BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Auditoria do TCU (Tribunal de Contas da União) apontou ilegalidade no uso de recursos do SUS para fornecimento de cloroquina e hidroxicloroquina a pacientes com Covid-19, prática adotada pelo governo de Jair Bolsonaro (sem partido). A política foi implementada pelo ministro da Saúde, o general da ativa Eduardo Pazuello.
Diante da conclusão da área técnica do TCU, o ministro Benjamin Zymler, relator do processo, determinou que o Ministério da Saúde explique em cinco dias úteis sua posição em relação ao uso de cloroquina por pacientes com Covid-19. O despacho foi expedido na última sexta-feira (22).
A explicação deve ocorrer porque Pazuello adotou, nos últimos dias, posição “contraditória” sobre o que o ministério vem fazendo em relação à cloroquina, conforme o despacho do ministro do TCU. A pasta também deve explicar quem pôs no ar o aplicativo TratCOV, que orientava o uso indiscriminado do medicamento.
Não há comprovação científica sobre a eficácia da cloroquina no tratamento precoce de pacientes com Covid-19. Mesmo assim, Bolsonaro e Pazuello apostaram nela como saída para a pandemia.
Só em um caso mais recente, de crise na rede de saúde em Manaus e esgotamento de oxigênio nos hospitais, o Ministério distribuiu 120 mil comprimidos de hidroxicloroquina na cidade. O que as unidades de saúde precisavam, como dito em diversas alertas ao ministro, era de oxigênio. Pacientes morreram asfixiados.
Pazuello é formalmente investigado num inquérito pedido pela PGR (Procuradoria-Geral da República) e aberto por determinação do STF (Supremo Tribunal Federal). Ele é suspeito de prática de crimes pelo que ocorreu em Manaus, e precisará prestar depoimento à PF (Polícia Federal).
No TCU, a área técnica compreendeu que a distribuição de cloroquina pelo SUS é ilegal. Seu parecer foi transcrito no despacho de Zymler.
“Como não houve manifestação da Anvisa acerca da possibilidade de se usar os medicamentos à base de cloroquina para tratamento da Covid-19 e tampouco dos órgãos internacionais antes mencionados (as ‘Anvisas’ de outros países), verifica-se não haver amparo legal para a utilização de recursos do SUS para o fornecimento desses medicamentos com essa finalidade”, cita o documento.
Os auditores afirmam que o uso da cloroquina só poderia ocorrer “off label”, ou seja, fora do que prevê a bula do medicamento. E, para que um medicamento “off label” seja fornecido pelo SUS, é preciso haver autorização da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Na pandemia, a Anvisa permitiu importações excepcionais de medicamentos, desde que aprovados por “Anvisas” de outros países. “Essas autoridades sanitárias também não aprovaram o uso de medicamentos à base de cloroquina para tratamento da Covid-19”, diz o TCU.
O tribunal diz ainda que a própria orientação do Ministério para tratamento precoce cita a falta de evidências científicas sobre o êxito de medicamentos do tipo. “A nota informativa (do ministério) não possui os requisitos para se constituir em um protocolo clínico ou diretriz terapêutica”, afirma.
A área técnica do TCU recomendou que a nota do Ministério, elaborada na gestão de Pazuello, seja submetida à Anvisa, “a fim de que ela se manifeste sobre a autorização ou não do uso off label da cloroquina e hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19”.
Ao decidir pedir uma “posição oficial” do Ministério sobre o assunto, Zymler apontou as contradições recentes de Pazuello, que disse não indicar medicação para o combate à Covid-19, e sim que as pessoas procurem por “atendimento precoce”.
“As manifestações do titular da pasta são contraditadas pelos documentos emitidos pelo ministério, os quais indicam os medicamentos a serem utilizados, com as respectivas posologias, para o tratamento da Covid-19”, afirmou.
Outro “ponto de realce”, conforme o ministro, foi o lançamento do TratCOV pelo Ministério, aplicativo que estimulava a prescrição indiscriminada de cloroquina. “Possivelmente, em razão das críticas sofridas, o aplicativo não se encontra mais acessível na internet”, disse Zymler.
À reportagem, a Anvisa confirmou que não deu autorização para uso “off label” da cloroquina. O órgão disse, por meio da assessoria de imprensa, que se manifestou no sentido de que essa era uma atribuição do médico, em discussão com o paciente. E que nenhum laboratório pediu a inclusão dessa indicação.
Na reunião que deu as primeiras autorizações para uso emergencial das vacinas contra o novo coronavírus, diretores da Anvisa deixaram claro não haver opção de tratamento precoce para a Covid-19.
Falando em Manaus sobre as acusações, Pazuello atribuiu, nesta terça-feira (26), a situação da cidade a “gargalos de décadas” e a uma diferença na contaminação possivelmente causada pela nova variante do coronavírus.
“É importante compreender os gargalos que existem na nossa região. São gargalos de décadas, mas são reais. Temos problemas com abastecimento de oxigênio, de quantitativo de leitos, problemas de recursos humanos e deficiência na atenção básica. E temos problemas agravados pela situação epidemiológica que estamos encontrando no Amazonas, especialmente em Manaus”, afirmou, citando em seguida a alta de casos e a nova variante do coronavírus.
Ele disse que a pasta enviou amostras da nova variante identificada em Manaus para análise em Oxford, na Inglaterra. O objetivo “é ter uma posição exata” sobre mudanças no grau de transmissão e agressividade do vírus.
Segundo o ministro, a tendência avaliada até o momento pela pasta é que a nova variante seja mais transmissível, mas tenha o mesmo grau de agressividade do vírus antigo – ainda assim, podendo sobrecarregar a rede de saúde devido à maior transmissão.
A declaração ocorreu em evento no hospital Nilton Lins, em Manaus, transmitido pelas redes sociais.
“A tendência é que seja uma cepa que contamina mais, mas com grau de agressividade semelhante a anterior. Mas é um número de contaminados e propagação que faz a diferença. Somando essa diferença com os gargalos que apresentei, chegamos à situação de Manaus”, disse.
A referência à nova variante, porém, destoa de declarações anteriores do ministro, que até a última semana evitava atrelar o quadro a uma mudança no vírus. Na terça, passou citá-la. Ressaltou, porém, que é uma “análise rápida e simples que ainda precisa ser aprofundada”.
Pazuello tentou rebater indiretamente críticas pela demora da pasta em adotar ações e disse que o aumento de casos neste mês “foi uma situação completamente desconhecida para todo mundo” e “muito rápido”.
Reportagem do jornal Folha de S.Paulo, no entanto, mostrou que ele foi alertado sobre o quadro em Manaus e o risco de falta de oxigênio – inclusive quatro dias antes de ela ocorrer. O ministro deixou o evento sem responder a perguntas.
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