(FOLHAPRESS) – Uma decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) na última semana permite que o salário de qualquer valor seja penhorado para o pagamento de dívida. Até então, era preciso que o devedor ganhasse mais de 50 salários mínimos (R$ 66 mil, em valores atuais) para que parte do seu rendimento fosse penhorada.
A Corte Especial do STJ entendeu que não há necessidade do limite mínimo, sendo preciso apenas respeitar que a quantia a ser paga não afete a subsistência do devedor e de sua família.
Ainda cabe recurso à decisão da Corte. Caso transite em julgado, a decisão muda o entendimento sobre o artigo 833 do CPC (Código de Processo Civil), que permite a penhora de salário apenas de devedores que recebem mais de 50 salários mínimos ou em caso de pagamento de pensão alimentícia.
Com o julgamento do STJ, qualquer dívida ficaria sujeita à penhora dos rendimentos de quem está inadimplente.
Advogados ouvidos pela reportagem acreditam que a resolução pode levar a um aumento de recursos para processos negados em casos de dívida de crédito pessoal, bancária e trabalhista.
O entendimento do ministro João Otávio de Noronha, do STJ, é que a imposição do limite de 50 salários mínimos não reflete o momento do país. “A fixação desse limite de 50 salários mínimos merece críticas, na medida em que se mostra muito destoante da realidade brasileira, tornando o dispositivo praticamente inócuo”, afirmou, em julgamento feito no último dia 19 de abril.
Noronha tomou a decisão ao avaliar recurso de uma pessoa que pediu a penhora mensal de R$ 8.500 do salário recebido pelo devedor, equivalente a 30% do rendimento, para quitar uma dívida de R$ 110 mil, originária da quitação de cheques repassados pelo devedor. Noronha é o relator do caso.
O credor alegou que a quantia não afetaria a subsistência do devedor e seus familiares. A Corte Especial do STJ foi a esfera acionada, pois havia decisões diferentes sobre o tema da Terceira e da Quarta Turmas do STJ.
O credor teve negado o pedido para penhorar parte do salário pela Quarta Turma do STJ, sob o argumento de que o caso não se enquadrava no limite mínimo de 50 salários mínimos. Ele recorreu à Corte Especial do STJ e citou precedentes de julgamentos da própria Corte Especial e da Terceira Turma, que condicionaram que a penhora só deveria ser impedida se afetasse a subsistência do devedor e de sua família, independentemente da quantia definida.
Assim, o caso foi para a Corte Especial do STJ, que decidiu derrubar a regra do limite mínimo de 50 salários mínimos por 8 votos a 5.
– Votos contra o limite mínimo: João Otávio de Noronha, Humberto Martins, Herman Benjamin, Og Fernandes, Ricardo Villas Bôas Cueva, Francisco Falcão, Nancy Andrighi e Laurita Vaz
– Votos a favor do limite mínimo: Raul Araújo, Luis Felipe Salomão, Mauro Campbell Marques, Maria Isabel Gallotti e Antonio Carlos Ferreira
O QUE PODE MUDAR?
Ainda cabe recurso à decisão, que pode ter um impacto em outros processos que levaram em consideração o limite de 50 salários mínimos.
“Após o trânsito em julgado (quando não há mais recursos), essa decisão poderia ser aplicada em qualquer processo. Se algum credor fez o pedido e foi indeferido, ele pode pedir novamente ou recorrer, desde que dentro do prazo legal”, diz a advogada da prática de contencioso cível Maria Cristine Lindoso, do Trench Rossi Watanabe. No caso da esfera cível, o prazo para recorrer é de 15 dias úteis. Já na trabalhista, o período é de oito dias.
Para o presidente da AATSP (Associação dos Advogados Trabalhistas de São Paulo), Afonso Paciléo, a resolução do STJ é uma vitória para os credores. “A decisão traz uma nova e enorme esperança de ver suas dívidas finalmente pagas, ainda que com um lapso temporal que pode ser longo. Pela visão dos devedores é possível dizer que seus salários poderão agora sofrer penhoras que antes deste julgamento não seria possível”, afirma.
Na avaliação de Paciléo, os processos ligados a empréstimo pessoal devem ser os mais atingidos pela decisão da Corte Especial do STJ. Já a advogada trabalhista Juliana Cerullo, do Ronaldo Martins & Advogados, tem outras apostas. “Crédito de natureza trabalhista, seguidos de créditos bancários, serão os mais afetados”, aponta.
Porém Maria Cristine ressalta que a penhora do salário é uma medida excepcional e que só deve ocorrer se houver outros impeditivos. “Antes de pedir a penhora do salário, o credor deve tentar receber seus valores utilizando os meios tradicionais (penhora de bens, bloqueios judiciais, dentre outros). Somente se não houver outra possibilidade de execução é que a penhora do salário poderá ser efetivada.”
Para a advogada, a penhora do salário seria a última alternativa após todas as opções descritas no artigo 835 do Código de Processo Civil, que diz o seguinte:
A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
1 – Dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira
2 – Títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado
3 – Títulos e valores mobiliários com cotação em mercado
4 – Veículos de via terrestre
5 – Bens imóveis
6 – Bens móveis em geral
7 – Semoventes
8 – Navios e aeronaves
9 – Ações e quotas de sociedades simples e empresárias
10 – Percentual do faturamento de empresa devedora
11 – Pedras e metais preciosos
12 – Direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia
13 – Outros direitos
A MEDIDA JÁ ESTÁ VALENDO?
A decisão do STJ ainda pode ser alvo de recurso e ser revisada pelo próprio STJ ou ser analisada pelo STF (Supremo Tribunal Federal), caso seja solicitado um recurso extraordinário.
“As partes ainda podem opor embargos de declaração pedindo esclarecimentos ao STJ sobre possíveis omissões e contradições, e também podem interpor recurso extraordinário ao STF”, diz Maria Cristine Lindoso.
INADIMPLÊNCIA EM ALTA
O Brasil tem 70,7 milhões de pessoas com o nome negativado devido a dívidas, segundo levantamento da Serasa feito em março. Houve um aumento de 180 mil brasileiros em relação a fevereiro.
O estudo aponta que 34,8% dos inadimplentes têm entre 26 e 40 anos, seguidos por 34,7% entre 41 e 60 anos. A Serasa e bancos como o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o Bradesco e o Itaú oferecem programas para renegociação das dívidas.
O presidente da Adefin (Associação Brasileira de Educadores Financeiros), Reinaldo Domingos, recomenda planejamento ao endividado. “Mudar hábitos e comportamento é o primeiro passo para o recomeço.”
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