneratório do serviço público e consequentes reajustes automáticos para diferentes carreiras.
À Folha, o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, afirma que as mudanças não representam uma flexibilização aos governadores, mas aperfeiçoamentos para que o programa se volte ao seu objetivo central: ajudar estados em situação de calamidade financeira. “O único interesse da União é que ele [estado] volte a ter condições de honrar a dívida”, diz.
“Ele [RRF] não é tão punitivo quanto era, ele fica mais voltado para a indução de conduta, para incentivo. Se [o estado] performar seus resultados fiscais, ele tem mais flexibilidade. Se sair antes do regime, tem benefícios”, diz Ceron.
Entre as alterações, que serão propostas pelo governo por meio de um projeto de lei complementar, a que mais abranda as regras é a extensão do prazo máximo de permanência no regime de 9 para 12 anos. Segundo Ceron, a ampliação considera os efeitos da menor arrecadação dos estados após as mudanças no ICMS em 2022.
Durante a vigência do regime fiscal, o estado deve hoje respeitar atualmente um conjunto de proibições com o intuito de restringir a expansão das despesas e a concessão de benefícios fiscais. É o caso, por exemplo, da concessão de reajustes salariais, da realização de concursos públicos e do corte de alíquotas que reduza a arrecadação.
O governo quer agora dar mais liberdade para as contrapartidas oferecidas pelos estados, inclusive quanto à venda de ativos. Hoje, o regime demanda a apresentação de um plano que inclua medidas como a alienação de participação em estatais como parte do processo de ajuste. De acordo com Ceron, tais operações passarão a ser opcionais.
As modificações devem ser decisivas para destravar a homologação do pedido de adesão feito no ano passado por Minas Gerais, que enfrenta dificuldades políticas em sua Assembleia Legislativa para aprovar parte das medidas necessárias para o acordo com o Tesouro.
No estado, há uma resistência em revogar o adicional por tempo de serviço a que os servidores têm direito
-um benefício já extinto na União e que também precisou ser revogado por outros estados que quiseram aderir ao RRF.
Em 2022, Zema precisou de uma medida cautelar do ministro Kassio Nunes Marques, do STF (Supremo Tribunal Federal), para não interromper o processo de adesão em trâmite no Tesouro.
O novo modelo proposto pelo Tesouro inclui também uma redução da penalidade imposta para quem descumprir os itens previstos na época de adesão ao plano. Em vez de um incremento de até 30% nos encargos da dívida, a “multa” passa a ser gradual. A sanção será de 5% se houver descumprimento de alguma medida ao fim de cada ciclo de avaliação (seis meses).
Outra mudança é a criação de um incentivo para os estados se anteciparem ao prazo final e se desligarem antes do regime. Nesses casos, o ente ganha uma extensão para o pagamento de suas dívidas correspondente ao tempo que ainda teria caso continuasse no plano -por exemplo, se sai três anos antes do prazo, pode alongar o pagamento da dívida em três anos.
O Tesouro também propõe a possibilidade de os estados elevarem seus gastos além da inflação em caso de cumprimento das metas fiscais no ano anterior, desde que não haja comprometimento dos alvos para os exercícios seguintes (hoje, os estados devem contemplar um plano para evitar tal elevação).
A lógica atual segue um modelo semelhante ao do teto de gastos, que impede o crescimento real das despesas, e é considerada rígida demais para casos como o de Goiás -que tem situação um pouco melhor que os demais estados. Não haverá uma limitação percentual de quanto o gasto de cada ente poderá crescer acima da inflação.
Também serão elevados os limites para crédito quando a operação for voltada à reestruturação de passivos. Além disso, haverá autorização para empréstimos garantidos pela União para operações de financiamento para PPPs (parcerias público-privadas) que reduzam custos já existentes (por exemplo, a reforma de um hospital em modelo de PPP que corte gastos em relação ao modelo vigente).
As mudanças serão anunciadas pelo governo nesta quarta-feira (26) em meio a um pacote mais amplo de propostas voltadas aos estados e, se aprovadas pelo Congresso Nacional, representarão a segunda modificação estrutural nas regras do programa, criado em 2017 para socorrer entes em crise.
Apesar da série de concessões, o Tesouro não atendeu integralmente aos pleitos feitos pelos estados. A demanda pela redução dos juros das dívidas dos entes, por exemplo, ficou de fora por representar um forte subsídio da União.
ENTENDA O REGIME DE RECUPERAÇÃO FISCAL
O que é o Regime de Recuperação Fiscal?
Programa criado em 2017 para ajudar estados em grave desequilíbrio fiscal e que permite, por exemplo, a suspensão do pagamento de dívidas dos entes em troca de medidas de ajuste.
Que estados fazem parte do regime?
Rio de Janeiro (desde 2017), Goiás (desde 2021) e Rio Grande do Sul (desde 2022). Minas Gerais pediu para entrar no ano passado, mas ainda não teve o plano homologado.
Quem pode aderir?
Estados que tenham, cumulativamente:
-receita corrente líquida menor que a dívida consolidada
-despesas correntes superiores a 95% da receita corrente líquida ou despesas com pessoal de, no mínimo, 60% da receita corrente líquida
-valor total de obrigações maior que caixa
Que medidas de ajuste precisam ser implementadas?
Ficam vedados, por exemplo, reajustes salariais, concursos públicos e corte de alíquotas que reduza a arrecadação. Essas limitações, no entanto, podem ser flexibilizadas caso a medida não impacte o equilíbrio fiscal. Estado também precisa apresentar um plano com medidas como venda de ativos, redução de benefícios fiscais e limitação do crescimento das despesas à inflação.
O que propõe o Tesouro?
-Maior foco em resultados fiscais
-Gradação das penalidades em caso de descumprimento de medidas acordadas
-Incentivos para saída antecipada do RRF (extensão para o pagamento das dívidas correspondente ao tempo que o estado ainda teria caso continuasse no plano)
-Possibilidade de crescimento real das despesas em caso de cumprimento das metas fiscais do exercício anterior
-Aumento dos limites para operações de crédito visando reestruturação de passivos
-Autorização para operações garantidas pela União para operações de financiamento de contraprestações ou aportes em PPPs que reduzam custos já existentes (por exemplo, construção de um hospital em modelo de PPP que reduza gastos em relação ao modelo público)
-Possibilidade de extensão do prazo do regime de 9 para 12 anos
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